Entendo que, em todo debate sobre quais são os melhores vocalistas da história, sempre serão citados Freddie Mercury, Robert Plant, Elvis Presley, Ronnie James Dio, entre outros que marcaram época e influenciaram gerações de cantores ao redor do mundo. Não discordo dessas escolhas, porém, do meu ponto de vista, elas soam um tanto manjadas. Com cinco décadas de carreira, Glenn Hughes, que voltou ao Brasil após se apresentar no festival Bangers Open Air, poderia tranquilamente ocupar o posto de um desses nomes. É difícil descrever sua apresentação no último dia 16 de novembro, em São Paulo, no Vip Station, pois mais uma vez o The Voice of Rock, e o cantor branco favorito de Stevie Wonder, nos surpreendeu mais uma vez.
Como já é de praxe em todos os shows da Dark Dimensions, houve uma banda de abertura para aquele tradicional aquecimento antes da atração principal. A escolhida desta vez foi a mineira Electric Gypsy, que abriu quase todos os shows da turnê, com exceção de Porto Alegre e Curitiba. Formada durante a pandemia, a banda participou da última turnê do saudoso Paul Di’Anno tanto no Brasil quanto na Europa em 2023. Suas influências vão de Great White, L.A. Guns e um pouco de Lynch Mob, nomes das décadas de 80 e 90, além de um leve flerte com os anos 70, especialmente da escola Bad Company. O resultado é um hard rock competente e muito bem executado.
As composições, principalmente as do segundo e mais recente álbum, Mothership (2023), agradaram o público que esteve presente para vê-los. Além delas e das faixas do debut homônimo, lançado em 2021, a banda incluiu alguns covers no setlist. O primeiro foi “Hot for Teacher”, do Van Halen, que evidenciou a competência e a técnica dos músicos ao encarar uma das músicas mais difíceis da banda. O segundo foi “Shoot to Thrill”, do AC/DC, que, conforme descreveu o vocalista Gus, serviu como um belo aquecimento para o que vai rolar no Morumbis entre fevereiro e março do próximo ano. Outro grande destaque ficou para “Right On”, que combinou perfeitamente com as características do dono da noite, e para “Till the Levee Runs Dry”, a qual Gus desceu do palco para cantar bem perto de quem estava na grade.
Falando no Gus, que é praticamente um crossover entre Steven Tyler e Vince Neil, o vocalista comandou a plateia com uma atitude imparável, digna de um verdadeiro frontman. Já o guitarrista Nola consegue emular muito bem as influências dos grandes guitarristas que fizeram sucesso nos anos 80, lembrando especialmente o lendário George Lynch em seu timbre. Mas nada disso adiantaria se eles, Pete (baixo) e Robert Zimmerman (bateria), que completam a banda, não tivessem uma ótima presença de palco. O mais interessante é que são quatro jovens na casa dos 30 anos praticando um estilo musical direcionado a um nicho específico, mas que pode, sem dúvida, despertar o interesse não só do público mais jovem, mas de todas as faixas etárias. O show, no geral, foi muito bom. Uma escolha mais do que acertada.
Com a casa lotada, bastaram apenas trinta minutos para que a grande estrela da noite subisse ao palco. Às 21h em ponto, Glenn e seu duo já mandaram ver com a mistura de hard, soul e funk em “Soul Mover”, que, com seu poderoso refrão, conquistou o público de imediato. Na sequência, “Muscle & Blood”, do extinto projeto Hughes/Thrall, que rendeu apenas um disco, manteve o calor sonoro na temperatura certa. Se na versão original, em estúdio, a música já tem um forte impacto, ao vivo ficou ainda mais. Para completar essa primeira trinca, “Voice in My Head”, do recém-lançado Chosen (2025), mostra que Glenn continua compondo ótimas músicas.
A escolha do setlist, nas palavras do próprio Glenn, foi mais do que acertada, como se comprovou na hora de tocar “One Last Soul”, extraída do primeiro álbum de um dos melhores supergrupos da última década, o Black Country Communion. O mais interessante nesses primeiros minutos de show é ver que a obra de Glenn pós-Deep Purple atingiu um grande público, que recebeu essas músicas de forma grandiosa, assim como “Can’t Stop the Flood”, responsável por colocar mais groove na noite, e “First Step of Love”, outra da parceria com o guitarrista Pat Thrall.
Além de mostrar que sua voz continua sendo uma força da natureza, Glenn se mostrou gentil em todos os momentos, sempre expressando seu carinho pelos fãs brasileiros. Relembrou seus saudosos amigos Mel Galley e Dave Holland. Este último, segundo contou, recebeu um telefonema de Rob Halford pedindo seu contato para entrar no Judas Priest. Glenn também compartilhou como uma jovem chamada Ivana, que mais tarde se tornaria sua namorada, inspirou a para compor “Way Back to the Bone”, do Trapeze, que fez todos no Vip Station dançarem a seu pedido.
Continuando a relembrar os seus tempos de Trapeze, “Medusa”, o grande hit da sua primeira banda e primeiro estopim da noite, trouxe uma carga de emoção, dramaticidade e peso, que se estendeu em “Grace”, fruto da sua outra parceria importante com Tony Iommi. Antes de executá-la, Glenn teceu elogios ao mestre dos riffs, perguntando “como pode um homem tão calmo, de voz mansa, consegui compor riffs tão raivosos?” A única falha nesta parte do show foi o som, com o baixo encobrindo a guitarra do dinamarquês Søren Andersen. Essa fase, que rendeu o álbum Fused (2005), foi concluída com “Dopamine”, tocando apenas a parte do refrão.
“Chosen”, outra faixa do recém-lançado álbum de mesmo nome, preparou o terreno para a grande catarse da noite: “Mistreated”, obra-prima do clássico Burn (1974), do Deep Purple. A plateia esteve insana do primeiro ao último minuto deste que é um dos maiores clássicos da história do rock. A música permitiu que Glenn mostrasse toda a sua potencialidade vocal, arrepiando a alma de quem teve a oportunidade de ver e ouvir. Houve também um rápido solo de guitarra de Søren, que executou com sabedoria as linhas criadas por Ritchie Blackmore, Joe Bonamassa, Paty Thrall e Mel Galley na noite. Já “Stay Free”, do último e quinto disco do Black Country Communion, mostrou o bom gingado de Glenn antes daquela saída marota que todos já conhecem.
Para o final, Glenn trouxe mais um pouco de passado e presente, começando com “Coast to Coast”, com ele sozinho no palco fazendo voz e violão. “Black Country”, música que dá nome a um dos melhores supergrupos que mencionei anteriormente, colocou o Vip Station de cabeça para baixo, com direito a um rápido solo de bateria, inspirado em ritmos brasileiros, de Ash Sheehan. O encerramento não poderia ser outro senão a radiofônica “Burn”, que fez todos irem aos berros assim que Søren despejou um dos riffs mais importantes da história do rock e, por que não, da música.
Todos saíram e voltaram para suas casas com um sorriso de orelha a orelha. E, retomando aquela conversa do início, é fato que nomes como Robert Plant, Rob Halford, Bruce Dickinson e até mesmo os saudosos Elvis Presley e Freddie Mercury sempre terão seu lugar na mente de cantores e de qualquer fã de rock. Mas de uma coisa eu tenho certeza: mesmo com 74, 75, 76 ou até 80 anos, a voz de Glenn continuará intacta como sempre. Um show que, conforme dito pelo vocalista do Spektra, BJ – que inclusive esteve ao meu lado em parte da apresentação –, não dava para perder de jeito nenhum, ainda mais se realmente foi a última vez, como anunciado. Mas prefiro não acreditar muito nisso, pois Glenn ainda tem fôlego de sobra para cantar essas músicas que os fãs tanto amam.
Texto: Gabriel Arruda
Fotos: Amanda Vasconcelos
Edição/Revisão: Gabriel Arruda
Realização: Dark Dimensions
Press: JZ Press
Glenn Hughes – setlist:
Soul Mover
Muscle and Blood
Voice in My Head
One Last Soul
Can't Stop the Flood
First Step of Love
Way Back to the Bone
Medusa
Grace / Dopamine
Chosen
Mistreated
Stay Free
Bis
Coast to Coast
Black Country
Burn










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