O Heavy Metal, para todo apreciador que se preze, é reconhecido como um dos estilos mais pesados do planeta, com uma grande variedade de subgêneros. O mesmo vale para o Hard Rock, que apresenta diversas ramificações, como o Hair Metal, Glam, Melodic Rock, AOR e o mais tradicional. Desde os anos 1980, época de sua maior popularidade, o gênero evoluiu, mas sem perder sua essência. No Brasil, um país onde o rock infelizmente não recebe o devido valor, o estilo acabou ficando em segundo plano, salvo pelas lembranças de bandas como Kiss, Guns N’ Roses e Aerosmith. No entanto, a Hard N’ Heavy Party, que ressurgiu das cinzas há um ano, vem mudando essa história e mostrando que o Hard Rock vai muito além dessas referências clássicas.
Após um ano desde seu retorno, e com a mais recente edição realizada no último dia 30 de agosto, a Hard N’ Heavy já conta com quatro edições realizadas. Este que vos escreve esteve presente em todas elas, e nenhuma deixou a desejar: todas foram um sucesso. Isso prova que o evento se tornou, em um piscar de olhos, um compromisso obrigatório no calendário de shows não apenas do Brasil, mas de toda América Latina. A proposta é clara: trazer ao público artistas e bandas de Hard Rock que muitos sequer imaginavam ver ao vivo no país. E a tendência, segundo o idealizador Carlos Chiaroni, da Animal Records, é que venham ainda mais atrações inéditas nas próximas edições.
Para esta quarta edição, dois nomes já conhecidos em terras brasileiras foram trazidos, ambos com passagens marcantes por aqui e bom público em apresentações anteriores. Um deles foi o Eclipse, considerada uma das melhores bandas de Hard Rock da atualidade. O grupo retornou ao país um ano após sua apresentação na segunda edição do Summer Breeze (atualmente chamado de Bangers Open Air), realizando o desejo dos organizadores e matando a saudade de quem os viu naquele último dia de festival. O outro destaque foi Johnny Gioeli, um dos melhores vocalistas do gênero, embora ainda pouco reconhecido. Conhecido por seus trabalhos com o Hardline, Axel Rudi Pell e Crush 40, o cantor conquistou o público brasileiro já em sua primeira apresentação no país, em 2023, com um show lotado no House of Legends, localizado na Vila Madalena.
Assim como nas edições anteriores, a Hard N’ Heavy mantém como sua principal casa o Manifesto Bar, o mais importante rock club do Brasil, que desde junho está em novo endereço. Agora localizado no bairro da Vila Olímpia, o novo espaço é maior do que o anterior e realmente impressiona pela estrutura e visual, ficando à altura do que se esperava.
Antes mesmo da abertura das portas, pontualmente aberta às 20h, uma fila já se formava do lado de fora. Cheguei a ter certo receio de que o público não comparecesse em grande número, já que o evento enfrentava uma certa concorrência naquele final de semana: o I Wanna Be Tour, no Allianz Parque, e o The 69 Eyes, banda de Gothic Rock que lotou o Fabrique Club no dia seguinte. Mas o temor foi infundado, o público veio. Gente de várias partes do Brasil e até da América Latina, como Colômbia e Argentina, compareceu em bom número. Ainda que não tenha lotado, o Manifesto ficou cheio o suficiente para criar um ótimo clima para os dois shows da noite.
Marcado para começar às 21h, o show de Johnny Gioeli acabou tendo um atraso de vinte minutos. Carlos, como de costume, fez seus agradecimentos, enquanto Bruno Luiz (guitarra, Command 6, The Heathen Scÿthe), Bento Mello (baixo, Nite Stinger, Sioux 66), Gabriel Haddad (bateria, Sioux 66) – a mesma formação que deu suporte ao vocalista em 2023, com exceção de Flavio Salin (teclado, The Heathen Scÿthe) – ocupavam seus postos. Sem nada combinado, Johnny acabou "queimando a largada" ao rasgar elogios ao amigo: “Esse aqui é um verdadeiro astro do rock”, disse Gioeli ao Carlos antes de começar o show com dois clássicos do Hardline, mais precisamente do álbum Double Eclipse (1992), uma das obras-primas do hard rock, com “Dr. Love” e “Takin' Me Down”.

Basicamente, o setlist contou com músicas de suas principais bandas, todas muito bem recepcionadas pelo público – de forma palpável, inclusive. Um exemplo foi “Long Live Rock”, escolha de Carlos, mas uma das que Johnny menos gosta, conforme ele mesmo comentou antes de anunciá-la. Ainda assim, foi um dos destaques da noite, com o público cantando o refrão com empolgação e Bruno, que naquele momento virou “Bruno Rudi Pell”, arrasando nos solos. Em seguida, “Live and Learn”, do Crush 40, também se destacou neste estupendo início, e olha que eu tinha minhas dúvidas quanto a ela, por se tratar de uma banda mais nichada, voltada ao público gamer, especialmente da série Sonic. Prova disso foi quando um sujeito jogou uma touca do personagem em direção a Johnny, enquanto ele, junto com a banda, performava esse clássico da banda nipo-americana (nipo por conta do guitarrista japonês Jun Senoue, fundador da banda). Um fato curioso, e que eu também não sabia, é que essa música está presente no último filme do Sonic, que tem Jim Carrey e Keanu Reeves como protagonistas, conforme explicou o vocalista.

As duas próximas músicas da noite vieram de álbuns menos lembrados do Hardline – Leaving the End Open (2009) e Human Nature (2016) – que mantêm a essência da banda, mas de forma mais melódica. A balada “In This Moment”, apenas com Johnny e Flavio no palco, trouxe uma bela mensagem sobre valorizar as coisas simples da vida. Nela, ficou evidente o quanto a voz de Johnny, que ecoou por todo o bairro da Vila Olímpia, é impressionante. Chega a ser uma injustiça um vocalista desse nível não ter mais reconhecimento do que já tem, talvez por ter surgido em uma época pouco favorável ao estilo. Sem muito tempo a perder, “Take Me Home” – com Flavio também assumindo os vocais – completou esse momento mais intimista da noite. Vale lembrar que ambas são de autoria do produtor, compositor e multi-instrumentista italiano Alessandro Del Vechio.

Dali em diante, o show seguiu com dobradinhas de Axel Rudi Pell e Hardline. “Oceans of Time” manteve o clima das duas anteriores, mas de forma épica, com a banda completa de volta ao palco. Vale lembrar que essa música, do disco de mesmo nome, marcou a estreia de Johnny na banda do guitarrista alemão, em 1998, e segue nela até hoje. “Carousel” – “essa sim eu adoro”, brincou o vocalista com Carlos – resgatou o clima festivo da noite, antes de revisitar duas obras do Hardline: “Fever Dreams”, do excelente Danger Zone (2012), e a empolgante “Everything”, mais uma do indispensável Double Eclipse (1992).

Em “What I'm Made Of...”, a última do Crush 40 no set, Johnny aproveitou para enaltecer a banda, que mais uma vez deu conta do recado com extrema excelência, mesmo com tão pouco tempo de ensaio. Caminhando para o final, Johnny preparou uma trinca matadora, começando com “Hot Cherie” – o originalmente composta por Danny Spanos, mas cuja versão do Hardline supera sem sombra de dúvida –, seguida pela ‘rockona’ “Rock the Nation”. Enfim, “Rhythm from a Red Car”, uma das minhas favoritas do Hardline, encerrou essa apresentação memorável.

Devido à agenda apertada, Johnny infelizmente não pôde atender o público ao final do show, mas só de vê-lo ao vivo em cima do palco já valeu cada segundo. Durante os pouco mais de 60 minutos de apresentação, o vocalista não poupou interação, empatia, olhares e sorrisos diante da plateia. Ou seja, como já dito anteriormente, um verdadeiro frontman, que reúne todos (e até um pouco mais) os requisitos de como um vocalista de rock deve ser. Torcemos para que ele volte novamente, quem sabe dessa com o Hardline ou com Axel Rudi Pell.

Uma rápida pausa para ir ao banheiro, rever os amigos, beber alguma coisa e explorar um pouco mais o novo Manifesto, que volto a dizer, ficou incrível. O ambiente continuava cheio, contando inclusive com a presença de algumas celebridades, como os bateristas Ricardo Confessori (ex-Angra e Shaman) e Marco Antunes (ex-Angra), os vocalistas Leandro Caçoilo (Viper) e Nando Fernandes (ex-Cavalo Vapor, ex-Hangar e Sinistra) e ninguém menos que Branco Mello, dos Titãs. Para quem não sabe, Branco é pai do baixista Bento Mello, e esteve no templo para ver o filho ao vivo. Só em lugares assim para se estar rodeado de boa música e boas companhias, não é mesmo?
Assim como o show do Johnny Gioeli, o início da apresentação do Eclipse também teve um pequeno atraso, mas nada absurdo, apenas o suficiente para nos deixar ainda mais ansiosos. Antes de falar sobre como foi o show, vale ressaltar que a relação da banda, vinda diretamente de Estocolmo, Suécia, com o Brasil já dura uma década e meia, muito graças ao forte apelo do Carlos, criador do famoso slogan “Eclipse Minha Vida”, ao qual eu também aderi.
É praticamente impossível achar algum defeito nessa banda: todas as músicas são boas, todos os discos são ótimos, e eles ainda têm em sua formação um dos maiores gênios da música na atualidade, Erik Martensson. Além do Eclipse, Erik também integra o W.E.T, ao lado de Jeff Scott Soto, e o Nordic Union, com Ronnie Atkins do Pretty Maids e Avantasia. Sim, pode parecer exagero o que estou dizendo, mas tudo isso é verdade. E ainda complemento toda essa minha empolgação afirmando que o Eclipse está entre as principais bandas de hard rock da atualidade, ao lado de H.E.A.T, Nestor e Crazy Lixx.
Sem mais delongas, após outra chamada do Carlos, o som mecânico da casa tocou trechos de músicas do Iron Maiden, Deep Purple, Megadeth, AC/DC, Rainbow, Scorpions e Mötley Crüe, até que o logo do Eclipse apareceu nas cores verde e amarela no telão da casa. Em seguida, Erik Martensson (vocal/guitarra), Magnus Henriksson (guitarra), Victor Crusner (baixo) e Magnus Andreasson (bateria) despejaram as primeiras notas de “Roses On Your Grave”, do álbum Wired (2021) – a mesma que abriu o último show da banda aqui no Brasil. Uma baita nostalgia, com a diferença de que desta vez não havia um sol escaldante sobre nossas cabeças. Em seguida veio “All I Want”, com sua pegada garage rock e vinda do mais recente Megalomanium II (2024), e “Run For Your Cover” – a mais celebrada desse início, com os primeiros ‘ô, ô, ô’ da noite – completaram essa trinca inicial, sendo ótimas escolhas para aquecer o público e preparar o terreno para as surpresas que viriam a seguir.

Antes de dar sequência, Erik disse suas primeiras palavras da noite, agradecendo a presença de todos e explicando que eles eram o Eclipse de Estocolmo, Suécia, para aqueles que ainda não os conheciam. No melhor estilo Bruce Dickinson, soltou um “Scream for me, Brasil!” e anunciou “Battleground”, do excelente Bleed & Scream – álbum que expandiu o nome da banda pelo mundo. A faixa foi bem recebida, assim como “Anthem”, do Megalomanium (2023), que teve seus primeiros versos cantados pela maioria dos presentes. A performance incluiu ainda um medley rápido de “Hotel California”, do The Eagles, e “House of the Rising Sun”, do The Animals.

“The Downfall of Eden” e “Runaways”, dos álbuns Monumentum (2017) e Armageddonize (2015), respectivamente, foram executadas com classe. Ambas refletem bem na identidade da banda, com guitarras pesadas, melodia na medida certa e refrãos pegajosos. A primeira, conforme Erik comentou antes de anunciá-la, é uma das favoritas dele e também da maioria que acompanha a banda. O mais legal, ao final, foi ver Erik incentivando todos a cantarem o último verso do refrão. “Saturday Night (Hallelujah)” – perfeita para uma noite de sábado como aquela – e “Blood Enemies”, com Erik deixando a guitarra de lado por um momento, elevaram ainda mais o clima na pista e no camarote.

A grande surpresa, como já havia comentado, veio com a matadora “Wylde One”, do Are You Ready to Rock (2008). A música logo trouxe à memória a edição de retorno da Hard N’ Heavy, quando Erik, que naquela ocasião veio sozinho, a cantou depois de tantos anos. Mas, com o Eclipse completo, foi a primeira vez em muito tempo que ela apareceu no set, e nós, brasileiros, tivemos o privilégio de vivenciar essa performance tão contagiante. Espero que ela nunca mais saia do repertório da banda, pois é uma das melhores músicas da sua história. Até aqui, foram executadas músicas de praticamente todos os álbuns da banda. Digo “praticamente” porque dois deles ficaram de fora: The Truth and a Little More (2001) e Second to None (2004) – álbuns que, não sei por quais motivos, são sempre ignorados.

Conversando com amigos próximos, muitos concordam que a banda soa ainda melhor em lugares mais intimistas como o Manifesto. E eu assino embaixo, pois graças a essa proximidade, conseguimos sentir de verdade a energia que eles transmitem no palco. E falando da banda, ela é um ponto fora da curva. Erik, por quem sou suspeito para falar, merece todos os elogios possíveis. É, hoje, uma das pessoas que mais admiro dentro da música. Magnus deu um show com sua guitarra, entregando riffs e solos pra lá de envolventes. A cozinha mostrou firmeza do começo ao fim, contando com uma novidade temporária: o baterista Magnus Andreasson, ex-Hardcore Superstar. Sua performance foi muito elogiada na noite, mostrando uma pegada bem mais consistente que a de Philip Crusner, que preferiu ficar em casa assistindo TV e tomando cerveja.

Voltando ao show, o clímax veio com “Still My Hero”, música que Erik compôs em homenagem ao seu saudoso pai. Sozinho no palco, ele cantou e tocou de forma limpa, diferente da versão original, criando um dos momentos mais emocionantes da noite. A banda voltou ao palco tocando um trechinho de “We Don’t Celebrate Sundays” do Hardcore Superstar, uma referência clara ao baterista Adam Moore. Mas foi só uma rápida homenagem, porque logo em seguida veio “Falling to My Knees”, um dos primeiros singles do álbum mais recente, com direito a Victor Crusner cantando os versos iniciais.
A trinca final dessa primeira parte ficou por conta de “Stand on Your Feet” (outra que não era tocada há muito tempo), aa pesada “Black Rain” – que ainda teve uma palhinha de “The Sign of the Southern Cross”, do Black Sabbath – e da empolgante “Twilight”, que teve como destaque, em sua parte final, a incorporação da Nona Sinfonia de Beethoven.
Depois da tradicional pausa para um rápido descanso, a banda voltou para o bis de forma apoteótica. “I Don’t Wanna Say I’m Sorry” abriu essa segunda (e derradeira) parte da apresentação a mil por hora. Os palmeirenses de plantão tiveram motivo para comemorar nesse momento, já que o baixista Victor Crusner retornou ao palco vestindo a camiseta do Palmeiras – muito provavelmente, claro, ele deve ter ganhado de presente do Carlos, palmeirense assumido.

Assim como o Kiss encerra seus shows com “Rock and Roll All Nite”, o Guns N’ Roses com “Paradise City”, o Sepultura com “Roots Bloody Roots” e o Angra com “Carry On” e “Nova Era”, o Eclipse também tem uma música especial para fechar suas apresentações: “Viva La Victoria”. A pedido de Erik, o público pulou, cantou e gritou como se estivesse maluco, tudo para que ele realmente acreditasse que o Brasil tem o público mais insano do mundo. No finalzinho, Victor e Magnus trocaram seus instrumentos, e Adam puxou a clássica virada de “Stargazer”, do Rainbow, eternizada pelo saudoso Cozy Powell.
Mais uma edição para guardar na memória. O Eclipse, a cada ano que passa, vem elevando seu patamar dentro do hard rock e conquistando fãs ao redor do mundo, especialmente aqui no Brasil, país da América Latina com a maior base de admiradores da banda, por diversos motivos. Já Johnny Gioeli fez uma apresentação superior à de dois anos atrás, recebendo inúmeros elogios do público presente. Em resumo, ambos saíram com saldo positivo. No final, houve o show dos brasileiros do Nite Stinger, que estão prestes a lançar um novo álbum, como after party. Mas pouca gente permaneceu para assisti-los.
Johnny Gioeli – setlist:
Dr. Love (Hardline)
Takin' Me Down (Hardline)
Long Live Rock (Axel Rudi Pell)
Live and Learn (Crush 40)
In This Moment (Hardline)
Take You Home (Hardline)
Oceans of Time (Axel Rudi Pell)
Carousel (Axel Rudi Pell)
Fever Dreams (Hardline)
Everything (Hardline)
What I'm Made of... (Crush 40)
Hot Cherie (Hardline)
Rock the Nation (Axel Rudi Pell)
Rhythm From a Red Car (Hardline)
Eclipse – setlist:
Roses on Your Grave
All I Want
Run for Cover
Battlegrounds
Anthem
The Downfall of Eden
Runaways
Saturday Night (Hallelujah)
Blood Enemies
Wylde One
Still My Hero
Falling to My Knees
Stand on Your Feet
Black Rain
Twilight
Bis
I Don't Wanna Say I'm Sorry
Viva la Victoria