quarta-feira, 19 de março de 2025

Cobertura de Show: Leprous – 13/03/2025 – Vip Station/SP

Não é novidade que 2025 começou sendo um prato cheio pros fãs de plantão. Inicialmente com uma predominância forte de metal extremo, hardcore e punk, o mês de março chegou pra mudar um pouco essa cena, e a gente deve ver essa balança se equilibrando mais.

Um bom exemplo disso é o metal progressivo, que somente este ano contará com nomes como Tool, Opeth, Haken e Maestrick. No entanto, a primeira banda desse gênero a desembarcar no verde e amarelo foram os noruegueses do Leprous, que, em turnê pela América Latina, encerraram sua passagem pelo Brasil ontem (13/03), em São Paulo, em promoção ao seu último álbum de estúdio, Melodies of Atonement, lançado em 2024.

Formada no início dos anos 2000 em Notodden, na Noruega, a banda sempre mostrou sua forte inclinação ao progressivo, indo na contramão dos grandes nomes da cena do país para a época. Ganhando maior visibilidade após serem banda de apoio de Ihsahn (ex-Emperor), o Leprous foi consistente em sua evolução ao longo dos anos, com oito álbuns de estúdio lançados e uma sonoridade que passou a incorporar também elementos mais atmosféricos, alternativos e até eletrônicos.

Realizando o “Come to Brazil” desde 2019 com seu álbum Pitfalls, a terceira passagem do Leprous se deu na VIP Station, em São Paulo, em plena quarta-feira à noite. Porém, com diversos nomes preenchendo as lacunas e horários das casas noturnas essa semana, acaba sendo inevitável se deparar com shows em meio à semana como a única alternativa para uma banda conseguir efetivamente realizar sua passagem pelo país. Ainda assim, pode parecer uma surpresa (ou não) que, já próximos ao horário da abertura das portas da casa, se formava uma considerável fila onde a maior característica em comum entre os presentes era a clara animação para o show.


O início da expiação

Marcada para a subida aos palcos ocorrer uma hora após a abertura, dito e feito: poucos minutos passados das 20h30, a atmosfera se instaurava com o apagar das luzes e o silêncio vindo das músicas do P.A. Aos poucos, entrava o grupo formado por Einar Solberg (vocal/teclados) e Tor Oddmund Suhrke (guitarra), únicos membros fundadores a compor a banda, com Baard Kolstad na bateria, Simen Børven no baixo, Robin Ognedal na guitarra e Harrison White nos teclados.

A atmosfera escura, porém nada silenciosa devido aos mais ávidos fãs que já se colocavam a gritar tamanha animação, pouco a pouco deu lugar às primeiras batidas de “Silently Walking Alone”, estreando a primeira de Melodies of Atonement, com a batida eletrônica extremamente presente que, com muita paixão, chamou a atenção para um dos elementos que com certeza se fez um dos grandes destaques da noite: o envolvente jogo de luzes que agiu de forma extremamente complementar a cada nota e emoção evocada nas palavras de Solberg.

Outro elemento que se fez presente desde o início foi a movimentação de palco extremamente coordenada e ainda assim orgânica, performada pelo sexteto que, de forma tão fluida, se movimentava pelo palco, de lá para cá, subindo nas plataformas da parte de trás, onde ficam a bateria e o teclado, ou nas da frente, ao lado dos microfones, para se projetar para o público. Se na primeira alguns fãs se encontravam mais acanhados, “The Price” entrava na sequência, puxando todos os “AaAah’s” que você possa imaginar em um coro que tomava a VIP Station. Faixa do quarto e aclamado álbum The Congregation, a música trouxe os elementos mais marcantes do prog característico do Leprous, além de já destacar toda a versatilidade de Einar ao assumir também os teclados, conforme as luzes piscantes elevavam ainda mais todo o drama e o peso da música.

“Illuminate” veio a seguir, mantendo as fortes raízes do prog, com toques eletrônicos mais marcantes, aquecendo cada vez mais o público que dançava e cantava ao som do refrão, totalmente cativo pelo carisma da banda como um todo, que, entre acenos, olhadas, sinais e sorrisos, parecia energizada pela conexão com o público. Mas arriscaria dizer que foi com “I Hear the Sirens” que o primeiro grande impacto da noite realmente chegou.

Isso porque, nesta música, a cena foi completamente roubada por Solberg e toda a sua capacidade vocal, indo de sua já bela voz limpa até o mais alto, agudo e dramático momento, no qual a plateia restava apenas ficar ali, parada, observando e totalmente hipnotizada pelo “canto da sereia” — mas que, diferentemente da mitologia, parecia nos afogar nas profundezas de um deleite acústico. Acredito que, independentemente de ser a primeira vez ou não assistindo a uma performance do Leprous, foi naquele momento que a magia fora lançada e a todos nós restava cada vez mais emergir naquela experiência.

Em uma dobradinha do Melodies of Atonement, tivemos na sequência “Like a Sunken Ship”, outra favorita dos fãs do mais recente álbum, que, mesclando as vozes de backing vocals e toda a atmosfera criada pela música, com os “Lá, lá, lá, lá’s” misturados ao refrão, rapidamente entra na mente, até a grande virada da música, com um Solberg agressivo com poderosos drives vocais e o mais forte agudo.


A escolha é de vocês…

A segunda metade do show teve como início uma fala mais longa de Einar para com a audiência, com os devidos agradecimentos pelo suporte e todo o amor pelo Brasil e São Paulo. Brincando com o público a todo momento, o músico questionou sobre o tempo em que o público acompanhava a banda, realmente ouvindo as respostas e interagindo com elas em um descontraído momento que culminou na necessidade de uma decisão: trazendo elementos interativos ao show, a banda deu ao público a possibilidade de escolha entre duas músicas: “Forced Entry”, do álbum de 2011, Bilateral, ou “Passing”, do Tall Poppy Syndrome, o primeiro álbum, de 2009.

Com uma vitória esmagadora por aqueles que gostariam de ouvir algo o mais antigo possível, iniciou-se a música que nos conduziu novamente para uma fase mais prog, com escalas, quebras e harmonias mais complexas e, é claro, um gutural visceral de Solberg. Com todo o arranjo agressivo e mais pesado da música, somado aos diferentes ranges vocais de Einar ao longo da faixa, a grande estrela do drama nesta, mais uma vez, foi a iluminação, que se apagava em completo escuro até a luz quente iluminar novamente a cada grito do vocalista.

Depois de todo o fôlego roubado de nossos pulmões e transferido para Einar, um lindo solo de teclado deu lugar ao início de “Distant Bells”, do álbum Pitfalls, de 2019. Uma música que serviu de perfeito contraponto e recuperação para todos os presentes, onde, àquela altura, o calor principalmente era notável aos noruegueses, que pingavam de suor pelo palco. Outros momentos marcantes deste segundo bloco da apresentação se deram após “Nighttime Disguise”, com “Unfree My Soul”, onde o peso da música se dividiu entre os integrantes, à medida que as dedilhadas iniciais e constantes da guitarra se contrastavam com as intensas batidas na percussão; somados a Baard, White, o tecladista, se unia ao mesmo para literalmente sentar a mão, deixando clara a intensidade da música, ainda somada à harmonia vocal de Einar.

“Below”, outro hit de sucesso da banda, não deixou a desejar, com o público cantando desde suas primeiras frases ao envolvimento magnético e atmosférico dos solos. Mas foi em “Faceless” que tivemos outro — e talvez o maior — ponto alto da noite. Isso porque, antes do início da música, Einar dialogou mais uma vez por um tempo com o público, comentando brevemente sobre o processo de criação e o desafio da gravação da música, que tem como característica ter sido gravada utilizando quase 200 vozes de fãs que participaram de um processo seletivo para terem suas vozes eternizadas.


Até aí tudo bem… Mas como isso se traduziu para a apresentação ao vivo? 

Simplesmente com a aparição de mais de 10 fãs da plateia, selecionados, que subiram ao palco para vivenciar este momento inesquecível junto à banda, no emocionante coro de “Never go alone / Never the unknown”. Foi extremamente emocionante observar tanto o carinho e respeito dos artistas para com o público em geral, mas também a felicidade no rosto dos escolhidos, que ali representavam também os fãs com muito amor e dedicação, de forma ainda a incrivelmente soar tão belamente enquanto um coro, para algo combinado na hora.

De quebra, a banda ganhou ainda uma capivara de pelúcia, marcando praticamente o reconhecimento e a sinalização de que os noruegueses já podem entrar com o pedido de sua dupla cidadania.


Povo do gelo, com calor nas veias

O terceiro e último bloco do show do Leprous serviu como um giro pela discografia da banda, iniciando com “Castaway Angels”, diretamente do álbum Aphelion, música que viaja em uma veia mais pop-rock e mantém a energia mais tranquila tida em “Faceless”, com foco nos belos falsetes de Einar. Veio então “From the Flame”, talvez uma das músicas mais aguardadas da noite, que já elevou a energia e trouxe toda a intensidade performática do show para o alto novamente.

Com destaque para a dupla Tor e Einar, juntamente a um público em coro, os outros integrantes não ficavam para trás, com Baard mostrando toda a paixão em cada batida e virada, Simen chegando próximo ao limite do palco apenas para se projetar o máximo possível para o público, White em um completo transe conforme se dispunha nos teclados e Robin servindo como base, mas sem perder seu brilho.

Retornando às raízes mais progressivas, “Slave” entregou tudo e mais um pouco, com sua tensão inicial através dos teclados que davam aquele peso no peito e sua crescente ao longo da música através dos riffs e das batidas frenéticas da bateria, culminando nos potentes guturais de Einar que marcaram a música até o seu fim, onde, após uma breve despedida, os músicos se retiraram do palco naquele velho protocolo do “estamos indo, talvez voltemos”, que sabemos que sempre voltam.

E não bastou muito! Aos gritos de “Olê, olê, olê, olê, Leprous, Leprous”, tínhamos um breve retorno com direito a cumprimentos da banda para com o público e um Einar tentando puxar um “Olê, olê, olê, olê”, misturado com algumas brincadeiras; a banda entrava em seu encore com “Atonement”, outro dos grandes hits do último álbum, que serviu ainda perfeitamente para esta parte final, ao comando da voz de Einar, juntamente ao backing vocal do restante da banda que, junto ao público cantando o refrão a plenos pulmões, todo o melódico e a força da música dava energia para os músicos irem de um lado para o outro, batendo cabeça, entregando uma performance totalmente intensa.

Fechando com chaves leprosas de ouro, “The Sky Is Red” foi tocada em sua intensidade junto ao jogo de luzes, mas, infelizmente, não em sua totalidade, servindo como uma sobremesa que te sacia, mas deixa com aquele gostinho de quero mais deste grande épico que em alguns momentos parece até flertar com o sinfônico, em uma das músicas que talvez melhor incorpore tanto os elementos progressivos quanto os mais característicos à fórmula atual da banda.

Algo que, de nem de longe, foi motivo para narizes torcidos, afinal, o público aparentava completa alma lavada ao final desta épica noite, que impressionou do começo ao fim pela experiência sonora e de palco, mas, acima de tudo, mostrou que o Leprous, apesar de vir dos países nórdicos, tem um sangue extremamente quente fluindo em suas veias, tamanha a demonstração das emoções no palco e do carinho com o público que se despediu pela terceira vez do sexteto, mas com certeza já desejando um breve retorno.

Com um setlist marcado pela mescla das fases da banda, a apresentação como um todo se mostrou extremamente impactante e nem um pouco enjoativa, mantendo as características clássicas, mas mostrando também sua evolução através do tempo. Com a clara e esperada predominância de Melodies of Atonement, a passagem do Leprous pelo Brasil foi extremamente envolvente, dinâmica e emocionante.


Texto: Pedro Delgado

Fotos: Gabriel Eustáquio

Edição/Revisão: Gabriel Arruda 


Realização: Estética Torta

Press: Acesso Music


Leprous – setlist: 

Silently Walking Alone

The Price

Illuminate

I Hear the Sirens

Like a Sunken Ship

Passing

Distant Bells

Nighttime Disguise

Unfree My Soul

Below

Faceless

Castaway Angels

From the Flame

Slave

Bis

Atonement

The Sky Is Red

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