quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Entrevista: A Força do Rock feito na Bahia pela Organoclorados

 


Formada na Bahia no início dos anos 2000, a Organoclaros construiu uma trajetória marcada pela experimentação sonora e pela força poética de suas composições. Unindo referências do rock alternativo e psicodélico à riqueza da música regional brasileira, a banda se destacou no cenário independente por criar uma identidade própria, intensa e crítica. 

Suas letras, carregadas de simbolismo, dialogam com questões existenciais, sociais e ambientais, enquanto os arranjos mergulham em atmosferas densas e climáticas. 

Ao longo dos anos, a Organoclaros participou de festivais, coletâneas e projetos culturais, firmando-se como um dos nomes que melhor representam a vertente underground e inovadora da música baiana, para além dos estereótipos. Conversamos com André G. , que nos falou mais a respeito do mais recente trabalho e novidades que estão por vir.


Olá, André G. Obrigado pela sua gentileza em nos atender. Parabéns pelo lançamento do álbum “Dreams and Falls”, pois o material ficou de primeira...

Eu que agradeço a oportunidade de conversar com vocês sobre esse lançamento da Organoclorados. Gratificante saber que gostaram do material.


- Como você pode descrever o trabalho na composição deste tipo de sonoridade?

Acho que a sonoridade alcançada nesse álbum evoluiu desde as primeiras gravações de estúdio e as produções que realizamos. “Dreams and Falls” tem sua própria identidade, mas tem uma conexão com os álbuns anteriores, a começar pelo álbum de estreia lançado em 2001, intitulado “Princípio Ativo” (que inclusive já tinha uma música em inglês), passando por “Quântico” (2018), “Efeito Residual” (2020) e “Saudade da Razão” (2022). Durante a seleção das músicas que a gente tem guardadas para as gravações do “Saudade da Razão”, nos ensaios preparatórios, testamos algumas cantando em inglês, sem muito planejamento, só por curtição mesmo. 

Em 2023, retornamos ao estúdio para gravar músicas para um novo álbum em português e no meio do processo Artur apresentou Just for Today à banda e as conversas internas avançaram porque a gente viu a chance de gravar em inglês, aproveitando músicas do “Saudade da Razão” que tinham potencial de se adaptar bem ao inglês, junto com outras inéditas que estavam na fila para gravar. Vieram as sessões de estúdio, Artur e Joir gravaram as guias de guitarra, voz e bateria, e definiram andamentos e estruturas. 

Logo depois, eu inseri as linhas de baixo, escolhendo os instrumentos diferentes conforme a proposta da música. Artur fez o mesmo nas guitarras, nos licks, arpejos, solos e timbres, às vezes até utilizando mais de uma guitarra na mesma música. Em paralelo, as bases de teclados e piano, para seleção posterior de timbres. O mais legal nessas etapas do processo é que os integrantes contribuíram com opiniões em relação aos demais. Por último, Artur colocou as vozes definitivas e Roger gravou os backing-vocals. Na reta final, acompanhamos de perto o processo de mixagem e edição, principalmente Artur e Joir que estiveram em quase todas as sessões. 

Uma ideia que Artur teve durante conversas com Lucas Costa, técnico de gravação do estúdio Jimbo, e que se mostrou muito interessante foi a de aplicar uma masterização nas músicas em inglês, diferenciada daquela aplicada às faixas em português que ainda inéditas e também das versões originais que estão no Saudade da Razão. O direcionamento sempre foi para tentar ao máximo traduzir os ciclos de alternância entre peso e melodia, sonho e colapso, realização e decepção, como bem explica o texto de apresentação do álbum. Acho fomos ao extremo da nossa capacidade de mesclar melancolia e energia dançante, explorando sonoridades vintage e texturas contemporâneas.

- Os fãs e mídia em geral tem entendido a proposta do álbum da maneira que vocês esperavam, ou você vê alguma alguma dificuldade na assimilação ?

Não vejo exatamente como uma dificuldade. Acho que requer uma certa atenção, mais quanto mais se escuta, experimenta e conhece, mais fácil e natural vem o entendimento da proposta e principalmente das mensagens que estão nas letras. Tem gente que primeiro tenta entender, tem gente que curte e dança pra depois analisar, e tem gente que só relaxa, deixa fluir e apenas sente. Nossa música é persistente, tem efeito residual e acumulativo nos corações e mentes de quem ouve e processa. 

No caso do álbum novo, fora uma barreira natural para quem não domina o inglês, que é relativamente fácil de transpor com um tradutor digital, o mais atrativo para mim é a curiosidade que ele desperta. Temos consciência que a identidade artística que desenvolvemos desde o início pode provocar estranhamento, curiosidade, questionamentos, reflexão... Tanto no Brasil quanto no exterior, os fãs retornam das mais variadas formas, demonstrando essa interação, seja com as letras, seja com as harmonias e melodias.


- Existem planos para o lançamento de “Dreams and Falls” através da MS Metal Records, atual gravadora de vocês, no formato físico? Tivemos acesso apenas ao formato digital por enquanto.

Gostamos bastante de lançar material físico, mas devido à tecnologia digital que vem tornando a distribuição por streaming predominante no mercado musical, ultimamente a dúvida em relação a esse tipo de investimento adicional é recorrente no segmento independente. 

Mas chegou essa proposta de parceria da MS Metal Records para viabilizar a versão física de Dreams and Falls. De início, será uma tiragem modesta, voltada a ações promocionais e um pequeno teste de mercado já está em etapa bem avançada de formatação e produção e em breve teremos mais detalhes.


- E como está a divulgação e aceitação fora do país?

Em “Dreams and Falls”, as canções originalmente escritas em inglês e as versões cuidadosamente elaboradas materializaram um conceito que reforça a identidade artística e musical da banda. Ao mesmo tempo, serviu como um teste pessoal e um marco em nossa carreira. 

Pelo que sei, estamos muito satisfeitos. Por fim, como há o propósito de projetar ainda mais a música que criamos para ouvintes de outros países, este novo trabalho também é uma experiência de posicionamento e projeção com a qual vamos aprender bastante. 

Concretizar esse projeto foi um desafio e um grande aprendizado, em muitos sentidos. 


- Como estão rolando os shows em suporte ao disco? A aceitação está sendo positiva?

Os períodos de lançamento de álbuns costumam não interferir em nosso ritmo de shows. Fazemos shows conforme as oportunidades aparecem, mas é claro que nesse período incluímos estratégias para promover nossas novidades, como a inclusão das músicas do álbum no repertório e alguns shows especiais para essa promoção. 

A receptividade nos shows condiz com o que vemos nas mídias sociais e imprensa, seja nas reações espontâneas, seja nos comentários que ouvimos do público. O que vimos nos shows realizados entre março e agosto deste ano foi um público bem caloroso, interativo e carregado de boas vibrações. 

Claro que as versões de músicas já conhecidas são mais fáceis de absorver e isso ajuda bastante na assimilação, porém ainda estamos no início da promoção das músicas do álbum e a realização de shows é uma ferramenta que movimenta. 

Porém, destaco que não temos condições de bancar por conta própria o investimento em uma grande turnê, apesar da vontade ser grande e estarmos abertos a propostas.


- Quem assinou a capa do CD? Qual a intenção dela e como ela se conecta com o título?

Bom, na verdade ninguém assinou oficialmente porque não teve um profissional específico, foi tudo por conta própria. Começou com a redução do custo de produção, vários esboços que Artur fez e nos mostrava, ouvindo as opiniões de todos, e foi avançando. A arte da capa tinha de representar o conceito embutido nas músicas e que vínhamos conversando para amadurecer. 

Um dia, Artur nos mostrou essa fotografia que depois descobrimos ser do Panteón, um monumento localizado no Cemitério de Montjuïc, Barcelona, de autoria de August Urrutia i Roldán, que destaca a escultura de um anjo abatido, está creditada a Josep Campeny i Santamaria. De cara a banda aprovou fez algumas sugestões para uma edição que adaptou a estética. Sem muita firula ou sofisticação, a capa enfim ficou pronta. E muito linda. Mas creio que o ponto forte está no significado que é até relativamente direto, mas conserva um toque de mistério. 

A imagem da capa retrata um momento de queda e abatimento, tanto físico quanto emocional. Pode ser dor ou sofrimento, mas o anjo está com as asas inteiras e acho que depende dele querer se reerguer e voar novamente. Não sei qual a intenção original ou qual mensagem do autor da escultura, mas acho que Artur tem razão ao analisar nossas reações e dizer que o valor artístico daquela obra se manifestou justamente quando inspirou nossa interpretação para gerar outra peça artística, nesse caso, a arte da capa do álbum. 

Na sequência, veio o resultado que convida e provoca o público para refletir, lembrar de seus próprios sonhos, colapsos e recuperações.

- “Dreams and Falls” foi todo produzido pela banda. Foi satisfatório seguirem por este caminho?

Sim, tudo por nossa conta e muito satisfatório, um processo de riquíssimo e intenso, em que tivemos um enorme aprendizado. Temos muita expectativa e curiosidade para conhecer como seria a reação dos ouvintes. 

Sabemos das limitações de uma banda sem recursos financeiros para ações de promocionais muito ambiciosas, mas creio que mesmo assim estamos positivamente surpresos com os comentários, matérias positivas publicadas no Brasil e no exterior (Estados Unidos, Inglaterra, México, Argentina, Chile, entre outros), músicas em playlists (algumas delas internacionais), veiculação em rádios e webradios, além de algumas entrevistas. 

Ele foi lançado nas plataformas digitais em março/2025. Como temos convicção a qualidade da produção e da seriedade do nosso esforço, seguimos firmes na divulgação.


- E vocês já estão trabalhando em novas composições? Se sim, como está se dando o processo e como ele está soando?

Sempre! A banda não para e temos muitas músicas compostas, várias prontas e guardadas para o futuro. De imediato, temos material gravado para mais duas produções inéditas: 01 álbum em português e 01 EP em espanhol. Estão na fase final de masterização, ambas ainda sem cronogramas de lançamento definidos. As músicas foram selecionadas depois de um conceito bem estabelecido e o processo de gravação trouxe novidades bem interessantes. 

As versões para o espanhol visam demonstrar nossa gratidão ao público da América Latina e da Espanha que tem sido muito carinhoso e bem receptivo em relação ao nosso som. O processo está acontece de maneira semelhante aos dois álbuns anteriores, mas incorpora novos aprendizados e técnicas. 

Em termos de sonoridade, queremos manter nossa identidade, mesmo com as novidades e a evolução constante. Ah, e as facetas continuarão a se revelar (algumas inesperadas), o que também é uma marca da banda.


- Novamente parabéns pelo trabalho e vida longa ao ORGANOCLORADOS...

Foi massa! Muito obrigado pela atenção e o espaço que nos deu aqui nessa entrevista, além desse retorno positivo em relação a nosso trabalho. Em nome da Organoclorados, um abraço e boas energias direto da Bahia.


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