Cobertura por: Jéssica Valentim
Fotos: Roberto Sant'anna
Local/Data: Carioca Club SP - 23/08/2025
Realização: NDP e Sob Controle
No sábado, 23 de agosto, São Paulo recebeu o terceiro e último show em solo brasileiro do Cradle of Filth, um dos maiores nomes do black metal mundial. A apresentação integrou a turnê The Screaming of Americas, que divulga o mais recente álbum da banda, "The Screaming Of The Valkyries", lançado em março deste ano pela Napalm Records.
Antes de encerrar a passagem pelo país na capital paulista, o grupo britânico já havia se apresentado em Limeira e Curitiba, seguindo agora para outras datas na América Latina. A noite contou ainda com a abertura dos brasileiros da Tellus Terror e dos norte-americanos da Uada, responsáveis por aquecer o público antes da performance principal.
Metal extremo nacional em destaque: Tellus Terror conquista o público
A Tellus Terror surgiu em 2012 em Niterói, Rio de Janeiro, e desde então se consolidou na cena do metal extremo brasileiro com sua proposta única de misturar sonoridades brutais a atmosferas sombrias e conceituais.
O primeiro álbum, EZ Life DV8 (2014), rendeu elogios internacionais e colocou a banda em festivais ao lado de nomes como Behemoth, Belphegor e Krisiun. Em 2023, o grupo lançou seu segundo trabalho, DEATHinitive Love AtmosFEAR, que combina uma aura obscura e vampírica com o tema incomum do amor, explorando suas facetas mais intensas e contrastantes.
Pontualmente às 17h, a Tellus Terror subiu ao palco com sua formação atual: Felipe Borges (vocais), Maurício Belmonte e Victor Magalhães (guitarras), Gabriel Magalhães (baixo), Gabriel Filgueiras (bateria) e Rodrigo Boechat (teclados).
Desde os primeiros acordes, a banda impressionou pela força técnica e pela presença de palco. O setlist, embora enxuto, passeou pelos dois álbuns já lançados e foi suficiente para conquistar o público (ainda tímido, com cerca de metade da ocupação da casa) e preparar o terreno para a atração principal da noite.
Com sua sonoridade poderosa e identidade bem definida, a Tellus Terror se confirma como um nome a ser acompanhado de perto, especialmente por quem busca referências nacionais de qualidade no metal extremo.
Setlist Tellus Terror
Amborella's Child
Absolute Zero
Darkest Rubicon
Psyclone Darxide
Empty Nails
Lone Sky Universum
Shattered Murano Heart
Sickroom Bed
Brain Technology Pt. II
Uada entrega intensidade e atmosfera sombria em São Paulo
Marcado para as 18h, o quarteto encapuzado subiu ao palco por volta das 18h10, sob uma introdução densa e obscura que já antecipava o clima da apresentação: um set repleto de peso, bem construído, melódico e carregado de atmosfera, fiel à proposta da banda de entregar um black metal melódico com harmonia e alma.
A ambientação seguiu um tom intimista e sombrio. Embora não parecesse haver a intenção de manter as identidades dos músicos em completo sigilo (à semelhança de grupos como Ghost, Sleep Token e até os primórdios do Slipknot), o uso de iluminação mínima, quase inexistente, reforçava a ideia de que a experiência deveria ser focada no som em si, sem distrações visuais além do logo projetado no telão ao fundo.
Um dos pontos altos foi o duelo de guitarras, com melodias que se complementavam em momentos instrumentais, criando camadas sonoras que arrebatavam a plateia. As constantes mudanças de andamento nas composições mantinham o público em êxtase, respondendo com gritos entusiasmados, headbangs e até mesmo tentando acompanhar os vocais. Muitos fãs vestiam camisetas da banda, evidenciando a devoção de quem aguardava a oportunidade de vê-los ao vivo no Brasil.
A apresentação foi alta, densa e poderosa, uma verdadeira imersão no universo criado pelo grupo. O setlist contemplou faixas marcantes da carreira, equilibrando atmosferas melódicas com passagens mais agressivas, o que reforçou a habilidade da banda em transitar entre delicadeza e brutalidade sem perder identidade.
Próximo ao fim, um incidente chamou atenção: o vocalista tropeçou e chegou a cair no palco.
Longe de ser motivo de riso, a cena apenas evidenciou a entrega e intensidade da performance, já que o músico rapidamente se recompôs e seguiu sem deixar a energia cair. O episódio acabou funcionando como um detalhe humano em um espetáculo que se mostrou preciso e impactante.
Com essa apresentação, a banda confirmou o porquê de ser considerada uma das mais consistentes do black metal melódico atual, deixando claro que sua relação com o público brasileiro ainda tem fôlego para novos encontros.
Setlist Uada
Natus Eclipsim
Djinn
Blood Sand Ash
Cult of a Dying Sun
Black Autumn, White Spring
Show do Cradle of Filth celebra passado e presente da banda
Às 19h22, Dani Filth surgiu encapuzado no palco do Carioca Club, acompanhado pela atual formação da banda: Marek “Ashok” Šmerda e Donny Burbage nas guitarras, Daniel Firth no baixo, Martin “Marthus” Škaroupka na bateria, Zoe Marie Federoff nos teclados e vocais de apoio.
Assim que Dani retirou o capuz, a plateia explodiu em aplausos e gritos, dando início a uma noite intensa.
O set foi aberto com “To Live Deliciously”, faixa do mais recente álbum The Screaming Of The Valkyries, lançado em março e foco principal da turnê. Logo em seguida veio “The Forest Whispers My Name”, recebida com enorme entusiasmo pelos fãs. Dani saudou São Paulo em meio a gritos, palmas e chifres erguidos ao alto.
A sequência prosseguiu com “She Is a Fire”, igualmente ovacionada por um Carioca Club completamente lotado. O aspecto visual, sempre marcante nos shows do Cradle of Filth, se destacou mesmo em um palco menor do que os grandes festivais que costumam receber a banda. A presença de cada integrante preenchia todos os espaços, reforçando a grandiosidade da performance.
Ainda do novo álbum, foi a vez da excelente “Malignant Perfection”, que soou poderosa ao vivo, embora desse a impressão de ser menos conhecida pelo público. O registro, aliás, merece destaque: é um dos lançamentos mais consistentes do ano e prova a vitalidade criativa do grupo.
Na sequência, Dani anunciou uma das antigas, a faixa título do primeiro álbum: “The Principle of Evil Made Flesh”, cantada em coro pelos presentes e carregada de nostalgia. Depois, a escolhida foi “Heartbreak and Seance”, do Cryptoriana - The Seductiveness of Decay, que manteve o equilíbrio da setlist ao alternar músicas recentes e clássicos da carreira, mantendo a atenção tanto de novos quanto de antigos fãs.
O ápice do show viria com “Nymphetamine Fix”, um dos maiores sucessos do Cradle of Filth. Executada com perfeição, arrancou gritos e registrou o momento em um verdadeiro mar de celulares erguidos. Sem dúvida, um dos pontos altos da noite.
Em seguida, “Born in a Burial Gown” manteve a energia em alta antes da execução de “White Hellebore”, última representante do novo álbum no repertório.
Quando a banda deixou o palco, o público não deixou dúvidas de que queria mais. Sob gritos de “Olê, olê, olê, Cradle, Cradle”, os britânicos retornaram para o encore, iniciando com “Cruelty Brought Thee Orchids”, muito celebrada pelos fãs. Na reta final, Dani apresentou “Death Magick for Adepts”, precedida por uma breve introdução falada, dando um tom ainda mais sombrio ao momento.
Para encerrar, não podia faltar talvez o maior hit do grupo: “Her Ghost in the Fog”. Apesar de Dani já ter admitido em entrevistas que não gosta de tocá-la, a canção é uma das mais queridas pelo público e encerrou a noite com chave de ouro.
Entre técnica apurada, peso sonoro e um visual macabro que continua sendo marca registrada, o Cradle of Filth provou mais uma vez porque segue como um dos nomes mais relevantes do black metal mundial.
Mas nem tudo é perfeito…
Algumas considerações, no entanto, precisam ser feitas em relação ao som apresentado. Talvez pelo fato de o Cradle of Filth estar acostumado a se apresentar em venues maiores e em grandes festivais na Europa, a performance em São Paulo acabou sofrendo com falhas técnicas que destoaram do porte da banda. A bateria, por exemplo, soava desbalanceada, com pratos e bumbos se sobressaindo em excesso, enquanto outros elementos se perdiam na mixagem.
O maior problema, entretanto, foi com o vocal de Zoe Federoff. Em diversas músicas em que ela assume trechos de lead vocals, simplesmente não era possível ouvi-la. A situação foi corrigida brevemente em “Nymphetamine Fix”, quando enfim sua voz apareceu em destaque, mas logo em seguida voltou a ser abafada.
Apenas na última música, “Her Ghost in the Fog”, o público pôde escutá-la com a clareza que a ocasião pedia.
Essa falha foi especialmente sentida em “White Hellebore”, uma das principais faixas do novo álbum The Screaming Of The Valkyries, cuja atmosfera depende justamente dos vocais de Zoe para ganhar vida. Infelizmente, o resultado ficou aquém do esperado, prejudicando a experiência em momentos-chave do show.
Outro ponto a se destacar foi a reação do público, que em muitos momentos não parecia ser exatamente o público do Cradle of Filth. Em conversas com fãs mais antigos, ficou claro que parte significativa deles não se identifica com a fase mais moderna da banda, preferindo se manter fiéis apenas aos clássicos.
É uma pena, pois o último álbum, The Screaming Of The Valkyries, é de fato um grande trabalho (ouso dizer, um dos álbuns do ano) e seus videoclipes são verdadeiras produções cinematográficas. Ainda assim, parece que muitos não deram a devida atenção às novas músicas, seja por desinteresse, seja por simples resistência às novidades.
Embora a turnê seja dedicada ao novo álbum, o setlist incluiu apenas seus singles, algo pouco comum em bandas com material fresco a divulgar. Esperava-se que, ao menos, essas faixas fossem conhecidas pelo público, mas não foi o que se viu. Para equilibrar, o grupo apostou em canções mais antigas e alguns dos hits indispensáveis.
Mesmo assim, a resposta da plateia foi irregular, variando entre explosões de entusiasmo e momentos de frieza. Ficou a sensação de uma atmosfera dividida: um público que celebra o passado, mas que ainda não abraçou o presente.
Vale lembrar que uma banda com mais de três décadas de carreira merece ser ouvida em todas as suas fases. Por isso, fica aqui um apelo: dê uma chance aos lançamentos mais recentes dos seus artistas favoritos. O fato de ainda termos a oportunidade de receber material novo é um privilégio que não deve ser ignorado.
No fim, o Cradle of Filth entregou uma performance intensa e memorável, ainda que marcada por contrastes. Entre o peso da música e a divisão do público, ficou claro que a escuridão da banda segue viva, mesmo diante da resistência de alguns fãs.
Nota: Após o show a tecladista Zöe Marie Federoff, que é casada com o guitarrista Marek Smerda, anunciou sua saída da banda. O fato da saída repentina e faltando vários shows para o fim da tour surpreendeu. A tecladista, em sua comunicação, pediu que respeitem sua privacidade e que não responderia a nenhuma pergunta.
Setlist Cradle of Filth
Intro
To Live Deliciously
The Forest Whispers My Name
She Is a Fire
Malignant Perfection
The Principle of Evil Made Flesh
Heartbreak and Seance
Nymphetamine (Fix)
Born in a Burial Gown
White Hellebore
Encore:
Creatures That Kissed in Cold Mirrors / The Monstrous Sabbat (Summoning the Coven)
Cruelty Br
ought Thee Orchids
Death Magick for Adepts
Her Ghost in the Fog
Agradecimentos: Tedesco Mídia
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