Fernando Ribeiro: Obrigado! Acima de tudo, o Hermitage será sempre um disco especial, devido ao contexto em que foi gravado e lançado, e a uma certa “confirmação” de várias coisas que constituem o conceito literário do disco.
As Grutas de Mira D’Aire, são um “monumento” natural que faz parte do imaginário dos Portugueses. Durante a pandemia, tornei a visitar o sítio com o meu filho e sobrinha e, como que juntei os pontos.
RtM: E como foi a preparação na questão de, primeiramente conseguir autorização para realizar o show na Mira D'aire? pois acredito que devem haver vários cuidados e restrições. E, claro, teve a preparação e cuidados para captação de som, a acústica, a captação de imagens, tudo deve ter sido uma experiência bem diferente.
FR: Sim. Teve de ser um silent event, isto é, as pessoas escutavam os Moonspell através de headphones, com uma mistura sonora especialmente preparada para os fãs.
FR: Não sei se é inquietude ou simplesmente o fato de que nunca estamos verdadeiramente satisfeitos com o que fazemos, pelo menos eu, nunca estou. No caso do Hermitage, a sonoridade foi inspirada pelo progressivo que tem sido uma influência muita clara ao Metal e ao Moonspell, especialmente, desde discos como o "Wildhoney" do Tiamat.
O conceito literário prende-se com a solidão à qual o mundo está voltado, a falta de comunicação e empatia entre as pessoas, que leva muita gente a isolar-se do mundo por razões diversas dos santos clássicos eremitas, e nesse contraponto se fez o disco. Falava-se de distanciamento social, mas sem ser decretado por lei ou por emergência sanitária.
RtM: Ainda sobre a sonoridade de "Hermitage", eu senti bastante influência do progressivo dos anos 70, inclusive depois com o lançamento do "From Down Below", lembrei também que o Pink Floyd fez um show em Wembley no ano seguinte ao lançamento do "Dark Side of The Moon", tocando o disco na íntegra. Gostaria que você comentasse a respeito da influência desses clássicos e citasse alguns de seus favoritos.
FR: Bem, como me referi antes, herdei toda a discografia do Pink Floyd em vinil! Escutei muito coisas como Relics, adoro o tema Set the Control to the Heart of the Sun, mas também Piper at the Gates of Dawn e claro o "Dark Side of the Moon" que é uma obra-mestra.
RtM: "Hermitage" também apresenta o novo baterista Hugo Ribeiro. E referente a Hugo, como foi o contato e adaptação dele até o momento, e o que ele trouxe de novo para acrescentar à sonoridade da banda?
FR: O Hugo é o baterista mais talentoso e completo que já tocou na banda e podemos evoluir muito na complexidade das partes rítmicas e essa segurança nos permitiu ter mais imaginação e ir mais longe. Penso que o Hugo ainda tem muito para dar ao Moonspell e apenas está começando! E creio que começou com o pé direito, já que a sua performance no Hermitage é excelente.
FR: Muito difícil. Pessoalmente, o Mike era não só o baterista de Moonspell, mas também o meu melhor amigo e cheguei a equacionar não continuar sem ele. Foi das decisões mais duras da minha vida, mas tínhamos, de fato, chegado a um ponto que não podíamos resolver. Desejo toda a sorte ao Mike e aos Seventh Storm, a sua nova banda, criada à sua imagem.
FR: Foi uma coisa do momento, embora as ideias radiquem no meu passado de estudante. O disco nasce também da ausência de uma obra musical que contemplasse esse evento e todas as suas consequências sociais, políticas, artísticas e filosóficas.
Para nós foi muito importante, pois juntou duas paixões do Moonspell: História de Portugal e Heavy Metal. E queremos muito fazer outro disco em Português, assim que se encontre um tema.
FR: Cada artista faz o que quer e não há que haver julgamento. Existem diversos caminhos que se podem percorrer e para mim, não vejo porque um caminho deva ser mais legítimo que outro. Se quiser citar Feuerbach ou apresentar um pato de borracha gigante no palco, a nossa missão é entreter.
Pessoalmente, gosto da parte poética, filosófica e intelectual do Metal. Gosto de saber que o tema de Maiden "The Evil that men Do" é uma citação shakespeariana. E sigo esse caminho. Mas se outro músico quiser colocar o público fingir que está num barco viking, remando, quem sou eu para dizer que deve ser do meu modo e não do dele? Há espaço para tudo e para todos.
FR: Somos uma banda de zeitgeist, i.e., o que está acontecendo no mundo, nas nossa vidas, o que entra ou é recuperado nas nossas biblioteca e discotecas e pela insatisfação com o que fazemos e o entusiasmo em descobrir novas melodias e, quem sabe, adicionar novos temas do Moonspell ao quotidiano das pessoas. Se tivéssemos parado nos primeiros discos, ou repetido as fórmulas, não teríamos dado ao mundo temas como Nocturna, Scorpion Flower, Breathe ou todo o 1755.
RtM: Vocês recentemente tiveram que cancelar a turnê europeia pela crise financeira que alguns países vêm passando. No Brasil e América do Sul em geral, não seria tão diferente, pois as crises chegam, os governantes negligenciam e o povo paga o preço infelizmente. Na visão de vocês que já rodaram o mundo, o que poderia ser feito para conter essas crises em massa que acontecem?
FR: A turnê Europeia foi realizada. A turnê dos EUA foi cancelada por falta de transporte e a do Reino Unido não vendeu bilhetes suficientes em Londres, o que foi bizarro, pois Londres sempre foi uma das cidades mais importantes para Moonspell. O que pode ser feito? Absolutamente nada.
Temos apenas de contar com a generosidade dos fãs e depender da profundidade do seu amor pela música, e, no nosso caso para que decidam gastar o seu duramente ganho dinheiro e viver uma experiência com o Moonspell. O mundo escolheu o capitalismo e o liberalismo, sem regras, não há equilíbrio, nem base para que se experimente regular, por isso a carga será sempre em cima dos fãs e das bandas e de quem ainda investe neste tipo de negócio com pessoas, em vez de números ou algoritmos.
No nosso caso, os Moonspell optaram por baixar condições, cachês/pagamentos à banda,produção, preços de merch, para que consigamos ainda tocar para os nossos fãs. Estamos sempre a trabalhar para lhes dar o melhor.
RtM: Obrigado pelo seu tempo e por nos responder esta entrevista, que a tour pela América Latina seja muito bem sucedida, estaremos lá no Opinião em Porto Alegre, se assim o universo quiser. E para finalizar poderia nos adiantar alguma coisa do que os fãs podem esperar do próximo álbum?
FR: Muito grato pela oportunidade. E pelos votos! Vemos-nos em Porto Alegre para uma grande noite, sob o feitiço.
Iremos trabalhar num novo disco, sem pressas, algo mais simples, menos prog, regresso às canções mais emblemáticas, algo mais inteligível à primeira escuta e com o conceito à volta do poder dos livros e das palavras. Sairá em 2024, ou, no pior dos casos, em 2025.
Entrevista por: Carlos Garcia e Renato Sanson
Agradecimentos: Erick Tedesco - Tedesco Mídia
Moonspell.com
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