Jethro Tull celebra lançamentos em sete décadas e capricha no audiovisual em apresentação marcada pela restrição a celulares
O Jethro Tull, banda britânica de Rock Progressivo, Folk Rock e Blues Rock, finalizou a turnê “Seven Decades Tour” – ou “RökFlote Tour”, como também foi divulgada em alguns veículos e no ingresso – em São Paulo, no último sábado (13), no VIBRA São Paulo, localizado na Zona Sul da Capital Paulista, após passagens por Porto Alegre e Curitiba.
O show, organizado pela MCA Concerts, contou com um setlist de 17 músicas, divididas em dois atos e um bis, que trouxe o repertório da maior parte dos álbuns lançados pela banda – ao menos um a cada década desde os anos 60. Além disso, a configuração num espectro teatral e a proibição de gravações e fotos com celulares – e até a exigência da banda por não ter fotógrafos para cobrir o show – foram destaques além da apresentação.
Pré-show
Chegar ao VIBRA não é um problema, pensando que há linhas de ônibus que passam em frente ao local e, também, há a Estação João Dias a pouco mais de um quilômetro do local. E foi da primeira forma que cheguei, já observando a organização para os estacionamentos dentro e fora do terreno da casa de eventos.
Muitas pessoas deixaram para comprar os ingressos de última hora, na bilheteria do local. Isso foi um fator que atrapalhou a retirada do ingresso, mas que não impactou no horário para o show. Ainda assim, cheguei num horário em que não deu para observar qual banda, aparentemente vinculada a alguma ação da rádio Kiss FM, tocava no Hall do VIBRA, fora o fato de ter chegado no final da apresentação. Ficou a curiosidade, devido ao bom som ouvido do lado de fora – a área, inclusive, seguia com muitas pessoas a circular pelas entradas.
Membros da imprensa subiram em uma entrada diferente e que direcionou para as cadeiras superiores. Ao subir as escadas rolantes, percebi que havia um comunicado da banda, a respeito da proibição de celulares para fotos ou vídeos, algo reforçado pela agente que fez a leitura dos ingressos na porta da entrada. Este mesmo comunicado apareceu, em diversos momentos, nos telões laterais do palco:
“A pedido do Ian Anderson e da banda Jethro Tull, é proibido tirar fotos ou fazer vídeos com smartphones ou câmeras durante toda a apresentação.
Ao adentrar a casa, certifique-se de que seu telefone está desligado ou em modo avião.
As luzes dos aparelhos e dispositivos podem atrapalhar o artista e banda. Caso seja necessário, a equipe de segurança solicitará o desligamento dos mesmos.
Agradecemos a atenção e a colaboração de todos. Desejamos um bom show”.
Outro ponto a destacar envolve a posição onde os repórteres ficaram nas cadeiras superiores: na última fileira, no topo do local. Não foi ruim, exceto por um pequeno ponto cego em que a viga superior (e horizontal) de iluminação atrapalhava a visão do telão esquerdo, na visão do telespectador, algo que também deve ter atrapalhado os espectadores da posição inversa a região do topo. Fora isso, foi algo inédito, pois sempre estive em shows de pista, em pé e próximo ao palco. O conforto de ver o show sentado, na poltrona, foi o ponto mais positivo de todo este contexto.
Aparentemente, os setores abaixo de onde eu estava lotaram. Na superior, as cadeiras mais próximas às paredes tinham lugares vazios e, apesar de pensar que o espaço não lotaria consideravelmente, houve uma ocupação bem considerável, com pessoas que chegaram mais tarde, em cima do horário previsto, e até dentro do tempo de atraso, muito provavelmente por ainda comprarem os ingressos.
E foi justamente este montante de pessoas que teria causado o atraso de cerca de 20 minutos para o início do show. Dentro desse tempo, a publicidade interna ocupou os telões laterais, enquanto o principal tinha a animação de um rio, com a logo em texto da banda da noite.
Às 21h15, o comunicado exposto nos telões foi narrado duas vezes, como forma de reforçar o aviso em relação ao uso de celulares. Três minutos depois, todas as luzes se apagaram para o início do show.
Jethro Tull e um show ilustrado, lírico e performático
É importante salientar três elementos do evento que, juntos da configuração das cadeiras em todos os setores, deram sentidos reflexivos à performance e tornaram mais entendível a proposta de uma espécie de concerto musical. O primeiro envolve a configuração em que os postos instrumentais estavam: na visão dos espectadores, os teclados ficaram à esquerda, a bateria à direita e, no meio, um amplo espaço para que guitarrista, baixista e vocalista ficassem, junto a um espaço de circulação amplo para o frontman Ian Anderson – uma vez que os instrumentistas de corda pouco saíram de seus postos durante o show. O segundo é o telão central, que mostrou vídeos elaborados para cada uma das faixas e que combinavam perfeitamente com cada passagem de cada música. Por fim, as danças do líder da banda, fossem ao centro do palco ou nas regiões frontais mais vazias, tentaram trazer algo teatral em meio às partes musicais. Com isso em mente, a descrição dos acontecimentos do show pode fazer mais sentido.
O início da apresentação veio com o primeiro grande vídeo da noite: uma transição do logo do Jethro Tull para uma mão que, fora da água, segurava uma baqueta. Os membros logo chegaram ao palco, um por um: John O’Hara (teclado e backing vocal), Scott Hammond (bateria), David Goodler (baixo), Jack Clark (guitarra) e Ian Anderson (vocal e flauta). O novo guitarrista, inclusive, substituiu Joe Parrish, que deixou o grupo em janeiro deste ano.
Logo de cara, a banda tocou “My Sunday Feeling”, faixa que abre o disco de estreia, “This Was” (1968). Goodler fez o forte riff da faixa e Ian, ao entrar, veio com sua icônica flauta. Ao fundo, o telão mostrava televisões de tubo da década de 1960 que transmitiam imagens de membros mais antigos da banda – incluindo Ian – performando em outros shows. O frontman, inclusive, aparentava uma pequena dificuldade para puxar vozes mais longas, levantando a cabeça para o alto não somente nesta, como em outras faixas do show. Apesar disso, o tom da voz do vocalista condizia a como a banda tocava a faixa e, junto a isso, o solo de Jack Clark trouxe a tonalidade Blues Rock necessária.
Após os aplausos, o grupo tocou “We Used to Know”, música que representou o disco “Stand Up” (1969). Mais imagens antigas da banda em performances, somadas a ambientações urbanas da Inglaterra, apareciam no telão central, enquanto Ian Anderson se entregou ainda mais com a flauta e Jack Clark, pouco tempo depois, fez um dos grandes solos da noite.
O Jethro Tull pulou para o final dos anos 1970 com a faixa “Heavy Horses”, que leva o mesmo nome do álbum, lançado em 1978. As imagens de cavalos e tratores nos campos ingleses ilustravam uma faixa que, apesar do início mais lento, passou para um ritmo mais rápido. Ian também fez a primeira interação com os companheiros de banda no palco, ao reverenciar Clark em um novo solo de guitarra.
Em “Weathercock”, um cata-vento de fazendas, com a representação de um galo, e imagens da rosa dos ventos, eram o destaque ilustrativo. No palco, as luzes amarelas davam um novo tom visual dentro da faixa, enquanto a banda tocava um folk rock mais calmo. Nessa faixa, era visível a circulação de alguns seguranças na área superior que, muito provavelmente, tentaram conter possíveis tentativas de gravação dos fãs.
Na sequência, foi a vez de “Roots to Branches” e, levando ao pé da letra, a imagem era de uma raiz que, aos poucos, formaram galhos de árvores. Cada membro teve um momento de destaque, mas Anderson e Clark tiveram tempo maior de execução por conta da faixa. Depois, o Jethro Tull tocou “Holly Herald”, do álbum de Natal da banda, lançado em 2003 e com um teor Folk muito evidente. Foi nesta faixa que Ian se soltou mais no palco e se aproximou pela primeira vez nas extremidades laterais, de modo a ficar mais perto do público por um momento.
“Wolf Unchained” foi a primeira faixa do mais recente álbum da banda, “RökFlote” (2023), a ser tocada na apresentação. O vulto de um lobo deu entrada para a faixa, seguido de um forte uivado e da introdução com guitarra e teclado. A figura facial de um outro lobo apareceu e logo sumiu e, enquanto isso, Ian Anderson voltava à ponta do palco para tocar sua icônica flauta enquanto estava ajoelhado. Em outro momento da faixa, ele e Jack Clark se juntaram para uma nova interação, tocando juntos a parte de solo da música.
A reta final do primeiro ato da noite veio com as faixas “Mine Is The Mountain”, destacada pela interação de Ian com o baixista David Goodier, e pelas imagens alternadas de montanhas e representações de Deus, no telão; e “Bourrée in E minor”, um cover do compositor barroco Johann Sebastian Bach, em que todos os instrumentos encaixaram bem com a sonoridade e tom da composição em questão. Ian Anderson esbanjou sua performance diferenciada, ao tocar de diversas formas: com pernas cruzadas, uma perna para o ar, próximo do público e evidenciando sua voz junto à flauta, no final.
Fortes aplausos vieram de todos os setores ao fim do ato e os 15 minutos foram suficientes para quem foi ao banheiro ou precisou comprar algum lanche.
As luzes se apagaram às 22h26, para o segundo ato. O uso de celulares seguia proibido e houve reforço no telão, com a imagem de Ian Anderson com um binóculo e, em cada lente, um indicativo de que fotos e vídeos eram proibidos. Os membros do Jethro Tull retornaram e um fã chegou a gritar “Toca Raul” nesse momento.
A música que abriu o segundo ato foi “Farm on the Freeway”, única representante do álbum “Crest of a Knave” (1987). Nela, as características de Rock Progressivo ficaram mais evidentes e a dupla Anderson-Clark se destacou novamente no início da faixa, enquanto imagens de fazendas e cidades rodavam no telão central. Nesta faixa, Ian foi ao menos três vezes para perto do andar do teclado, onde um dispositivo muito provavelmente regulava a altura da flauta; e David Goodier fez o backing vocal pela primeira vez na noite.
Em “The Navigators”, segunda faixa da era “RökFlote” e baseada na história do deus nórdico Njord, os elementos de rock progressivo voltaram à tona, enquanto o videoclipe da faixa passava ao fundo. Na sequência, a música “Warm Sporran” começou com as luzes acesas e Ian Anderson fora do palco. No entanto, ele apareceu sorrateiramente segundos após o início do som. Foi nesta faixa, inclusive, que uma pessoa atrapalhou a visão de outros espectadores ao ficar de pé na escadaria de uma das áreas das cadeiras superiores, causando uma pequena maré de reclamações destes e dos seguranças.
Em “Mrs Tibbets”, uma faixa que conta uma história crítica baseada em acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, imagens de aviões de guerra, uma bomba atômica com o gorro de Natal e explosões e dos resultados após os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, ilustraram a faixa enquanto a banda tocava. Clark recebeu outro momento de destaque com seu solo, que tocou no mesmo momento em que o fogo das explosões aparecia no telão principal.
O Jethro Tull continuou com “Dark Ages”, introduzida pelo teclado de John O'Hara no tom de um órgão, sons de chocalho e imagens ficcionais da Terra antes e depois de explosões nucleares – como Ian explicou antes, é uma faixa sobre o fim dos tempos. Outras cenas em vídeo tornaram este o momento mais reflexivo da noite, como contrastes que envolveram amontoados de pessoas na Black Friday e moradores de rua, além de imagens rios e mares poluídos, geleiras em processo de derretimento, brigas políticas, confrontos que faziam alusão a protestos e guerras civis, dentre outros vídeos que impactaram o público durante a faixa. A sonoridade, claro, não deixou a desejar, desde a condução geral até o solo de guitarra de Gary Clark, passando pela finalização orquestrada de bateria, teclado e flauta.
Na reta final, o grupo tocou “Aquadiddley”, faixa instrumental que serviu de introdução para a clássica “Aqualung”. Foi nesta faixa que Ian Anderson teve mais afinco na forma de cantar e seguiu assim do início ao fim desta música, finalizada de forma apoteótica com as batidas de bateria em sincronia com as linhas de piano, além dos pulos dos outros instrumentistas.
O bis foi o momento mais comemorado pelo público - sem contar os aplausos e ovações do final de parte das faixas tocadas na noite -, pois logo apareceu uma animação de Ian Anderson permitindo a gravação com celulares e câmeras a partir daquele momento. Grande parte dos presentes – inclusive eu – sacou seus aparelhos para gravar “Locomotive Breath”, também pertencente ao álbum “Aqualung” (1971), como forma de ter um pequeno registro musical da noite. Cada membro teve seu momento de apresentar um pouco do potencial musical e, claro, a finalização é digna de um show de pluralidades mais que interessantes para uma apresentação ao vivo.
Por fim, o telão mostrou imagens divertidas de cada membro, enquanto estes iam até a frente do palco para se apresentar e agradecer por uma última vez. Ian arrancou mais risadas por conta de sua imagem e, claro, os aplausos foram calorosos, com o público de pé por minutos apenas para isso.
A saída do público foi ao som de “What a Wonderful World”, icônica canção de Louis Armstrong, sendo uma forma de fechar uma noite interessante e curiosa em termos de música, performance e num modelo de experiência de concerto diferenciado além de, principalmente, ver novamente, uma banda solicitar o não uso de aparelhos em um show e o público, em sua maioria, respeitar, mesmo que sob o medo de receber um sermão da equipe de segurança.
Texto: Tiago Pereira
Edição/Revisão: Gabriel Arruda
Realização: MCA Concerts
Mídia Press: Midiorama
Jethro Tull
Set 1
My Sunday Feeling
We Used to Know
Heavy Horses
Weathercock
Roots to Branches
Holly Herald
Wolf Unchained
Mine Is the Mountain
Bourrée in E minor (Johann Sebastian Bach cover)
Set 2
Farm on the Freeway
The Navigators
Warm Sporran
Mrs Tibbets
Dark Ages
Aquadiddley
Aqualung
***Encore***
Locomotive Breath
OBS: A pedido do Ian Anderson, junto com os demais músicos do Jethro Tull, não foi permitida a entrada de fotógrafos profissionais e nem registro de vídeos e fotos de celular. Portanto, não há ilustrações e conteúdo audiovisual nesta matéria por conta das normas citadas. Agradecemos a compreensão dos que leram.