O mês de dezembro de 2024 foi repleto de apresentações internacionais na cidade de São Paulo, especialmente as do Iron Maiden e do Dream Theater, muito aguardadas pelos que puderam assistir. No último dia 21 de dezembro, o Angra retornou a São Paulo com sua turnê em comemoração aos 20 anos do álbum Temple Of Shadows (2004), que este ano completou duas décadas de lançamento.
Na noite anterior e no próprio dia, a capital foi atingida por uma intensa chuva. Quando isso ocorre, especialmente em dia de espetáculo, surge de imediato o temor de que a audiência não será expressiva. Felizmente, o cenário se inverteu, com a banda conseguindo novamente atrair os fãs - muitos deles usando camisetas com a imagem do álbum aclamado - para o Tokio Marine Hall, localizado na região sul.
O Azeroth, um nome pouco conhecido e raramente citado entre nós, abriu a noite com o seu Power Metal robusto e potente.
A banda, formada por Ignacio Rodríguez (vocal), Pablo Gamarra e David Zambrana (guitarras), Fernando Ricciardelli (baixo), Daniel Esquível (bateria) e Leonardo Miceli (teclado), apresentou-se para uma audiência tímida, diferentemente do que se presenciaria posteriormente com a atração principal. Contudo, isso não desanimou o sexteto, que manteve uma determinação forte desde o começo até o fim.
A qualidade de músicas como "Left Behind", "Falling Mask", "Urd" e "The Promise" surpreendeu os poucos presentes não só pela sua qualidade, mas também pelo talento dos músicos envolvidos.
Em particular, o vocalista Ignacio sobressaiu-se não só pelo seu talento, mas também pelo seu carisma. Ele expressou sua felicidade por se apresentar em São Paulo e destacou a importância da cena Metal brasileira na América Latina, fazendo referência a grupos como Sepultura, Hibria, Viper e o próprio Angra.
Fazia tempo que não via uma banda de abertura capaz de empolgar tanto o público, mesmo que a maioria não os conhecesse. Todas as canções foram recebidas com aplausos entusiasmados, particularmente "La Salida", a única música interpretada em espanhol da noite.
O repertório também incluiu uma ótima versão de "Prelude To Oblivion", do Viper, onde Ignacio teve a oportunidade de recordar e prestar homenagem aos saudosos Pit Passarell e Andre Matos.
Os hermanos, que estão em atividade desde 1995, não decepcionaram durante o breve período que passaram no palco, onde deram tudo de si com grande confiança, vigor e felicidade.
Com o palco completamente ornamentado com as obras do mencionado Temple Of Shadows e um grande projetor atrás da bateria, o Angra surge pontualmente às 22h com a incomum "Faithless Sanctuary". Obtida do mais recente álbum Cycles Of Pain (2023), a canção possui um ritmo e uma intensidade singulares.
Em seguida vem a icônica "Acid Rain", que sempre funciona muito bem ao vivo. "Tides Of Change Part I" e "Tides Of Change Part II", ambas do Cycles Of Pain (2023), finalizaram de maneira brilhante essa sequência inicial antes de Fabio [Lione] e Rafael [Bittencourt] anunciarem o momento mais esperado da noite.
Temple Of Shadows mantém-se como o álbum mais apreciado pelos admiradores do Angra. Essa preferência é compreensível, já que foi um trabalho que desafiou a criatividade dos músicos daquele período e ampliou ainda mais a identidade musical do grupo.
Mesmo com toda essa fama, TOS é um álbum extremamente desafiador para tocar, e quem é músico entende perfeitamente o que estou tentando falar.
"Spread Your Fire", "Angels And Demons" e "Waiting Silence", que deixaram os admiradores em transe, demonstram a versatilidade do álbum. Adicionalmente, ficou evidente que Rafael Bittencourt e Marcelo Barbosa (guitarras), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria) se preparam com cuidado para executar a parte instrumental deste trabalho intrincado.
TOS também possui trechos vocais desafiadores, o que provocou algumas dúvidas e críticas em relação a Fabio Lione. De fato, o vocalista italiano precisou se empenhar e pedir auxílio ao público para cantar algumas canções, como foi o caso da balada "Wishing Well" e da rápida "The Temple Of Hate".
Se eu afirmar que ele se saiu excepcionalmente bem nas duas músicas estarei mentindo. Contudo, não houve nada negativo, ao contrário do que muitos costumam declarar..
"The Shadow Hunter", com suas melodias cativantes, provocou lágrimas em algumas pessoas próximas a este que vos fala. No final das contas, esta canção não só é a mais experimental e a mais bela do álbum, como também a que melhor resume o conceito do álbum, que narra a história de um cavaleiro templário que se junta ao exército papal durante as cruzadas e reflete sobre a guerra, a igreja e a fé.
"No Pain For the Dead" contou com a presença surpreendente de Vanessa Moreno. Reconhecida como uma das principais vozes da MPB atual, a cantou já realizou várias parcerias com o grupo. Em um período de tempo relativamente curto, ela já participou do Cycles Of Pain, do CD e DVD acústico lançados este ano, além da turnê correspondente em agosto.
A próxima, "Wind Of Destination", é a que melhor se ajusta à voz de Lione, onde ele demonstra toda a sua habilidade vocal de maneira impressionante, com destaque para a parte operística no final.
"The Sprouts Of Time" e "Morning Star" sinalizavam o término da jornada templária, diminuindo um pouco a excitação do público, que até aquele momento estava repleto de adrenalina, cantando fervorosamente todas as músicas.
A icônica "Late Redemption" repetiu essa dinâmica. Apesar de Rafael e Lione terem interpretado as partes do grande Milton Nascimento, o público também fez a suas parte cantando em uníssono.
Antes de encerrar o primeiro segmento, a banda apresentou mais alguns clássicos, começando com "Make Believe". Desta vez, a banda inteira participou, diferentemente das anteriores, onde apenas o Rafael tocava violão e cantava. Depois, apresentaram "Vida Seca", a última do Cycles Of Pain na noite, que foi bastante aplaudida durante suas primeiras melodias.
"Rebirth" trouxe de volta Vanessa Moreno antes de a banda se retirar para um breve intervalo e voltar com as clássicas "Carry On" e "Nova Era".
Sempre é um prazer assistir o Angra ao vivo. Esta formação atual, que completará uma década no próximo ano, tem se mostrado a mais unida durante essas três décadas de história.
Mesmo com os desafios impostos, Fabio Lione, Marcelo Barbosa e Bruno Valverde - membros que chegaram posteriormente - demonstraram um desempenho excepcional. Isso também se aplica a Rafael e Felipe, os únicos membros da atual formação que gravaram o álbum comemorado.
Esta turnê, que ainda terá algumas datas até março, tem gerado um sentimento de nostalgia, pois, após o seu término, a banda entrará em pausa. É uma escolha compreensível, já que ao longo desses onze anos, a banda lançou álbuns de alta qualidade e ofereceu shows inesquecíveis para seus fãs.
Apesar de sentirmos essa falta, o que nos resta é manifestar nossa gratidão por tudo o que esta banda proporcionou ao Heavy Metal em todo o mundo.
Muito obrigado Angra!