segunda-feira, 3 de março de 2025

Cobertura de Show: Lionheart – 28/02/2025 – City Lights/SP

Este ano, o carnaval demorou um pouco mais para começar, com a semana de carnaval em si se concentrando em Março. Mesmo assim, como já é de se esperar, as festividades se estenderam por semanas e semanas antes da data. Para alguns paulistanos, a primeira celebração “oficial” não foi um dos típicos bloquinhos de rua, mas sim um show que trouxe um pouco do bom e do melhor do beatdown hardcore americano, o Lionheart, diretamente de Oakland, na Califórnia. Os fãs mais atentos do estilo podem lembrar que esta não foi a primeira data deste show, pois estava originalmente marcado para ocorrer no dia 6 de dezembro do ano anterior, dia que também contou com performances do Iron Maiden e do Insomnium, mas por conta de um convite de turnê com o Body Count, a América Latina teria que esperar um pouco mais.

Os nativos de Oakland não seriam os únicos que tocaram naquela noite, pois dois nomes de peso do HxC nacional também se apresentariam naquela noite. Por volta das 19:10 (atraso compreensível, atrasaram 20 minutos para abrir a casa), o Sujera assumiu o palco. Surgindo há alguns anos nas profundezas da zona leste de São Paulo, eles têm se tornado um dos nomes mais importantes da cena underground nos últimos anos, apresentando uma fusão eletrizante do hardcore com o rap, capturando a essência real da cultura de rua paulistana. A conexão do Sujera com os headliners vai bem mais longe do que só serem convidados para abrir o show, já que lançaram uma música juntos, a “Out of the Cage”. Bati um papo com o Marcel Serra, vocalista, que me contou a história da música, e ela você acha aqui. Além disso, seria a primeira performance deles com a nova formação; ao todo, uma noite histórica para o Sujera. 

Com Rappa Nui nos vocais ao lado de Serra, Claudinei Ferreira na guitarra e Felipe Promus no baixo, subiram no palco ao som da brutal introdução “Dois Zero Dois Cinco” pelo PA. Logo de cara, ficou claro que seria um daqueles shows que contariam com todo o apoio do público desde o primeiro acorde da primeira banda. Iniciaram o baile com “Não Fica Um”, de seu primeiro álbum, “East Side Bomba”, último trabalho lançado com a formação “clássica” da banda. Os fãs faziam um “U” ao redor do palco, deixando um espaço para o caos do mosh comer solto, e pode colocar caos nisso. Quando deram sequência com “Matilha Vira-Lata”, também do mesmo álbum, o meio da pista estava tomado por um mar de não só two-steps, mas aquela capoeira brutal que já vem de praxe nos shows de hardcore.

Não deixaram a peteca cair, emendando logo “Sensaki”, single que em sua versão original, conta com a participação do grupo bonaerense de hardcore Punición. Sendo lançada em novembro de 2023, se tornou um dos grandes hits da banda, demonstrado claramente pelo tanto de fãs que se aproximou do palco para cantar junto à banda. No final da música, Serra fez um pedido simples aos fãs: “vamos mostrar como que faz um carnaval de verdade”. Ambos os vocalistas rapidamente discursaram sobre o estado atual da banda, dizendo que apesar das várias tentativas de derrubar a banda, o Sujera segue de pé, os “de verdade” permaneceram na banda. Rappa Nui, por sua vez, comentou que era uma honra estar no palco com eles, começando esta nova fase da banda. Falando em hits, durante o resto do show, enfileiraram um clássico atrás do outro, começando pela trinca absurda de “Calle Hood Quebrada”, “Nego Drama” e “Terror Zero Onze”.

Havia uma música que todos, sem exceção alguma, queriam ver, “Out of the Cage”. Como já era esperado, ela foi contemplada no repertório, e de forma já não tão esperada, contou até com uma participação especial do próprio Rob Watson subindo no palco para gritar seus versos que agora são icônicos. Quando o californiano apareceu, só faltou o City Lights desabar, a cena parecia aquela pintura renascentista, “A Liberdade guiando o povo”, só que ao som de um HxC furioso. Outra música do Sujera que tem participação em estúdio - que seria possível replicar naquela noite - que foi contemplada pelo setlist foi “Zoião”, com algumas palavras de Monstrinho, do Worst. Desta vez, foi executada só pela banda. Fecharam com a fortíssima “Original da Vila”, onde Serra pediu para “fazer um barulho aí para vocês”, dizendo que são os fãs que mantém o estilo vivo, e ao som da insanamente brutal “Bye Bye Bye” do *NSYNC ecoando pelo PA, fecharam a apresentação com chave de ouro, tirando uma foto com os fãs.

São poucas as bandas atuais de hardcore que conseguem puxar tanto público quanto Worst. Formada em 2011 pelo lendário Fernando Schaefer e pelo inigualável Monstrinho, eles têm se tornado um dos maiores nomes do hardcore nacional. O caos estava instaurado desde o começo, estava mais que evidente que todos que estavam lá eram fãs de todas as bandas, mas com eles, a conexão foi instantânea. No primeiro “seu olhar de pau no cu e sorriso de arrombado” - “Desenterrado” - que o Monstrinho soltou, o ódio do City Lights inteiro foi canalizando e a casa toda gritou a plenos pulmões. Se começaram com “Desenterrado”, só havia uma maneira de seguir, “Enterrado”, a música que inicialmente descreve o detentor do “olhar de pau no cu e sorriso de arrombado”. A terceira música foi uma com um título um tanto óbvio, mas que carrega um peso absurdo de qualquer maneira, “Transbordando Ódio”.

Um dos diferenciais do Worst é o seu sucesso internacional, contando com diversas turnês pelo velho mundo. Esta foi uma das razões para o show do Lionheart ter acontecido. Com isso em mente, contam com um grande repertório de músicas em inglês, sendo uma delas “Draining Me”, daquelas para cair no soco com uma senhorinha na rua. Depois da "Draining", Monstrinho falou com os fãs: “cadê o Bruno Genaro? Vamos fazer barulho pra ele, fez tudo acontecer! Daniel, dono do City Lights, cabuloso! Os gringos tão tudo feliz, São Paulo tá representando, bagulho é sério, SPHC tá foda!”. Durante a “Vencedores”, o próprio Bruno apareceu para dar um stage dive, sempre muito envolvido com os próprios eventos. 

Sei que é meio fora do assunto, mas é incrível como a NDP é uma daquelas produtoras que esbanjam paixão pelas bandas, pelo cenário. Dá para ver que tudo com eles vem do coração, é algo muito genuíno. O vocalista também tirou um tempo para dar aquele discurso que não pode faltar em show, agradeceu a presença de todos os fãs, disse que tinha muitos amigos de todo o Brasil naquela noite, mas que também estava feliz de ver muitos rostos novos, falou da sua história com o Lionheart, o de sempre. Seguiram com os destaques de “Instinto Ruim”, executando “Left for Shit”, e antes de fechar o show, tocaram “A Verdade” e “Não Pode ver Paz”.

Agora, deixo vocês, caros leitores, com as doces palavras de Thiago Monstrinho: “Você quer a positividade, eu o outro lado, aqui é ódio, caralho. Levanta a mão quem tem ódio - casa inteira levantou - Tá feliz? Problema é seu!” Antes de continuar. “cadê o mano de amarelo, machucou? Machucou sério? Faz barulho se quebrou a costela!” Como se já não estivesse o caos completo, apareceu na mão do vocalista uma sola de all star perdida. Acabaram com a pesadíssima “Sem Dó”, um arrastão musicado, praticamente. Depois que saíram do palco, a galera incessantemente pediu bis, mas, infelizmente, não foi dessa vez.

Após uma breve intro pelos alto-falantes, o Lionheart subiu no palco e pinheiros virou a Califórnia, a energia do público estava fora de mão, um absurdo, a pista borbulhava, o caos estava prestes a se instaurar. Deram início com a curta “Cali Stomp”, abertura do segundo “Welcome to the West Coast”. Apesar de durar pouco mais de um minuto, é como um soco no estômago rápido e direto, inconcebivelmente pesada. Uma coisa era óbvia, estavam com o público na mão desde o primeiro acorde. A primeira música “de verdade” foi “Death Comes in 3’s”, colaboração com o Jamey Jasta do Hatebreed, presente no novo álbum dos nativos de Oakland. O mosh, que já tinha sido praticamente incendiado pelo Worst, agora estava realmente fora de controle, eram estrelinhas para todo lado, pessoas saindo na mão - se um vídeo chegasse em alguém que não conhece o hardcore, achariam que era uma briga generalizada.

Depois veio “Vultures” e sua linha de baixo furiosa, fazendo não só os “vultures circle back”, mas também os fãs abrirem circle-pit, “again, and again, and again”. Sexta-feira geralmente não é dia de culto, mas rolou um “I pray to God” com a pesadíssima “Hail Mary”. O público estava tão envolvido que realmente só faltava louvar a banda. Para esquentar as coisas, veio uma dobradinha flamejante, a positiva “Trial By Fire” e “Burn”, que não é a do Deep Purple, mas a terra realmente estava tremendo. Em “Keep Talkin’”, subiu no palco a mesma vocalista que cantou com o Worst, novamente com uma presença de palco elétrica e voz que dispensa comentários.

No final da música, Rob disse: “Podemos fazer um barulho aí para o Sujera e para o Worst?” Antes mesmo de começar a cantar, já havia dito que iria dedicar o show às bandas.. “É uma loucura finalmente estar tocando aqui, troco ideia com esses caras há anos, alguns há mais de uma década, mas nunca consegui vê-los tocar ao vivo, nunca consegui tocar com eles. Muito obrigado por nos receber tão calorosamente em sua cidade natal, em seu país, é realmente louco estar aqui. Durante essas falas, havia uma fã em especial que estava gritando enlouquecidamente, ocasionando uma reação até um pouco engraçada do vocalista, “o que é isso, o Black Dahlia Murder? O que está acontecendo?” Coincidentemente, se não houvesse sido adiado para dezembro, o Black Dahlia Murder tocaria em São Paulo no dia seguinte.

Não deixaram a peteca cair com “Hell On Earth”, e com uma breve pausa para ler o setlist, Watson perguntou se queriam ouvir uma música mais velha, e com uma resposta estrondosa iniciaram “Love Don’t Live Here”, que contou com a presença de Marcel Serra dando uma força nos vocais. Mantendo um clima positivo, Rob tirou um tempo para agradecer àqueles que “fazem essa porra acontecer”: “nunca sonhei em tocar no Brasil, nem em um milhão de anos.” Ele continuou interagindo com os fãs, antes de “Born Feet First”, humildemente pediu para que pulassem, aquele simples “jump, jump”. Dito e feito, pularam como se não houvesse amanhã, realmente fizeram inveja em todo e qualquer bloquinho de carnaval. 

Fevereiro foi um mês cheio, complicado, cheio de coisas para fazer, só um daqueles meses em que você não quer acordar, está tudo fodido. Com aqueles acordes que ou você ama ou odeia, surpreenderam com um cover “hardcorezado” da “Break Stuff”, do Limp Bizkit, novamente com Serra. O público não se segurou, veio uma avalanche de stagedivers, o mosh ficou vertiginoso, a casa estava explodindo. Vendo o engajamento incondicional de quem estava lá, perguntou: “Querem mais? Já são 21:30, passou da minha hora de dormir. Sou um senhor de idade, estão vendo estes cabelos brancos? Estou na cama às 21:00 em ponto! Estão prontos para continuar mesmo? Essa é uma nova, ‘Live by the Gun’” .

Infelizmente chegando no final do show, disse: “Temos só mais um ou outro som…” Indignados, os fãs começaram a gritar, com um até pedindo mais dez, com o vocalista respondendo: “Mais dez! Nem sabemos tocar mais dez. Na real, nem sabemos tocar direito as que já tocamos, não percebeu?” Mais uma música virou mais três, fechando o show com “Lifer” e um cover de “Fight for Your Right”, dos Beastie Boys, que serviu de trilha sonora para a introdução dos integrantes da banda e alguns solos breves. No meio da primeira, com o Monstrinho no palco, Rob não conteve sua emoção: “amo o Worst, amo o Sujera, amo São Paulo!” Já imaginou um show do Black Sabbath em que não tocam “Black Sabbath”? Um show do Iron Maiden sem “Iron Maiden”? Seria tão absurdo quanto se o Lionheart não tocasse “LHHC”, e foi assim que fecharam, com um momento de catarse pura.

Acabo a matéria com a mesma frase que Rob Watson disse logo antes de descer do palco: “São Paulo, this was one of the best shows we’ve had in a while.”


Texto: Daniel Agapito

Fotos: Gabriel Eustáquio

Edição/Revisão: Gabriel Arruda


Realização: New Direction Productions

Press: Tedesco Comunicação & Mídia


Sujera - setlist:

Pesadelo 2025 (pelo PA)

Não Fica Um

Matilha Vira-Lata

Sensaki

Calle Hood Quebrada

Nego Drama

Terror Zero Onze

Out of the Cage (c/ Rob Watson)

Zoião

Original da Vila


Worst - setlist:

Desenterrado

Enterrado

Transbordando Ódio

Draining Me

Vencedores

Que Se Foda

Left For Shit

A Verdade

Não Pode Ver Paz

Sem Dó


Lionheart - setlist:

Intro (pelo PA)

Cali Stomp

Death Comes in 3’s

Vultures

Hail Mary

Trial By Fire

Burn

Keep Talking

Hell On Earth

Love Don’t Live Here

Born Feet First

Break Stuff (Limp Bizkit)

Live by the Gun

Lifer

Beastie

LHHC

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