quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Entrevista – Brasil Heavy Metal: Um Sonho Sendo Realizado




Desde 2008, Ricardo Michaelis, mais conhecido como o Micka, que fez parte da banda Santuário, vem formulano e desenvolvendo documentário sobre a história do Metal brasileiro, chamado Brasil Heavy Metal, e esse projeto foi crescendo, transformando-se em uma produção cinematográfica, incluindo uma história de dois adolescentes, enquanto são mostrados os depoimentos e imagens históricas, retratando como era aquela época de puro sonhos e realizações. 

No final de 2015, Micka deu inicio ao financiamento coletivo, o popular ‘crowdfunding’, para que o documentário seja lançado (não significando que não vai ser lançado) e recompensando o fã com diversos tipos de materiais, e mais de 70% da meta já sendo atingida enquanto preparávamos esta publicação.

O Road To Metal foi conversar com o próprio diretor, para que nos falasse mais como surgiu a ideia de montar o projeto, os fatos importantes da década de 80 dentro do Metal, os porquês da demora em finalizar o projeto e, claro, sobre a importância do financiamento coletivo, que como ele diz, vai desembocar no engajamento da comunidade Heavy Metal do país inteiro, mostrando o que uma multidão é capaz de fazer. Vamos lá, confira essa informações valiosas, e, como diz a música título do documentário "Mostra essa força, que nos uniu, vida longa ao Metal do Brasil!"

Micka Michaelis

RtM: É claro que você está acostumando a responder esse tipo de pergunta, mas como é que começou essa ideia de fazer um documentário contando sobre o som pesado brasileiro, o Heavy Metal nacional?

Micka: É mais do que a história do Heavy Metal nacional, porque estamos se concentrando no embrião do Heavy Metal nacional, e temos um limite de tempo em que a gente esta abordando essa história (o limite vai de 80 a 89). Eu fiz parte desse momento do inicio do Metal dos anos 80 numa banda que eu tinha, chamada Santuário, que participou, inclusive, do álbum SP Metal II, um disco bastante marcante na história do Metal naquele período. Eu fui procurar informações sobre essas histórias e não estava achando coisas muito bem concentradas. Tinha matérias que eu via nos blogs e alguns sites contando pedaços da história, cada um sob seu ponto de vista, mas eu não encontrei nada que tivesse tudo junto. A ideia inicial foi pegar depoimentos, contar um pouco dessa história e juntar tudo num pacote único, e começamos com isso em 2008. 

 RtM: Sempre existe aquela chama quando alguém tenta retratar algo sobre o Heavy Metal nacional, alguns tendo até uma certa revolta interna, querendo mostrar que o Metal brasileiro é melhor do que os gringos. Você teve esse tipo de atitude da sua parte quando começou a projetar tudo isso?
Micka: Zero! Nem passou isso pela minha cabeça. É a primeira vez que alguém me comenta dessa possibilidade. Faz até algum sentindo, mas não tem nenhum tipo de revolta interna, muito pelo contrario, o objetivo era resgatar um pouco da história, porque percebemos que na música brasileira (o Heavy Metal), principalmente naquele período, a juventude estava no meio para o final da Ditadura Militar mostrando uma atitude mais diferente com cabelos compridos, calça jeans, jaqueta jeans, calças de couro, taxas e etc. E isso era uma coisa que despertava muito preconceito da sociedade em geral, então esse Rock pesado nunca foi retratado pela grande mídia, e quando era retratado era pra brincar, tirar sarro e fazendo algum tipo de gozação. 
E o que a gente quer fazer, e estamos fazendo com esse resgate, é colocar os pingos nos "is", mostrar de fato como foi pra que depois, se alguém quiser falar mal, falar bem ou tirar sarro, vai ter, pelo menos, alguns parâmetros de como as coisas aconteceram, e não taxando o ‘headbanger’ como um aloprado. Não tivemos revolta nenhuma, a gente só vai ter um documento histórico fiel pra mostrar como aconteceu a história de fato.

RtM: Já que você falou sobre esse lado da juventude, o documentário ele retrata bem sobre isso, mostrando dois adolescentes que se conheceram na escola, resolvem montar uma banda e quem sabe, futuramente, pretendem fazer algum sucesso. Eu, que tenho 22 anos e não era nascido na década de 80, como esse material vai acrescentar na cabeça de um garoto de 15, 16, 17 ou 18 anos?
Micka: Vai fazer com que essa juventude, você ou mais jovens da sua geração, desperte que ele ouviu falar, através de um tio, pai ou irmão mais velho, de como era sonhar ouvir um disco do Judas Priest, saber quem tinha esse disco, como conseguir fazer pra ouvir e ficar rezando pra que, talvez, no final de semana, um determinado amigo tenha feito uma cópia em K7 pra talvez levar pra ele. Então essa possibilidade pra geração de hoje, imaginar que se você piscar o olho agora no seu celular, você faz o download, de forma pirateada, da música de qualquer banda sem custar nada. Então vamos fazer você e mais jovens imaginar de como era isso. E pela história da dramaturgia com esses dois garotos do filme, você vai vê eles dois passando por situações do surgimento dos primeiros discos, das primeiras rádios e da imprensa escrita; não existia como comprar instrumento, além dos preços serem impossíveis, não existia loja... Então hoje tudo é tão disponível, não estou dizendo que é fácil, mas está disponível e você tem o acesso. 
Se você imaginar que pode ir numa rua, como a Teodoro Sampaio, daqui de São Paulo, andar 1Km e encontrar 600 lojas, onde você pode parcelar no seu cartão de credito em até 24x um instrumento, ai você diz: ‘Puxa, agora sim eu posso ter uma banda! Um amigo vai comprar o contra-baixo, o outro uma bateria e assim vamos conseguir ter uma banda’. Mas só que aquilo era impossível, então o filme ele vai mostrar isso pelo olhar dos adolescentes que você viu no trailer, porém sempre reforçado pelos depoimentos daqueles que fizeram, de fato, a história, que são os músicos, empresários, produtores, jornalistas, técnicos de som e fabricantes de instrumentos. Esses personagens reais foi que fizeram a história acontecer, mas todo mundo estava fazendo isso sem saber o que estava fazendo.
Harppia
RtM: Sobre o aspecto dos discos, hoje em dia a pessoa tem fácil acesso pela música com o advento da internet, achando lyric-vídeos no Youtube e aprender a tocar um instrumento com vídeo aulas e tudo mais. Mas hoje, com a crise econômica no nosso país, às vezes é um pouquinho difícil você comprar um instrumento ou, às vezes, o moleque tem vontade de comprar um CD/DVD e não tem dinheiro, mas sempre tendo aquele esforço de unir pessoas pra juntar uma grana e cada um vai ajudando um pouco. O documentário também vai servir para um garoto despertar o interesse de voltar a comprar CD/DVD, LP ou comprar um instrumento pra aprender a tocar?
Micka: Acho que fatalmente sim, porque nunca vai acabar a vontade do jovem de tocar algum instrumento, só que com a facilidade tecnológica, muitos se desviam. Aprender a tocar um instrumento vai ser sempre baseado em dedicação, estudo e esforço próprio. A informação chegou mais fácil e ele pode se desenvolver, por isso que hoje os bateristas e guitarristas são incríveis em todos os níveis, porque eles têm o acesso à informação pra eles poderem aprender. Então, nesse primeiro momento, você vai ver que o jovem não tinha como aprender a tocar um instrumento porque ele não conseguia ver como era o ídolo dele tocando, pois na época não tinha vídeo, não tinha vídeo clip, não tinha programa de TV e não tinha professor que desse aula de guitarra. 
E quando tinha alguém do Rock que ensinasse, era ligado aquele Rock que não era o Rock que o jovem dos anos 80 (do Metal) queria, então era o pessoal que ensinava o Rock N’ Roll com resquícios da Jovem Guarda, como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderleia e aquele pessoal todo dos anos 60, inclusive vamos retratar a fase ‘Pré-Heavy Metal’ com depoimentos do Made In Brazil, Casa das Máquinas, Joelho de Porco e Os Mutantes (com depoimento do Sergio Dias), que não eram bandas de Heavy Metal, e sim a nova geração do Rock, que abraçou essa nova forma baseada no Metal vindo da Inglaterra, que eram as bandas da New Wave Of British Heavy Metal e tentaram fazer, traduzindo pro Brasil, essa nova atitude que surgiu ali bem no comecinho. E o filme é baseado bem nesse conceito, mesmo.

RtM: Então o filme ele vai ser divido por décadas também, mostrando os anos 70, que era a fase do ‘Pré-Heavy Metal’, como você falou, de bandas como Patrulha do Espaço, Made In Brazil e Os Mutantes pra depois chegar o lado mais pesado?
Micka: Ele não vai ser por década, na verdade ele só retrata os anos 80. Ele só vai fazer uma breve introdução, pra não cair de paraquedas, de onde esses moleques buscavam o olhar de quem estava perto da gente e que tocava Rock. E ai eles não encontravam alguém que tocava Heavy Metal, encontrava alguém que tocava Rock. Então o Made In Brazil, por exemplo, é uma banda de Rock legal e importante, onde o jovem falava: ‘Puxa, esses caras são legais pra caramba! Se a gente fizer algo um pouco mais acelerado, forte e veloz, vamos chegar lá’. Esse já era o primeiro passo. Então eles estão no filme como os primeiros rascunhos do que viria a ser o Metal, mas, logo em seguida, o filme vai ficar focado mesmo do que era a galera dos anos 80. 
Micka Michaelis
RtM: E como inicia o filme? O documentário vai começar com algum pioneiro contando como começou tudo?

Micka: Começa com esses garotos que se conhecem dentro da escola, mostrando que isso realmente aconteceu com alguns personagens verídicos que vão retratar situações parecidas de como eles montaram as bandas deles, como se conheceram entre os amigos, qual foi à iniciativa e a vontade deles poderem começar a tocar. E os pioneiros são todas essas pessoas. Com 80 depoimentos ou mais que a gente captou, são dessas bandas que começaram essa história, então você vai ver depoimentos das primeiras bandas: Centúrias (São Paulo), Overdose (Minas Gerais), Dorsal Atlântica (Rio de Janeiro), Astaroth (Rio Grande do Sul), P.U.S (Brasília), Stress (Belém)... 
Fizemos um mapa retratando a cena brasileira daquele momento. E depois vão surgindo os discos logo na primeira metade dos anos 80 e os fatos políticos/sociais que os garotos vão descobrindo ao longo disso. Tem momentos interessantes e divertidos deles descobrindo que a Ditatura Militar estava acabando, onde eles estavam interessados no Metal. Depois veio a revolução do Rock In Rio, quando, no meio, estava acontecendo as Diretas Já, que era o momento de abertura do país ocorrendo à primeira eleição elegendo um presidente de forma democrática e não imposta pelo militarismo. E o filme não tem um teor político, a gente só localiza (no tempo) o momento em que estava acontecendo tal coisa, tal banda estava fazendo isso e tal disco estava sendo lançado. As coisas vão andando nesse ponto. E o filme é dividido em 10 anos dentro da década de 80. 



RtM: Você citou o Astaroth, do Rio Grande do Sul. Eu, particularmente, não conheço muito sobre o passado do Metal gaúcho. E como eu sou dessa nova geração, só tenho mais conhecimento de bandas como o Krisiun, Hangar, Hibria e etc. E já que o Road To Metal é um site gaúcho, sendo eu o único paulistano da equipe, queria que você retratasse um pouco sobre a cena gaúcha do Heavy Metal pra molecada saber quais as bandas existiam na época, já que elas são mais focadas nas atuais.

Micka: E pode apostar que, essas bandas mais novas, são fruto dessa primeira geração. O que acontecia no país era que, ao mesmo tempo em que estava acontecendo o Heavy Metal no Rio de Janeiro, estava acontecendo na Bahia, Recife, Belém e no país inteiro. E no sul, simultaneamente, também. Então as bandas icônicas daquele momento, por exemplo, em Curitiba, tinha uma banda chamada Blindagem, que era uma banda de Rock pesado, dos anos 70, e que não era Heavy Metal, mas que foi muito importante nessa geração. E descendo um pouco mais, o Rio Grande do Sul teve o “Rock Garagem” (N. do R.: Coletânea que que também teve uma segunda parte), uma coletânea muito importante aonde surgiu o Astaroth, que foi uma banda fundamental desse lado do país. 

Leviaethan
RtM: O Leviaethan também estava surgindo nessa época, se não me engano.

Micka: Juntinho e simultâneo, o Leviatehan estava ali na mesma turma também. E você pode apostar que o Hangar e essa galera toda é fruto dessa primeira geração. Alguns já tiveram até relacionamento musical com alguma dessas pessoas que muitos pararam de tocar ou poucos ficaram profissionalmente tocando, porque isso é uma coisa muito importante da cena, que muita pouca gente conseguiu sobreviver e conseguir seguir carreira fazendo isso. E nesse momento o Rio Grande do Sul estava fervendo com alta qualidade, sabendo que o sul do país é bastante roqueiro. O Rio Grande do Sul tem uma cena bastante particular de Rock, onde tem artistas e bandas locais não só de Heavy Metal, mas também de Rock em geral que ficam nesse circuito, assim como Santa Catarina e Paraná. Tivemos o Ivan Zukauskas, que foi um cara fundamental. Depois você pergunta para o pessoal ai da sua equipe quem ele é que alguém vai saber dizer quem é e o quanto que ele representa a cena do Metal do primeiro momento dos anos 80, fazendo parte da nossa história também. 



RtM: E sobre a parte de Belo Horizonte, sempre teve aquele envolvimento com o Sepultura, Overdose e o Sarcófago, junto com a Cogumelo que lançava todos os discos daquela época. Se eu não me engano, quando eu vi o documentário “Ruido das Minas”, uma pessoa falou que se você fosse a tal país fora do Brasil à pessoa falava que BH é a capital do Metal brasileiro.
Micka: É quase verdade, porque na realidade (no filme) a gente não quer fazer disputas, dizendo quem é quem e mais ou menos, tanto que o título do filme é “uma declaração de amor ao Metal nacional”. O que acontece é que Belo Horizonte sofreu reflexos de São Paulo, e por uma situação demográfica e de uma população gigantesca, recebiam primeiro a informação. Surgiu a Galeria do Rock e a Woodstock Discos, que trazia as informações muito frescas diretamente de Londres; depois vieram as primeiras revistas e as importadas, quando surgiram também os fanzines de xerox, que é o que vocês vão ver também no filme. A Rock Brigade, Metal Gods, Dynamite e entre tantos outros, eram os fanzines que levavam a informação pra todo mundo. E esses fanzines faziam com que a informação chegasse pra todo país através de correio e de caixa postal, então o pessoal de Minas Gerais começou a receber a informação também. 


RtM: Muita coisa acontecendo...muitas descobertas...
Micka: Tudo acontecia simultâneo, São Paulo já tinha o Centúrias, Salário Mínimo... A Patrulha do Espaço estava migrando do Rock já com um cheirinho de Heavy Metal; Vulcano, de Santos-SP, era uma banda de Metal muito importante naquele período e é até hoje. E Belo Horizonte pegou a virada de 84 pra 85 com uma nova postura e uma atitude um pouco diferente. E o Rock paulista era um Rock pesado paulistano, que tinha a coisa do Metal tradicional. E essa geração, logo em seguida, aonde surgiu a Cogumelo, que era uma loja, depois virou um selo e conseguiu fazer essa coisa crescer em Minas Gerais, deu a sensação, de fato, de que 85 pra frente, Belo Horizonte passou a levar esse título mesmo. Não foi a embrionária, mas ela assumiu a postura porque a Cogumelo virou a principal gravadora/selo a contratar artistas, principalmente no segmento da música extrema. E o Sepultura, nesse pacote, surgiu ali em 84 e 85, puxando o trem com uma música mais violenta no sentido de energia, atitude e uma forma de cantar diferente, que os paulistas não estavam fazendo. 

 
RtM: Sepultura também já tinha letras em inglês.
Micka: Correto,  outra coisa foi cantar em inglês, pois a grande maioria das bandas da primeira geração de São Paulo e do Brasil, por exemplo, o Astaroth, do Rio Grande do Sul, estavam todas cantando em português. O Sepultura e as outras bandas mineiras já vieram com a vontade de cantar em inglês também, influenciados pelo Rock In Rio, que aconteceu em 85, quando todo mundo deparou com aqueles artistas internacionais que, até então, você sabia que existiam de verdade, mas que nunca tinham visto ao vivo, e de repente eles aterrissaram no Rio Janeiro e o Brasil todo foi lá ver. E quando saíram de lá eles queriam fazer isso, mas só que se eles são estrangeiros e vem aqui cantando em inglês, eu quero cantar em inglês lá fora também. E esse foi ponto de partida pra essa nova postura, e Minas Gerais puxou esse carro. 



RtM: Retratando agora sobre a capital paulista, muitas bandas de outros estados vinham para SP em busca de uma qualidade gravação de disco melhor, mixagem melhor e masterização melhor. E também tinham as lojas da Galeria do Rock pra divulgar material, levar disco, levar single ou alguma demo. Aproveitando esse gancho, você colocou que, apostando numa linguagem universal, que é o inglês, as bandas tinham a chance de fazer sucesso lá fora. São Paulo, naquela época, foi o berço para as bandas de outros estados tentarem a sorte e algo melhor?
Micka: Você nem percebeu, mas você falou que São Paulo era o berço para as bandas levarem CD e Single. Cara, eles nem sabiam o que era gravar uma demo! Eles não tinham o que levar pra lugar nenhum. O CD só apareceu em 1992/1993, e quem conseguia gravar um disco naquela época era um super herói. Gravar um disco era quase impossível, porque tinha que despertar o interesse de alguém e que só tinham três ou quatro possíveis selos que estavam despontando ali no comecinho. Mas é lógico que, pela potencia que é São Paulo, começaram a surgir alguns espaços pra tocar, e ai as bandas do Brasil inteiro falavam: ‘Puxa, eu quero tocar em São Paulo porque lá eu vou ter visibilidade, os fãs vão gostar de mim e, de repente, tendo mais fãs, eu vou ter um cara de uma gravadora que pode gostar de mim e um empresário vai me contratar’. 

Se você for parar pra pensar, essa história continua até hoje. Você tem facilidades tecnológicas, mas você também tem uma competição monstruosa. Essa briga ainda continua no bom sentido, mas São Paulo sempre foi esse polo emissor. Na metade de 86 em diante, muitos artistas falavam: ‘Puxa, acho que não quero ir pra São Paulo... Eu quero ir pra Minas, porque lá também tem bandas legais pra caramba, artistas legais, gravadora, técnicos de som e estúdios’. Então ficou essa divisão. E era uma opção, que quem quisesse vir pra São Paulo vinha, porque tinha um monte de coisa acontecendo: salas de ensaio surgindo, instrumentos novos, a imprensa estava bastante localizada aqui e no Rio de Janeiro. E ai ficou São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, todos os três polos começando a se profissionalizar e muito mais abastecidos pra poder fazer a coisa acontecer.  


RtM: É quem teve essa oportunidade de lançar o primeiro material fonográfico de Metal aqui no Brasil foi o Stress, tendo a honra de dizerem que foram os primeiros.

Micka: Verdade. E eles acreditaram, porque quando eles gravaram o disco, nem eles sabiam que tinha sido o primeiro. Eles estavam bem longe, foram para o Rio de Janeiro, foram pra uma emissora de TV que tinha os estúdios, pegaram os recursos, venderam o que tinham em Belém pra poder ir pra lá e arrumaram algumas horas pra gravar no RJ. E acabou saindo o disco que, de repente, é o primeiro de Heavy Metal do Brasil, porque a atitude que está gravada ali é Heavy Metal, tanto na forma de cantar e na forma de tocar. Todas as restrições do mundo técnicas, mas todas são louváveis. E o técnico de som que foi gravar com eles, que inclusive vamos mostrar no filme, não sabia como era gravar com distorção. E não queriam usar distorção, porque falavam: ‘Esse som de guitarra com essa distorção é sujeira!’ Eles achavam que estavam estragando a música, não entendiam que aquilo era o som que a gente queria. E essa coisa é maluca! 
E voltando naquela tua pergunta: um garoto de 15 ou 18 anos, ou você mesmo, falar assim: ‘Como era isso?’ Acredite, não havia distorção! Era uma mágica fazer um PA e microfonar a guitarra pra ela poder soar mais alto nas caixas de som. E com certeza isso foi uma descoberta maravilhosa. 

Stress: Contra capa do segundo álbum
RtM: Acabei lembrando agora que o Taurus, do Rio de Janeiro, usou a primeira tecnologia na época, que foi o primeiro recurso de masterização aqui no Brasil também, não sei se estou certo...

Micka: Realmente eu não sei, mas é um detalhe legal você me contar. E o Taurus também participa do filme, tendo música inédita deles do nosso CD, que inclusive, além do filme, vai ter um CD de músicas inéditas de 14 bandas da época que gravaram músicas com aquele sabor dos anos 80. Eu não sabia desse detalhe da masterização, porque ninguém sabia o que era isso. Mas eu acho que isso foi nos anos 90 com o advento do CD. Não existia a palavra masterização, existia uma coisa chamada corte. Então quando o disco terminava a prensagem, ele ia para o corte. 

O corte era uma forma do técnico de som nivelar os volumes. Digamos que a masterização embrionária foi isso, de como nivelar o volume das músicas. E a masterização, usando um pouco mais de tecnologia, foi no começo dos anos 90 e, provavelmente, o Taurus pegou esse pedaço. E o Rio de Janeiro foi um dos primeiros a fazer esse processo de masterização por causa dos estúdios grandes que forneciam material pra Rede Globo, com as grandes produções acontecendo por lá. E o Taurus é uma banda muito legal e muito importante. E quando a gente esteve com eles, eles se motivaram bastante e retomaram a parte da carreira musical deles, muito também desse contato para o filme. 

RtM:Você acabou de falar que juntou bandas da época pra gravar um CD com músicas inéditas pra ser incluso dentro do documentário. Até bandas, que não estavam em atividade, você chamou e resolveram gravar músicas inéditas especialmente para o documentário, incluindo também a sua banda, Santuário, que estava parada há muito tempo. Como foi essa sensação do pessoal naquela época entrar no estúdio novamente a compor novas canções?

Micka: Foi muito legal. As pessoas tem amizade, mas cada um vivendo a sua vida há tantos anos depois, exercendo uma nova atividade profissional. E o convite foi para resgatar aqueles que não estavam em atividade para se juntarem. E muitos usaram até músicas da época que não foram gravadas, porque como nenhuma banda conseguia gravar disco, tinha um repertório de 20 e 30 músicas que a banda só tocava ao vivo, mas só que nunca tinham gravado. O Salário Mínimo usou música antiga, o Santuário uso música antiga; o Korzus regravou a música “Guerreiros do Metal”, que ficou impressionante; o Viper também tem música regravada com a formação original. Temos o Chakal de Minas Gerais, Patrulha do Espaço, que também fez canção nova para o disco; o Vulcano (SP) está no CD... Cérbero, banda importante daqui de São Paulo, que surgiu no começo como uma grande banda, mas que acabou indo para os Estados Unidos e quando voltou não acabou firmando carreira aqui no Brasil. O Vírus resgatou canções da época, com músicas de 83, 84 e 85. O legal é que vocês vão ouvir músicas com essa forma de compor, mas com uma gravação já com a pegada atual. 
A música tema do filme, que é a do Stress, ela tem uma pegada total anos 80 na forma de tocar e na forma de cantar. E a gente sentiu que combinou demais! Foi perfeito! Se ela fosse uma música com cara de 2015, ela perderia o espírito.  A gente queria buscar aquilo que você, Gabriel, ou os seus amigos da sua geração, ainda não viram. 



RtM: E tem pessoas que, infelizmente, partiram desse mundo para outro,  que deram depoimentos dentro do Brasil Heavy Metal, que é o caso do guitarrista Hélcio Aguirra e de outros que não vou conseguir lembrar o nome agora, mas que você poderia citá-los. Mas aproveitando o gancho para que você falasse um pouco da importância do que o Hélcio Aguirra deixou pro Rock nacional, do Rock pesado e ao Hard Rock também, já que o Golpe de Estado foi uma das melhores bandas de Hard Rock brasileiras, e cantado em português.

Micka: O Hélcio Aguirra surgiu lá comecinho dos anos 80 com uma banda chamada Via Láctea, que era um pouco de Rock Progressivo. Ele gostava muito de Black Sabbath, a guitarra dele sempre foi uma Gibson SG igual a do Tony Iommi. E ele foi um cara muito importante, porque ele foi o polo centralizador da galera daqui de São Paulo, que montou o Harppia junto com o Tibério (baterista maravilhoso e fabricante das baterias Luthier) e o Jack Santiago (vocalista), sempre com pessoas muito boas e legais. 

E depois ele se desligou do Harppia e foi pro Golpe de Estado, onde ele conseguiu fazer um link do Hard Rock circulando com todos os meios do Rock brasileiro, do Heavy Metal brasileiro, do Punk brasileiro e da New Wave. O Golpe de Estado sempre estava no meio dessa turma toda e feliz entre todos, conseguindo uma atitude muito legal e letras muito boas. E o Hélcio tem uma importância gigantesca nesta história. E os que já foram, como você falou, vai ter um momento especifico no filme homenageando esses guerreiros que não estão conosco, mas que fizeram parte desta história. 

 

RtM: Entrando na questão no seu envolvimento com o documentário, todos sabem que você foi guitarrista da banda Santuário, mas fazendo o seguinte link: como é que você se sente contando a história do Heavy Metal brasileiro, mas, ao mesmo tempo, fazendo o papel de músico em cima de um palco, tendo participado dessa história? Você se sente como se fosse algum tipo de historiador, um educador com esse trabalho e pesquisa feita?

Micka: É uma palavra muito sofisticada. E eu também não tenho me atuado como músico. Toco um instrumento, claro, mas não tenho me atuado mais porque minha atividade profissional está ligada as artes e ao áudio visual. Fiz, no ano passado, uma apresentação com o Santuário, comemorando os 30 anos do SP Metal I e II, que foi muito legal. Educação é uma expressão muito pesada, digamos que é mais informar e trazer a informação pra cada um tirar suas conclusões. Então é mais como um historiador de um momento, e é uma emoção muito grande, por exemplo, estar falando com vocês agora e procurar trazer uma informação nova, despertando a curiosidade quando a gente estiver com esse material finalizado. 
E tudo que a gente está fazendo vai desembocar numa questão que é o financiamento coletivo, que é isso que vai fazer a mobilização pra que a gente consiga entregar o produto mais bonito, completo, sincero e o mais bem feito que o país já viu nesse segmento, esse é o ponto importante. E tudo que estou contando e conversando com você, vai chegar ao engajamento da comunidade Heavy Metal do país inteiro.


RtM: E como você falou, têm mais de 80 depoimentos de músicos, jornalistas, lojistas, fabricantes de instrumentos, donos de gravadora e etc. É claro que não vai existir nem melhor ou pior depoimento, porque cada um conta sua história. Mas qual depoimento que você capta como o mais interessante e que ele pode mexer um pouquinho a cabeça de quem estiver assistindo quando ele estiver com o documentário em mãos?

Micka: Você já antecipou. Cada um tem o seu lado interessante. Ouvir histórias do Carlos Lopes, da Dorsal Atlântica, é sensacional. Depois a gente vai para Minas Gerais falar com o Bozó e o Claudio David, ambos do Overdose, com um lado bacana do surgimento do Rock pesado e do Metal em Minas, que foi maravilhoso. Conversar com o Luiz Calanca (Baratos Afins), Paulinho Heavy, que era o cara do Inox, que era uma banda legal. Ele não era um cara só de banda, mas também um cara ligado à gravadora e a comunicação em geral. São muitas histórias, não da pra pontuar uma ou outra não. No trailer vocês já viram coisas muito legais. O Andreas Kisser (Sepultura), que inclusive está com a gente, é uma pessoa que tem uma visão mundial/global da música, e que reconhece do nosso projeto uma qualidade muito acima da média também. 


RtM: Um material amplo e valioso, e que vai receber uma "embalagem" maravilhosa.
Micka: O que a gente está buscando é trazer, desde o que vocês estão vendo nos materiais, um nível de qualidade e sofisticação estética pra vocês receberem esse material muito bacana, honrando o esforço de todos nós pra isso acontecer. Os depoimentos são maravilhosos e muitos, então vai ter pequenos trechos rápidos e curiosos de cada um. E o ponto importante, que gostaria que você frisasse em algum ponto desta conversa, é a questão do ‘crowdfunding’, que é o ponto principal pras pessoas entenderem de que esse esforço todo, que vai ser realizado, é pras pessoas serem recompensadas com sua contribuição. O apoio ao projeto ele tem que sair mais do que um simples ‘curtir’, ele tem que ser baseado no apoio efetivo. E não estamos pedindo ajuda pros fãs, estamos fazendo uma contribuição e recompensando ele com algo maravilhoso. Em troca disso, ele vai ganhar duas recompensas: a primeira recompensa é o material que ele vai pegar fisicamente em mãos, e a segunda recompensa é a história documental de uma forma muito legal e inovadora como jamais foi feito. 



RtM: Voltando em uma das minhas perguntas anteriores, essa questão global pode influenciar, por acaso, alguém de fora do país verificar o que você está fazendo? Achar interessante e olhar: ‘Puxa, o Heavy Metal do Brasil tem bandas muito boas mesmo’.

Micka: E isso vai acontecer, não resta dúvida. Quando o filme estiver pronto, ele vai estar com as legendas em inglês e espanhol. Vamos participar dos festivais de cinema em vários países do mundo pra levar essa história para todos. E certamente vai surpreender muita gente, porque ninguém pode imaginar que, como a imprensa nunca promoveu agora, dessa forma talvez a gente consiga mostrar que houve algo realmente do Brasil naquele período. Não estamos discutindo a qualidade das bandas, estamos mostrando o esforço e a descoberta de uma nova cena em um período difícil do país, e que estamos vivendo de novo um período difícil também. E eu acho que vai despertar muita curiosidade de todos em todo o mundo. 



RtM: Indo pra uma realidade mais atual, hoje, como tenho 22 anos, tem bastante banda surgindo aqui no Brasil. Creio que nesse século que estamos vivendo, o Brasil nunca esteve tão bem servido de banda, tanto de norte, sul, leste e oeste. Você acha que o Heavy Metal brasileiro ele está melhor se comparado aos anos 80 em todos os aspectos?

Micka: Pelo aspecto de qualidade de som, capacidade de gravar e tocar com certa técnica, sim. Mas eu não tenho certeza que o fã, brasileiro, deu apoio proporcional ao esforço dessas bandas. Então as bandas se desgastam, estudam e trabalham. E não é garantido que o fã esteja lá contribuindo com seu ingresso no show, comprando sua camiseta ou baixando e comprando o download da música ao invés de piratear. O Heavy Metal brasileiro está melhor no aspecto técnico e tecnológico, as bandas são excelentes, tem uma visibilidade internacional e reconhecimento. O próprio fã brasileiro talvez não faça 100% da sua parte naquele ponto. Então esse resgate histórico faz com que, emocionalmente, todo mundo sinta que, lá atrás, houve alguém trabalhando pra que isso acontecesse e refletisse nas grandes bandas que existem hoje, talvez pra que essas bandas continuem levando pra eles a músicas que eles gostam, todo mundo tem que estar abraçado e mais próximo. O Metal nacional sempre teve qualidade e isso nunca vai acabar. 


RtM: Falando sobre as bandas, quais são as bandas mais atuais, tirando a dos anos 80 e 90, focando somente do ano 2000 em diante, que você destacaria como uma das mais importantes?

Micka: Eu acho que eu não posso responder essa pergunta pelo seguinte: depois desse meu empenho total ao Metal dos anos 80 pra esse filme, eu estou tão ligado e não estou acompanhando tudo o que está acontecendo ao meu redor do novo Metal da década de 90 pra frente. O Krisiun tem tido uma visibilidade internacional maravilhosa, o Angra venho na sequência e o André Matos fez um trabalho solo maravilhoso. Esses caras que estou te falando são reflexos ainda daquela minha geração dos anos 80. Hoje eu vejo bandas com uma atitude nova cantando em português, como o Project46 e o Carro Bomba, que fazem um som excelente, maravilhoso e um puta som. Eu não posso emitir uma opinião porque eu não conheço todas, então eu falei um pouco, é um rascunho o que te falei, mas não estou falando que são melhores ou piores que um ou outro, porque meu foco realmente está naquele período. E quando acabar esse projeto, vamos estar com a mente disponível pra pensar na segunda geração.



RtM: O projeto teve início em 2008, mas com certeza muita gente dever ter te procurado perguntando: ‘Quando vai ser lançado o documentário? Por que não lançou até agora?’ Mas, enfim, em 2016 (N.T.: a entrevista foi realizada em dezembro do ano passado), ele vai estar ai pra todo mundo ver, fazendo a contribuição do ‘crowdfunding’ e tudo mais. Por que levou todo esse tempo pra concluir o documentário?

Micka: Porque a gente foi não só chorando, houve dificuldade daqui e dali, isso é natural e faz parte do processo. Se você pegar uma estrada, por exemplo: eu vou sair daqui e ir pra Porto Alegre. Daqui de São Paulo pra Porto Alegre leva doze horas de estrada, mas será que no caminho não vai quebrar um caminhão? O motor não vai ter um problema? Vão acontecer algumas coisas que vai criar um contratempo nesse caminho? Isso são coisas que acontecem e, de fato, aconteceu, esse é o ponto. Outro ponto é que a gene foi incrementando o projeto, ele era pra ser um filme baseado com alguns depoimentos e depois virou um longa-metragem cinematográfico, então isso fez com ele crescesse e ganhasse um porte diferente. E o terceiro ponto é que nada é por acaso, as coisas foram acontecendo e a gente está vendo que, o país tão dividido e sofrendo esses momentos políticos difíceis, o Heavy Metal também tem essa postura de se posicionar e chamar a atenção. E as coisas foram se encaminhando e nós concluímos depois de tantos anos. Demorou esse tempo todo para finalizá-lo, porque deveria demorar pra ele ser tão bacana quanto está sendo. E ai as pessoas vão reconhecer que vão receber um material que a demora passou e ficou pra trás, porque o que está chegando é tão mais legal e maior que já esquecemos esse passado. 



RtM: E o que você diria sobre o Ricardo Michaelis depois do produto final finalizado?

Micka: Se eu puder dormir umas três semanas, vai ser bom. E comemorar com os meus amigos, e os meus amigos são todos os que participaram dos depoimentos, toda a equipe técnica, mais do que todos eles e todos aqueles que abraçaram o projeto, que espero que sejam milhares. Estamos com a campanha, que está crescendo e indo muito legal, sentindo que a gente tem força pra ir bem longe. Então eu quero depois fazer uma reunião com 100 mil pessoas, abraçar todo mundo e falar: ‘Valeu galera! É o que uma multidão é capaz de fazer’. Esse é o meu desejo.

Micka Michaelis
 Muito obrigado por nos ter atendido pra conversar sobre esse grandioso trabalho que você está fazendo! O espaço é seu para dar sua mensagem final.

Micka: A mensagem é deixar bem claro que o apoio e a contribuição vai ajudar o projeto acontecer. Isso não significa que ele não vai acontecer, estamos trabalhando e o foco já tem plano e datas acontecendo, mas só que existe uma meta a ser atingida, e pra essa meta ser atingida tem que ser atingida agora. Não é por que o projeto tem prazo que as pessoas devem esperar pra contribuir no final, porque a campanha funciona se todo mundo abraçar ela agora. E ai sim ela vai ganhar força pra que o outro, que fique sabendo depois, abrace e a coisa vai ganhando força. É como se fosse uma onda, ela começa pequena, ela vai juntando e, quando ela chega lá na frente, ela fica gigante. Então a gente tem que dar força pra essa onda crescer. Queremos que todo mundo participe entrando no SITE OFICIAL, lá você vai encontrar o trailer e os vídeos de como foi feito o nosso box, que é uma recompensa exclusiva que jamais alguém fez algo parecido. 

Tem os detalhes de com ele pode contribuir, na aba “como contribuir”, mostrando todas as recompensas. E o mais legal que numa campanha diferente da convencional, a pessoa já recebe algumas das recompensas agora. O filme ele recebe depois, mas muitas recompensas ele pode receber agora, o que significa que ele pode desfrutar daquilo, compartilhar com os amigos, estar apoiando imediatamente e, depois, desfrutar desse momento mágico pra assistir o material com todo mundo. Então eu queria que vocês, do Road To Metal, reforçassem essa questão do ‘crowdfunding’, o financiamento coletivo, que é o que a multidão é capaz de fazer. Nós vamos provar pra todo mundo que o Brasil tem uma multidão capaz de fazer a coisa acontecer.




Entrevista: Gabriel Arruda

Edição/Revisão: Carlos Garcia

Fotos: Divulgação






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