Entrevista por: Renato Sanson
Musicista entrevistada: Clarissa Carvalho (guitarra) – Banda: Estamira
do Distrito Federal.
A Estamira está na ativa desde 2007, tendo uma breve pausa entre
2013/2015. Mas de certo modo, se mantendo ativa na cena e sendo uma banda
unicamente de mulheres, sempre levantando a causa feminista e o direito da
mulher, certo?
Nossa pausa começou quando
Ludmila saiu do País para fazer o doutorado. Ao voltar, Maiara tinha acabado de
ter filhos e neste momento só era possível nos encontrar para matar a saudade e
lembrar como era bom estar juntas tocando. Em 2017 fizemos um show revival para
matar a saudade, mas foi só no final de 2018 que tivemos a possibilidade de
voltar com todo o compromisso que isso exige. Então foi tempo suficiente para
voltarmos mudadas, mais maduras. Nesses quase 7 nos envolvemos com outros
projetos de vida (uma virou mãe, outra doutora, outra se tornou professora de
música e por aí vai...), outros projetos musicais (a Sara montou a Mãe Hostil e
tocou na P.U.S, e a Clarissa assumiu a bateria da Soror), também tivemos outros
tipos de contato com a cena (sendo público, produzindo eventos, colaborando com
as bandas, fazendo participações...).
Então a gente voltou diferente,
com outro gás e mais perspicácia, com outras vontades e com outras influências
de som, que esperamos poder mostrar nas novas composições em breve. Mas sim,
nossa essência não muda. Somos uma banda que nasceu sem a pretensão de ser uma
banda só de mulheres, pois todas as integrantes originais vinham de bandas
mistas, mas rolou dos contatos nos levarem a mulheres, e se nem todas se
consideravam feministas na época, essa união não premeditada ascendeu um desejo
de celebrar isso e assumir todas as vantagens e desvantagens de ser uma banda
formada apenas por mulheres, como uma forma de arte e de luta também. Somos uma
banda de metal e também somos uma banda de mulheres, temos orgulho disso. E
sim, esse é um tema que perpassa várias das nossas letras e dos nossos
posicionamentos, porque falamos do que vivenciamos como mulheres, inclusive no
meio underground - que se diz libertário, mas muitas vezes não é.
Gostaria que nos falasse a curiosidade por trás do nome da banda, que
tem um significado muito interessante.
Mais que curiosidade foi uma escolha política
em reforçar a memória da mulher Estamira Gomes de Sousa, uma catadora de lixo
do Rio de Janeiro, hoje já falecida, que ficou conhecida por fazer reflexões
extremamente sábias sobre as hipocrisias da sociedade, mesmo sendo considerada
uma mulher com “distúrbios mentais”. Aconselhamos fortemente assistir ao
documentário sobre a vida dela, que se chama “Estamira” mesmo, e é de 2004. Nos
identificamos com a história dela, por conta desse lugar subalterno que a
sociedade insiste em colocar as mulheres, né? Ela foi uma mulher negra, pobre e
considerada “louca”, um ser sem valor. De certa forma todas as mulheres são
Estamiras em algum momento de suas vidas (lógico, com todo respeito e
reconhecimento às diferenças existente entre este grupo nada homogêneo que são
as mulheres, com muitas ressalvas às desigualdades raciais, de classe,
sexualidade e identidades de gênero, entre outras que existem entre nós).
Mas
essa subalternidade está em todo lugar, na sub-representação das mulheres nos
espaços de poder e tomada de decisão, na exploração do seu trabalho e do seu
corpo que vem desde o seu lugar de mulher escravizada e estuprada na
colonização à desvalorização do trabalho doméstico que ela dedica à família
hoje. Está no lucro que não vai para ela quando vende a imagem do seu corpo
para a publicidade e massa. Está nos altos índices de feminicídio e violência
doméstica e muitos ouros aspectos, mas está em chamar-nos de “loucas”, como a
Estamira e como as feministas em geral, quando perdemos o medo de falar.
Até o presente momento a Estamira tem duas músicas lançadas e dois
videoclipes oficiais. Como está a produção e composição do Debut?
Pois é, esse é o nosso grande
objetivo!! Pretendemos aproveitar o período de isolamento para disponibilizar
esses sons mais antigos em uma só plataforma e gravar nosso primeiro álbum. Ele
terá algumas composições antigas ainda não gravadas e novas composições. Já
temos músicas inéditas desde antes da pandemia e estamos aproveitando o
isolamento para compor mais.
Uma das faixas de grande destaque certamente é a poderosa “Quem Morre
Sangrando Por Mim?” que traz uma letra instigante, e claro, um peso e
agressividade descomunal. O vindouro lançamento seguirá está linha?
Se as pessoas estão esperando
peso, raiva, porrada no som e nas letras, como foi com a “Quem Morre Sangrando
Por Mim?” esperaram certo. Quanto mais conscientes nos tornamos e quanto mais
vivências adquirimos, bem como solidariedade com as diferentes opressões, mais
raiva imprimimos nas letras. É o que está rolando. E o som reflete isso também.
A ideia é seguir cantando em português ou em breve teremos composições
em inglês?
Sim, sempre em português.
Entendemos que em inglês poderíamos alcançar um público maior e respeitamos as
bandas que decidem por esse caminho. Mas nós falamos de subalternidade e
opressão. Não conseguiríamos exprimir em inglês a experiência de mulheres que vivem
em um País colonizado. Não faria sentido pra gente.
Nesses mais de dez anos de banda vocês já tocaram em diversos
festivais. Quais aqueles que vocês julgam como inesquecíveis?
Vamos listar três e os motivos: O
Festival Vulva la Vida, que rolou em Salvador, em 2012, por ser um festival
feminista, completamente independente no esquema: faça-você-mesma, que não
apenas foi um show foda, mas nos rendeu várias amizades e parcerias com bandas
do Brasil inteiro. O Festival Ferrock, que tocamos na 24° edição em 2009, que é
um festival histórico da Ceilândia, a maior cidade periférica do DF, e que
criou bandas e cenas importantíssimas por aqui. Foi uma honra tocar nesse
festival. Por último, registramos o Festival Bruxaria, também do DF e um
festival feminista: faça-você-mesma, que além de bandas, sempre tem oficinas,
rodas de conversa, rango vegano, feira de produções de mulheres, e muito mais.
Temos muito carinho pelo Bruxaria, porque fomos convidadas para tocar na
primeira edição e depois Clarissa, Ludmila e Sara passaram a integrar a
coletiva que o organiza, e tem sido uma experiência maravilhosa. Nosso revival
foi lá na 2° edição, e também nosso show de retorno, na 4° edição, em 2019.
Em relação aos planos para a reta final de 2020/começo de 2021, o que a
Estamira está preparando?
Bem, não podemos negar que a
pandemia definirá as possibilidades e limites. Mas dentro destes, descobrimos
que dá pra fazer muito. Estamos compondo, estamos soltando nosso merchan novo,
estamos atualizando nossas mídias sociais, estabelecendo várias parcerias com
outras bandas do underground e matutando os frutos disso: quando a pandemia
permitir, queremos voltar a fazer shows, principalmente em cidades que ainda
não tocamos. Estamos com saudade de dividir o palco com a Manu Castro, nossa
primeira baixista que agora retorna à banda. Mas como já mencionei: nosso
principal objetivo é o álbum. Se sairmos da pandemia com ele pré-produzido,
será sensacional!
Confira os dois videoclipes oficiais nos links a seguir:
*Raimunda Honório: https://www.youtube.com/watch?v=J0Gne67x4ko
Estamira é:
Manu Castro - Baixo
Clarissa Carvalho - Guitarra
Maiara Nunes - Bateria
Ludmila Gaudad - Vocal
Sara Abreu – Guitarra
Links de acesso:
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