quinta-feira, 8 de maio de 2025

Entrevista – Jeff Scott Soto: 40 Anos de Lutas, Conquistas e Rock 'n' Roll

Por Gabriel Arruda e Jessica Valentim

Foto: Divulgação

Jeff Scott Soto é um dos cantores mais reconhecidos na história do rock nos últimos quarenta anos, número que ilustra sua longa e intensa jornada musical. Embora alguns ainda não consigam identificar seu nome imediatamente, é bem provável que já tenham ouvido sua voz em algum momento, já que ele trabalhou com várias bandas e artistas influentes neste cenário.

Antes de começar sua turnê pelo Brasil ao lado de Eric Martin (Mr. Big), que teve início no último dia 02/05, Jeff bateu um papo com a equipe da Road To Metal sobre diferentes momentos e aspectos de sua trajetória. Prepare-se para uma leitura fascinante e agradável com esse verdadeiro ícone, que consideramos uma lenda viva e um autêntico trabalhador incansável.

Gabriel: Em março, foi lançado o novo álbum do W.E.T., intitulado APEX. Cada lançamento desse projeto é como uma longa espera, mas sempre compensa. Você acha que isso é verdade ou é apenas porque você e os outros estão ocupados com seus trabalhos principais?

JSS: É sempre impressionante perceber o quanto as pessoas realmente gostam do W.E.T. Acho que isso acontece, em parte, por causa do certo mistério que cerca o projeto. Como não fazemos turnês e quase nunca aparecemos juntos em público, fica essa aura de enigma. Isso lembra um pouco os tempos antigos, lá dos anos 70 e 80, quando a música se espalhava sem internet, sem redes sociais e sem essa troca instantânea que temos hoje. Naquela época, as coisas levavam tempo para se divulgar; as pessoas conversavam, comentavam e aquilo ia crescendo aos poucos, de forma natural.

Por essa razão, é surpreendente notar o impacto e o interesse que conquistamos atualmente, mesmo em um ambiente onde a tecnologia predomina e a forma como consumimos música transformou-se de maneira radical. Nós somos um exemplo claro de que ainda é viável desenvolver algo genuíno e espontâneo, sem depender dos métodos de marketing e visibilidade do passado - sem revistas, promoções em larga escala, e assim por diante. No final das contas, somos unicamente nós, artistas que se reúnem para produzir o estilo musical que acreditamos que os ouvintes que realmente adquirem nossos álbuns desejam escutar.

Gabriel: Gostaríamos de saber um pouco sobre como foi o processo de criação deste novo álbum. Como você é o único membro que não mora na Europa, imagino que tudo seja feito de forma remota, ao contrário de estarem todos juntos em um estúdio tocando.

JSS: O procedimento geralmente segue um padrão, começando sempre com Erik Martensson, que é a força criativa e o motor do W.E.T. Parte dessa dinâmica se deve ao fato de que ele é tão ocupado quanto eu, ao passo que Robert (Säll) possui uma rotina um pouco mais leve. Devido a estarmos sempre atarefados em horários diferentes, frequentemente precisamos esperar até que Erik consiga encontrar um espaço em sua agenda para que possamos iniciar o trabalho em um novo álbum do W.E.T.

De certa forma, ele é o organizador principal. Nós costumamos brincar que ele é o "mestre de cerimônias", como aquele indivíduo no picadeiro do circo que dirige toda a apresentação, e é exatamente isso que Erik realiza. Ele é o responsável pela composição, cria as melodias, grava as demos e me envia as faixas antes de eu iniciar a gravação vocal. Além disso, ele produz os álbuns e decide com quem vai colaborar na composição - especialmente nas músicas que não escreve com Robert -, supervisionando absolutamente todos os aspectos. Ele é o ponto inicial e final em todo o processo.

Quando ele me envia uma seleção de faixas, algumas das quais ainda precisam de letras, ele sempre grava uma demo, mesmo que esteja improvisando durante a gravação. Às vezes, ele toca uma música e acaba soltando palavras aleatórias que não fazem sentido, porque essa é a sua maneira de criar melodias. Ele não consegue simplesmente cantar “lá lá lá”, precisa usar palavras reais para moldar o som.

Por isso, frequentemente ele me manda algo como, por exemplo, em uma ocasião, o refrão da demo era "rock me Caroline". E eu pensei: “Como vou escrever uma letra a partir de ‘rock me Caroline’?” Acabei mudando totalmente o tema da canção, mas mantive os mesmos sons vocálicos, transformando em “my heart is on the line”, que possui uma sonoridade semelhante. Utilizo o mesmo ritmo e cadência da melodia que ele enviou, aproveitando alguns elementos, como os sons das vogais. Se ele não me tivesse mandado “rock me Caroline”, talvez eu tivesse escrito, por exemplo, “take it all the way”.

Assim, mesmo quando ele me manda letras improvisadas um tanto descartáveis, muitas vezes encontro inspiração nessas ideias para completar as minhas próprias letras. Isso acontece com várias das faixas que ele já me envia com uma base mais elaborada.

Jessica: Você tem títulos provisórios e engraçados para as músicas também?

JSS: Desde o início da minha trajetória. Recordo, até no estúdio ao lado do Yngwie Malmsteen, que utilizávamos as fitas originais, as conhecidas como "reel to reel". Naqueles tempos, gravávamos em estúdios de verdade, ao contrário de hoje em dia, quando tudo é feito em casa.

Lembro que as caixas das fitas traziam nomes bem peculiares, e às vezes eles colocavam esses títulos estranhos exatamente para que, se alguém encontrasse aquilo depois, não soubesse do que se tratava. Por exemplo, se alguém achasse uma fita e visse "Ah, esses são os rolos originais de Stairway to Heaven", isso poderia causar problemas, então eles usavam esses nomes engraçados para que ninguém prestasse atenção. As pessoas viam e pensavam "Ah, isso não significa nada", e deixavam passar.

Isso sempre ocorreu em todas as bandas em que estive envolvido. Sempre houveram títulos engraçados para as demos ou gravações. Com o Talisman, por exemplo, o Marcel costumava me enviar fitas cassete com demos que vinham com títulos estranhos e divertidos. Com o Sons of Apollo foi a mesma situação. É impressionante como todos acabam adotando essa abordagem similar.

Gabriel: O W.E.T, como muitos já sabem, é um projeto que reúne membros do Work Of Art, Eclipse e do Talisman. Cada uma dessas bandas tem sua própria identidade. É complicado conciliar as particularidades de cada uma durante o processo de composição?

JSS: Primeiramente, essa ideia surgiu pela gravadora. O W.E.T é, essencialmente, um projeto que foi criado e gerido pela gravadora. Quando fomos reunidos, ficou a nosso cargo desenvolver o estilo musical e compor as faixas, mas a criação do W.E.T foi uma escolha da gravadora, que foi responsável por montar o projeto.

Conforme começamos, muitas pessoas começaram a ouvir e comprar nossas músicas, e naturalmente fomos formando nosso próprio público. Portanto, é lógico que queremos fornecer exatamente o que eles esperam de nós. Não temos intenção de fazer mudanças radicais; não pretendemos lançar um álbum de disco music na próxima vez, ou um de jazz. Temos consciência do estilo musical que os fãs do W.E.T aguardam e desejam ouvir, por isso tentamos não nos desviar muito da fórmula original que seguimos desde o início.

Entretanto, é compreensível que queiramos demonstrar desenvolvimento, sem nos repetir. Como não somos uma banda que está constantemente em turnê ou convivendo uns com os outros diariamente, também desejamos apresentar que há outras vertentes que podemos explorar dentro do que já estabelecemos, sem fazer mudanças drásticas, mas trazendo algo inovador.

Gabriel: O baterista Jamie Borger, que já trabalhou com você no Talisman e na sua carreira solo, além de ter feito parte do Treat, é novidade deste quinto trabalho. Como foi o processo para convidá-lo a se juntar a vocês?

JSS: Eu não estive envolvido de jeito nenhum, o que foi bastante peculiar. Descobri apenas na última hora. Quando Erik me manda as faixas para eu iniciar a gravação dos meus vocais, sempre são as versões demo dele. Ele registra todas as canções em seu estúdio, utilizando bateria programada. Não é como era antes; atualmente, temos tecnologia avançada, com bateristas reais gravando em estúdios, permitindo que você capture partes da performance deles e monte uma canção, depois podendo substituir por batidas reais.

Dessa forma, todas as faixas que gravei contavam com essas baterias de estúdio. Após isso, fiquei um bom tempo sem receber notícias do Erik. Eu tinha conhecimento de que ele estava fazendo a mixagem do álbum e trabalhando em videoclipes... até que, subitamente, recebo uma mensagem: "Quero que você ouça o álbum, já foi mixado. Me avise se quiser fazer alguma alteração ou ajustar algo."

Na segunda faixa, enquanto escutava, pensei: "Espera... esse não é o Robban. Não é o nosso baterista habitual no W.E.T." Imediatamente escrevi para o Erik: "Cara, essa não é a bateria do Robban." E ele respondeu: "Você está certo. Dou duas chances para você adivinhar." Mas eu precisei de apenas uma: "É o Jamie Borger." Reconheci na hora.

Tenho uma relação com o Jamie há muitos anos. Durante meus projetos solo, já compusemos juntos. Conheço bem seu estilo, sei como ele toca, como ele bate na bateria. Há algo muito particular na maneira como o Jamie toca; não consigo explicar exatamente, mas sabia que era ele. E então veio a surpresa: Jamie gravou todas as baterias do álbum. Eles não quiseram me informar até que tudo estivesse completo.

Jessica: Quero falar um pouco sobre a sua carreira como um todo. Muitos fãs ainda comentam sobre o álbum Eyes, de 1990. Aquele disco tinha um som cru, de hard rock. Por que só foi lançado um único álbum com esse projeto? Sempre foi pensado para ser algo pontual ou houve oportunidades perdidas no caminho?

JSS: Lamentavelmente, meu percurso profissional tem seguido um padrão similar. Vários projetos resultaram em apenas um ou dois álbuns, e então eu partia para novas jornadas. Isso se aplicou a quase todas as bandas com as quais colaborei — Eyes, Talisman, Soto, Sons of Apollo. Sempre que me uno a um grupo, me dedico por completo como vocalista, acreditando que essa será a minha banda final. Minha aspiração sempre foi levar o projeto adiante.

Contudo, ao longo dos anos, as coisas nem sempre ocorreram dessa maneira. Por exemplo, durante meu tempo com o Eyes, surgiram desavenças internas, não entre os membros da banda, mas relacionadas a negócios. Havia dificuldades com a gravadora e com a administração. Começamos a perceber que talvez aquilo não funcionasse. Você grava um álbum, sente que fez um bom trabalho, e acredita que será um sucesso, que o público vai recebê-lo bem. E quando isso não ocorre, você se questiona: 'Deveríamos fazer outro? Ou devemos seguir adiante?' Então, a gravadora aparece e diz: 'Não estamos mais interessados'. Aí você precisa buscar um novo contrato, persuadir outros a investir... há muitos desafios nesse caminho.

Há diversos elementos que afetam a permanência de uma banda. E naquele período, as coisas eram ainda mais complicadas, pois havia um modelo bastante rígido sobre como as operações deveriam ocorrer - do ponto A ao ponto Z. Muitas bandas, incluindo aquelas em que estive, nem chegavam aos pontos C ou D.

Em relação ao álbum do Eyes, a intenção era, sim, continuar e produzir mais. Contudo, logo depois gravei meu primeiro disco com o Talisman, e esse projeto me parecia mais estável, algo que realmente queria investir. Se o Eyes tivesse alcançado o sucesso, provavelmente eu teria permanecido com eles. Mas, como isso não aconteceu, optei por seguir em frente com o Talisman.

Jessica: Creio que agora seria um grande sucesso, pois é um disco bastante subestimado e há pessoas que apreciam ele.

JSS: Estou de acordo com você, eu também sou fã desse álbum. Dedicamos muito esforço e energia àquela produção. Nós mesmos cuidamos da produção do disco, mesmo que os créditos indiquem outra pessoa como responsável. Tudo que está nele foi feito por nós. Todos os vocais de apoio... eu contratei pessoas para ajudar a sobrepor as vozes, e a própria banda também contribuiu. Foi um processo espetacular, repleto de empenho e amor.

Infelizmente, não recebemos o suporte adequado da gravadora, nem contávamos com as pessoas certas para promover o álbum. Ele poderia ter sido comparado a outras bandas da época que estavam se destacando, mas isso não aconteceu. Não conseguimos realizar turnês devido à falta de apoio suficiente. Muitos pequenos fatores, quando somados, acabaram pesando bastante. E isso é uma das razões pelas quais não conseguimos continuar juntos da maneira que desejávamos, dadas as condições que tínhamos naquela época.

Jessica: E como você organiza seu processo de composição entre os diferentes projetos? O que te faz decidir se uma canção será destinada à sua carreira solo, ao W.E.T. ou ao Sons of Apollo? E como você mantém a identidade distinta de cada projeto, evitando que eles soem muito semelhantes entre si?

JSS: Para começar, eu normalmente não compus só por compor. Não sou o tipo de pessoa que se senta no quarto, entediado, para tocar violão ou teclado apenas para ver o que surge. Nunca escrevo músicas sem um motivo, sempre há uma finalidade clara para o que estou criando. Se estou trabalhando em uma canção, é porque ela possui um propósito específico, seja para um disco, um projeto, ou algo que estamos desenvolvendo no momento. Essa é, inclusive, a maneira mais simples de saber para onde aquela canção será direcionada: "estamos criando para este disco".

A única exceção a essa regra foi o primeiro álbum do Ellefson-Soto (anteriormente conhecido como E.E.S.). Naquela situação, foi o David que iniciou o processo. Ele estava colaborando com vários músicos ao redor do mundo e criando demos com diversos vocalistas, apenas para ter um repertório de músicas. Algo como: "Ah, essa faixa combina com esta banda, essa outra poderia funcionar com uma diferente, e essa aqui talvez eu reserve para um álbum solo meu." Esse era o seu modo de trabalhar.

Durante o período da pandemia, ele me contratou para interpretar uma dessas canções. Ele ficou tão satisfeito com o resultado que me convidou para gravar uma segunda. Daí, passou a ser três, quatro... até sete canções. Foi nesse momento que eu comentei: 'Ei, economize seu dinheiro. Para mim, é um privilégio e uma alegria compor e criar músicas com você. Continue me enviando as faixas, estou contente em participar'. Afinal, estávamos todos confinados em casa, sem expectativa de sair em breve. Assim surgiu o primeiro álbum, quando percebemos que já tínhamos a quantidade necessária para um disco inteiro.

Ele começou a ouvir as faixas e afirmou: 'Não quero que mais ninguém grave isso. Acredito que deveríamos lançar essas músicas como nossas'. Sentimos que havia algo especial ali, algo que merecia ser escutado com a nossa própria identidade, e não apenas como um material para outros artistas regravarem.

Agora, ao trabalhar no novo álbum, a abordagem mudou. Já sabemos como é colaborar juntos, então estamos focando em criar algo com a intenção clara de ser nosso, e não apenas músicas aleatórias que poderiam se encaixar em qualquer projeto.

Jessica: E você costuma ouvir música no seu tempo livre em casa? O que você gosta de ouvir e o que mais te inspira na hora de criar suas próprias músicas?

JSS: Muito, muito, muito raramente eu consigo encontrar tempo para escutar outras músicas. Geralmente acontece por acaso, quando estou dirigindo ou se escuto algo novo enquanto algum amigo me apresenta uma canção. No entanto, em casa, sozinho, fica bastante complicado. Estou sempre tão envolvido trabalhando em meu próximo projeto, e em seguida em outro, e em mais um... Se não estou no estúdio gravando algo, é porque terminei de gravar e já me preparo para a próxima gravação.

Portanto, de fato, não consigo ouvir outras músicas, sejam lançamentos recentes ou clássicos. Estou sempre com agenda cheia. É um “problema” interessante, sem dúvida, mas às vezes reflito se estou deixando de descobrir novas músicas e inspirações. Por outro lado, não sinto que estou perdendo tanto, pois continuo criando e trabalhando constantemente.

Jessica: Isso é fantástico! Você teve a oportunidade de colaborar com muitos músicos icônicos ao longo dos anos. Existe alguém com quem ainda não trabalhou, mas que gostaria de trabalhar?

JSS: Tenho uma lista grande de artistas com quem adoraria colaborar. Já mencionei isso em várias entrevistas, e tenho certeza de que ele já ouviu falar a respeito, mas não sei o que está impedindo. O Nuno Bittencourt é um dos meus guitarristas e compositores preferidos. Admiro o estilo dele, a energia que ele traz para suas canções. Gosto daquele ritmo, daquele toque funk e meio soul que ele insere em suas músicas. Imaginar nós dois escrevendo uma canção juntos seria algo que eu adoraria ver realizar-se. O Nuno é definitivamente um artista com quem eu quero fazer algo. Brian May também está nesta lista. Existem vários outros artistas com quem eu também gostaria de ter a chance de colaborar.

Jessica: Apoio totalmente essa ideia de trabalhar com o Nuno, seria realmente extraordinário. E com a popularização das plataformas de streaming, de que maneira você vê isso alterando sua relação com os fãs? Você sente que está mais próximo deles ou que houve uma mudança na sua interação de alguma forma?

JSS: É curioso que, antes de toda essa situação, eu me sentia mais próximo dos fãs. Eu costumava responder cartas que recebia, mantinha trocas de mensagens com muitos fãs ao longo do tempo. Hoje, com tudo se tornando tão acessível, eu acabaria passando o dia todo apenas respondendo mensagens, o que tornou isso inviável. Não é possível estar conectado com todos a cada hora, todo o dia, toda semana.

Portanto, eu seleciono meus momentos. Ocasionalmente, eu entro, interajo um pouco e depois me retiro. Percebi que, ao responder uma ou duas pessoas, as demais podem se sentir deixadas de lado. Então, surge aquele pensamento: "Que bobo, ele não me respondeu, por que respondeu àquela pessoa?" Não desejo que ninguém tenha a impressão de que estou favorecendo alguns em detrimento de outros.

Assim, atualmente, busco adotar uma postura mais reservada. Faço minhas publicações e deixo as coisas seguirem seu curso.

Jessica: Sim, considero que isso é uma decisão sábia.

JSS: Existe uma quantidade significativa de negatividade por aí, então é fundamental cuidar do que você expressa. Qualquer coisa que você diz pode se transformar em um título chamativo, algo que atrai cliques. A experiência de dar entrevistas atualmente é complicada, pois, como mencionei, você pode encerrar esse diálogo e, em cinco minutos, já pode haver uma manchete circulando, transformando uma simples afirmação em uma controvérsia ou escândalo.

É desgastante ter que considerar a maneira de comunicar o que você deseja, evitando comentários que possam comprometer você futuramente (risos).

Jessica: Exato, e é vital que você esteja equilibrado mentalmente, pois, se você se expõe a muitos comentários negativos, isso pode influenciar seu bem-estar. Então, no final das contas, muitas vezes não compensa.

JSS: Estou de acordo!

E como você se prepara para uma turnê? Você segue algum tipo de rotina vocal ou treinamento específico que ajude a manter sua voz em boas condições? Eu soube que você fará três apresentações no cruzeiro Monsters of Rock Cruise no ano que vem, em três dias consecutivos com três bandas distintas!

JSS: Três bandas diferentes farão duas apresentações cada, e como o cruzeiro terá uma duração de cinco dias, eu vou tocar em seis shows durante esse período. Sim, isso vai ser cansativo (risos), mas foi uma escolha minha. Neste ano, estou completando 60 anos, e quando eu estiver no navio, planejo celebrar meu aniversário com uma festa prolongada à bordo. Para mim, a única maneira de fazer isso é no palco, junto aos meus amigos. Então, eu avisei a eles: coloquem-me em quantos shows quiserem, porque quero transformar isso em minha festa pessoal.

Jessica: Isso é incrível. Será uma grande celebração (risos)

JSS: E será espetacular, pois os integrantes da banda Soto serão os músicos de apoio para o Ellefson e o Ellefson-Soto. Assim, eu sinto que estou tendo o melhor dos dois mundos, usando minha própria banda para tocar as músicas com o David, e ainda faremos o show do Soto, que é independente de tudo mais. Portanto, isso está fantástico. Estou realmente ansioso por isso!

Jessica: E como você cuida de si mesmo em uma situação como essa?

JSS: Descansando o máximo possível. É necessário reconhecer quando é hora de se calar, sabendo que, após o show, toda aquela conversa pode impactar negativamente o dia seguinte. Obviamente, é melhor evitar álcool, cigarro e drogas... Manter distância de tudo isso, especialmente durante a turnê e com várias noites de performances consecutivas. Não uso drogas e não fumo, mas, em geral, faço um esforço para beber menos, dormir cedo, me manter hidratado e falar o mínimo possível. E, claro, realizo meus exercícios vocais antes e depois do show. Muitas pessoas não percebem, mas, além de aquecer a voz previamente, é necessário também deixá-la descansar depois.

JSS: Não consigo acreditar que você está prestes a completar 60 anos, já que sua voz é tão boa que nem parece que você tem essa idade.

JSS: Estou me aguentando, realmente me segurando (risos).

Percebo que já não tenho a mesma energia no palco como nos meus vinte, trinta e até quarenta anos, mas continuo firme, segurando firme! E sim, minha voz já não é a mesma, não consigo fazer todas aquelas performances radicais. O Sons of Apollo, por exemplo, foi uma das primeiras tentativas concretas de demonstrar essa transformação, indicando que estou ajustando onde estou cantando.

Procuro evitar iniciar uma canção em um tom muito alto, pois, se você começa lá no topo, só tem como descer. Agora, se você começa em um tom mais baixo, ainda consegue elevar quando necessário, e isso ainda é possível. Contudo, você não precisa permanecer sempre no máximo, pode fazer variações, o que contribui para uma maior durabilidade em turnês e para cantar essas músicas ao vivo.

Certamente, tenho isso em mente enquanto envelheço. Seria insensato gravar faixas que não conseguiria apresentar ao vivo, apenas porque sou capaz de gravá-las no estúdio.

Gabriel: Em maio, você estará em diversas localidades no Brasil acompanhando Eric Martin (N.T.: a turnê começou no dia 02/05). Ao contrário das ocasiões passadas, você realizará um espetáculo que se concentrará totalmente na sua trajetória, que celebra quatro décadas. O que podemos prever desses shows?

JSS: Na verdade, eu já passei por isso no ano anterior. Realizei apresentações em algumas cidades brasileiras, mas não em São Paulo. Este foi, na verdade, o único lugar onde não consegui apresentar o espetáculo de 40 anos de carreira, porque fui escalado para o festival Summer Breeze, que exigia um repertório bem distinto do que eu estava tocando no restante da turnê. Por isso, preparei um setlist especial apenas para aquele evento.

Além disso, fiz uma apresentação em São Paulo, mas foi um tributo ao Queen, ou uma performance acústica, sempre trazendo algo diferente do que eu costumava apresentar por toda a América do Sul. Assim, este ano, ao conversar com Eric sobre a possibilidade de fazermos esse show juntos, a ideia foi realmente essa: já que seria uma celebração de nossas carreiras, escolhemos as faixas mais impactantes, aquelas que sabemos que o público anseia escutar. E foi exatamente isso que fiz: selecionei várias canções do repertório do ano passado e adicionei uma nova, aquela que você estava quase cantando antes, Gabriel, mas ainda não quero revelar qual é.

Quando anunciamos os shows com Eric, ficou evidente que em algumas dessas apresentações, especialmente as que realizaremos juntos, haverá uma quantidade menor de músicas do JSS e do Eric em comparação a um show solo completo de cada um. Foi nessa ocasião que recebi o convite para realizar meu próprio espetáculo de 40 anos do JSS no Manifesto.

Recebi a confirmação hoje, e quero dividir essa novidade com você em primeira mão: será o último espetáculo do atual Manifesto em São Paulo. Esse local possui uma rica história, muitos artistas notáveis já se apresentaram lá. E eu serei o último a subir ao palco antes da mudança para um novo espaço. Estou extremamente animado por finalmente levar o show de 40 anos para São Paulo, assim como para as outras cidades onde estaremos com Eric Martin.

Gabriel: Um dos momentos altos desta próxima turnê será o show que vocês dois realizarão com o Foreigner, uma banda icônica e pioneira do Melodic Rock e AOR. Esta será mais uma grande realização na sua carreira de sucesso, especialmente pelo fato de que você deve ter crescido ouvindo suas músicas. Quais são suas expectativas para essa ocasião tão especial?

JSS: Eu não carrego nenhuma expectativa, pois estarei ao lado do palco, cantando cada uma das músicas e simplesmente desfrutando. Estarei tão próximo de Lou Gramm, que é um verdadeiro ícone para mim tanto como vocalista quanto compositor. Tudo o que ele produziu em sua carreira e repertório ressoa em mim desde a minha infância.

No início do meu interesse pelo Hard Rock, esse gênero não me atraía. Eu não apreciava Heavy Metal. Durante minha juventude, meu foco musical era em R&B, Earth, Wind & Fire, Motown, Sam Cooke… Mas então surgiram artistas como Bobby Kimball, do Toto, Lou Gramm, do Foreigner, e Steve Perry, do Journey. É possível notar que eles também foram influenciados pelas mesmas músicas que eu ouvia, mas conseguiram colocar suas vozes em uma nova dimensão dentro do Hard Rock.

Faixas como Double Vision, Hot Blooded representavam o verdadeiro rock, algo que eu não costumava ouvir. No entanto, ao ouvir esses cantores, com seu “soul branco”, sua essência ao cantar rock, isso me abriu portas para Judas Priest, Iron Maiden e muitas outras bandas que vieram depois. Bandas como Toto, Journey e Queen me mostraram que é possível incorporar um estilo de canto diferente no Rock e criar algo inovador.

Estou super animado, porque de todas as maneiras possíveis, é realmente uma forma maravilhosa de fazer esse show. Estar ao lado desses caras, tocar com Eric e Spektra, que são meus irmãos há mais de duas décadas, vai ser um verdadeiro sonho realizado. Junto de meus irmãos, vendo um dos cantores mais icônicos que já conheci, cantando todas essas músicas e observando o público brasileiro, que é incrível. Tenho certeza de que será uma noite memorável; eu já sinto isso agora.

Gabriel: Sua ligação com o Brasil, reforçada pela colaboração com Carlos Chiaroni e a Animal Records, remonta a mais de vinte anos. Os fãs brasileiros sempre o acolheram com muito amor. Você acreditaria que essa relação teve um efeito profundo em sua vida pessoal ou profissional?

JSS: Com certeza, mil por cento sim. E lembrando do Carlos Chiaroni em 2002, ele foi o primeiro a me contatar e queria que eu fosse atuar no Brasil. Me lembro que eram duas apresentações, e eu pensava: ‘Bem, isso pode ser muito divertido, já que nunca estive no Brasil e não sei nada sobre o país ou sua cultura...’ Ouvi muitas coisas negativas. Naquela época, haviam tantas histórias ruins que me diziam: ‘sempre peça o pagamento adiantado’, ‘não ande sozinho’, ‘tenha alguém do seu lado’. Muitas preocupações começaram a me atormentar em relação à minha primeira viagem ao Brasil. Isso me causou um certo receio.

Na segunda parte, vinha o pensamento: ‘e se forem me enganar?’, ‘e se eu chegar lá e disserem: ‘ah, não podemos te pagar agora, vamos pagar quando você chegar’, ‘pagaremos após o show’, ‘pagaremos no caminho para o aeroporto’...’ Esses pensamentos ficavam me rondando, pois era isso que me diziam. Então, fui com um certo receio, sempre com um pé atrás, até perceber quem era Carlos, até conhecer BJ, Edu e todos aqueles que se tornaram minha família para a vida toda.

Minha primeira experiência no Brasil foi de um estado de ansiedade e receio, sempre olhando por trás, para então se transformar na sensação de ‘me sinto em casa’. Definitivamente, meus sentimentos e minha relação com o Brasil e com o povo brasileiro começaram naquele momento, e desde então só cresceram, como uma vasta floresta amazônica.

Jessica: As pessoas por aqui comentam que você deveria ter uma espécie de identidade brasileira (risos).

JSS: Estou me esforçando para isso (risos).

Jessica: Você deverá receber uma em breve. E eu gostaria de fazer uma pergunta, você mencionou o setlist, mas não sei se pode divulgar isso. Você vai tocar algo do Lost in the Translation?

JSS: É interessante que você pergunte isso, pois do lado do Eric Martin, a cada ano desde que este álbum foi lançado - e sempre que vou ao Brasil - eu executo a canção Soul Divine, porque realmente a aprecio muito. Eu costumava tocar Eyes of Love com frequência. Também tocávamos bastante Drowning.

Atualmente, como preciso eliminar algumas faixas, uma vez que meu setlist será reduzido, eu reflito: 'Ah, preciso tocar essa, e também essa, essa eu toco todos os anos... talvez devêssemos variar um pouco'. Mas estou considerando que talvez ela (Soul Divine) precise retornar ao set. Ainda não decidi, vou definir isso apenas quando chegarmos aos ensaios e perceber a vibe do setlist.

Jessica: Bom, eu sou fã desse álbum e também gosto muito do Prism, então qualquer canção dele seria incrível!

JSS: É uma escolha complicada, porque se você explorar demais o catálogo, pode acabar deixando de fora algumas faixas que são essenciais. Muitos esperam ouvir Look Inside Your Heart ou Believe in Me, mas não consigo incluir todas essas e ainda tocar Yngwie Malmsteen, Talisman, W.E.T. e Sons of Apollo. Se eu começo a pensar 'vou adicionar essa', então preciso remover outra. Portanto, é necessário ser muito cuidadoso ao formular um setlist. No entanto, ao mesmo tempo, é preciso assegurar que você está oferecendo ao público o que eles desejam ouvir.

Jessica: Você acha que "Believe In Me" é uma daquelas faixas que pode estar um pouco desafiadora para você no momento, ou você se sente tranquilo em relação a isso?

JSS: Durante uma apresentação ao vivo, há ocasiões em que, se eu não tiver descansado o suficiente ou se minha voz estiver um pouco comprometida... Porque, no palco, você só tem uma oportunidade para se apresentar corretamente, e se não fizer isso, seu erro ficará registrado na internet para sempre. Portanto, sou cauteloso ao interpretar essa e outras faixas semelhantes, caso não me sinta seguro e à vontade para isso. Se eu estivesse cantando para você agora, não teria dificuldades. Contudo, durante as turnês, enfrentamos a falta de sono, as viagens, o cansaço, e tudo isso pode afetar o desempenho. Então, acabo adotando uma abordagem parecida com a de Freddie Mercury: se estiver em uma performance e perceber que não atingirá a nota desejada, procuro outras alternativas que se encaixem na música e sigo em frente.

Jessica: Por que você não entrega o microfone ao público e deixa que a gente cante 'Believe In Me' (risos)?

JSS: Só gosto de fazer isso quando tenho certeza de que eles realmente estão cantando (risos). Quando tocamos "I'll Be Waiting", deixo que eles assumam o vocal. É mais simples para mim cantar, mas o que eu quero mesmo é ouvir a audiência participando, pois é uma daquelas experiências que todos os artistas sonham quando são jovens: esperar pelo momento em que o público canta suas letras. É claro que valorizo esses momentos.

Jessica: Bom, estarei presente no show em São Paulo e vou tentar ficar na primeira fila, então pode contar comigo.

JSS: Incrível!

Jessica: Após tantos anos na estrada, o que você descobriu sobre si mesmo que te surpreendeu?

JSS: O que me choca é que ainda consigo cantar após todos esses anos (risos). Isso realmente é uma verdade, mas estou fazendo uma brincadeira. A vida na estrada pode ser desgastante, e a idade realmente afetando as coisas, tornando um pouco mais desafiador realizar algumas atividades. Quando há um peso constante que está te puxando para baixo e você tenta levantá-lo, eventualmente começa a ficar difícil. Portanto, como você sabe, estou quase completando 60 anos e ainda consigo fazer tudo o que quero. Isso é fantástico.

Jessica: E você já mencionou que raramente consegue encontrar tempo livre porque está sempre ocupado, mas além da música, o que mais te apaixonam ou quais são seus passatempos? Eu sei que temos algo em comum, pois sou fã dos Lakers, mas não sei se você consegue acompanhar os jogos ou se tem ido às partidas.

JSS: Eu realmente não disponho de tempo para assistir aos jogos e, sendo honesto, quando o Kobe ainda estava vivo e atuando, eu me esforçava mais para vê-lo ao vivo. Desde então, os Lakers têm estado um pouco irregular e, embora eu continue sendo um torcedor de coração, não vou me forçar a pagar preços exorbitantes para vê-los perder. Então, eu confio bastante no meu time e na minha cidade, mas, em certas situações, essa confiança não é suficiente para me motivar a gastar meu dinheiro arduamente ganho (risos).

Jessica: Com certeza, é bastante caro, especialmente agora que temos o LeBron e o Luka, e eu percebi que os ingressos estão com preços altíssimos.

JSS: E o mesmo pensamento se aplica para os shows. Acho uma loucura como estão cobrando das pessoas. Isso é apenas um ingresso normal, e ainda existe a opção VIP. Acaba-se gastando tanto dinheiro apenas para tirar uma foto com o artista favorito. Para ser sincero, isso é algo que nunca me deixou à vontade. Sempre estive muito próximo do meu público e das pessoas que acompanham minha carreira. Para mim, é estranho pedir que elas paguem para me dizer "oi". Isso parece um pouco esquisito.

Jessica: Tem algo que a Lady Gaga disse antes que é engraçado, que a gente paga pelos ingressos antes de você cantar. Então, como você vai fazer isso valer a pena? Ela disse que é tão estranho que a gente pague antes de você cantar.

JSS: Tenho sentimentos mistos sobre isso e entendo o ponto de vista, porque, claro, cada um tem seu tempo pessoal. Quando estamos em turnê, aquele espaço de tempo só para a gente é muito valioso. Às vezes, só quero relaxar, ficar tranquilo, sem precisar conversar. Mas aí vem o som, os encontros com fãs, os convidados, o show, depois o meet and greet... É muita coisa, especialmente para um cantor. Como mencionei antes, há o aquecimento e o desaquecimento, além de todas essas atividades acontecendo ao mesmo tempo. É difícil conseguir um tempinho para si nesse ritmo todo. Então, entendo que, se os fãs querem ter a chance de te conhecer, tirar fotos, conversar e tudo mais, eles precisam pagar por isso, porque estão ocupando esse pouco tempo que você tem. Acho que é assim que os artistas veem a situação: ao oferecer esse momento aos fãs, eles estão usando parte do tempo limitado deles e, por isso, cobram por isso. Essa é a percepção comum.

Jessica: Então, por último, mas não menos importante, quais são seus três álbuns favoritos do Queen?"

JSS: Essa é a pergunta mais fácil que você pode me fazer! Não em nenhuma ordem, não está em ordem, porque são os três principais. O primeiro ou o terceiro poderia facilmente ser o primeiro. Innuendo, Queen II e A Night at the Opera.

Jessica: Uau! Innuendo? Isso é incrível!

JSS: Não vejo Made in Heaven como um álbum do Queen. Para mim, foi mais uma forma de homenagear o Freddie depois que ele faleceu. As músicas que eles fizeram ali parecem mais coisas que estavam sendo feitas só por fazer, como conversamos antes, tipo: Me entreguem as músicas que eu vou continuar cantando, vou seguir fazendo meu trabalho até o fim. Para mim, aquilo não teve a mesma essência. Já em Innuendo, dava pra perceber em cada faixa que eles estavam voltando às raízes, fazendo uma espécie de retorno ao que fizeram no passado. Era tudo o que amávamos no Queen: uma mistura do começo, do meio e do final com um toque moderno. Foi isso que me encantou naquele álbum. Pra mim, foi uma espécie de encerramento perfeito. E "The Show Must Go On" é, na minha opinião, a maneira ideal de dizer adeus.




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