domingo, 21 de junho de 2020

Estamira: “Somos uma banda de metal e também somos uma banda de mulheres, temos orgulho disso”


Entrevista por: Renato Sanson


Musicista entrevistada: Clarissa Carvalho (guitarra) – Banda: Estamira do Distrito Federal.


A Estamira está na ativa desde 2007, tendo uma breve pausa entre 2013/2015. Mas de certo modo, se mantendo ativa na cena e sendo uma banda unicamente de mulheres, sempre levantando a causa feminista e o direito da mulher, certo?

Nossa pausa começou quando Ludmila saiu do País para fazer o doutorado. Ao voltar, Maiara tinha acabado de ter filhos e neste momento só era possível nos encontrar para matar a saudade e lembrar como era bom estar juntas tocando. Em 2017 fizemos um show revival para matar a saudade, mas foi só no final de 2018 que tivemos a possibilidade de voltar com todo o compromisso que isso exige. Então foi tempo suficiente para voltarmos mudadas, mais maduras. Nesses quase 7 nos envolvemos com outros projetos de vida (uma virou mãe, outra doutora, outra se tornou professora de música e por aí vai...), outros projetos musicais (a Sara montou a Mãe Hostil e tocou na P.U.S, e a Clarissa assumiu a bateria da Soror), também tivemos outros tipos de contato com a cena (sendo público, produzindo eventos, colaborando com as bandas, fazendo participações...).

Então a gente voltou diferente, com outro gás e mais perspicácia, com outras vontades e com outras influências de som, que esperamos poder mostrar nas novas composições em breve. Mas sim, nossa essência não muda. Somos uma banda que nasceu sem a pretensão de ser uma banda só de mulheres, pois todas as integrantes originais vinham de bandas mistas, mas rolou dos contatos nos levarem a mulheres, e se nem todas se consideravam feministas na época, essa união não premeditada ascendeu um desejo de celebrar isso e assumir todas as vantagens e desvantagens de ser uma banda formada apenas por mulheres, como uma forma de arte e de luta também. Somos uma banda de metal e também somos uma banda de mulheres, temos orgulho disso. E sim, esse é um tema que perpassa várias das nossas letras e dos nossos posicionamentos, porque falamos do que vivenciamos como mulheres, inclusive no meio underground - que se diz libertário, mas muitas vezes não é.




Gostaria que nos falasse a curiosidade por trás do nome da banda, que tem um significado muito interessante.

Mais que curiosidade foi uma escolha política em reforçar a memória da mulher Estamira Gomes de Sousa, uma catadora de lixo do Rio de Janeiro, hoje já falecida, que ficou conhecida por fazer reflexões extremamente sábias sobre as hipocrisias da sociedade, mesmo sendo considerada uma mulher com “distúrbios mentais”. Aconselhamos fortemente assistir ao documentário sobre a vida dela, que se chama “Estamira” mesmo, e é de 2004. Nos identificamos com a história dela, por conta desse lugar subalterno que a sociedade insiste em colocar as mulheres, né? Ela foi uma mulher negra, pobre e considerada “louca”, um ser sem valor. De certa forma todas as mulheres são Estamiras em algum momento de suas vidas (lógico, com todo respeito e reconhecimento às diferenças existente entre este grupo nada homogêneo que são as mulheres, com muitas ressalvas às desigualdades raciais, de classe, sexualidade e identidades de gênero, entre outras que existem entre nós). 

Mas essa subalternidade está em todo lugar, na sub-representação das mulheres nos espaços de poder e tomada de decisão, na exploração do seu trabalho e do seu corpo que vem desde o seu lugar de mulher escravizada e estuprada na colonização à desvalorização do trabalho doméstico que ela dedica à família hoje. Está no lucro que não vai para ela quando vende a imagem do seu corpo para a publicidade e massa. Está nos altos índices de feminicídio e violência doméstica e muitos ouros aspectos, mas está em chamar-nos de “loucas”, como a Estamira e como as feministas em geral, quando perdemos o medo de falar.


Até o presente momento a Estamira tem duas músicas lançadas e dois videoclipes oficiais. Como está a produção e composição do Debut?

Pois é, esse é o nosso grande objetivo!! Pretendemos aproveitar o período de isolamento para disponibilizar esses sons mais antigos em uma só plataforma e gravar nosso primeiro álbum. Ele terá algumas composições antigas ainda não gravadas e novas composições. Já temos músicas inéditas desde antes da pandemia e estamos aproveitando o isolamento para compor mais.


Uma das faixas de grande destaque certamente é a poderosa “Quem Morre Sangrando Por Mim?” que traz uma letra instigante, e claro, um peso e agressividade descomunal. O vindouro lançamento seguirá está linha?

Se as pessoas estão esperando peso, raiva, porrada no som e nas letras, como foi com a “Quem Morre Sangrando Por Mim?” esperaram certo. Quanto mais conscientes nos tornamos e quanto mais vivências adquirimos, bem como solidariedade com as diferentes opressões, mais raiva imprimimos nas letras. É o que está rolando. E o som reflete isso também.


A ideia é seguir cantando em português ou em breve teremos composições em inglês?

Sim, sempre em português. Entendemos que em inglês poderíamos alcançar um público maior e respeitamos as bandas que decidem por esse caminho. Mas nós falamos de subalternidade e opressão. Não conseguiríamos exprimir em inglês a experiência de mulheres que vivem em um País colonizado. Não faria sentido pra gente.


Nesses mais de dez anos de banda vocês já tocaram em diversos festivais. Quais aqueles que vocês julgam como inesquecíveis?

Vamos listar três e os motivos: O Festival Vulva la Vida, que rolou em Salvador, em 2012, por ser um festival feminista, completamente independente no esquema: faça-você-mesma, que não apenas foi um show foda, mas nos rendeu várias amizades e parcerias com bandas do Brasil inteiro. O Festival Ferrock, que tocamos na 24° edição em 2009, que é um festival histórico da Ceilândia, a maior cidade periférica do DF, e que criou bandas e cenas importantíssimas por aqui. Foi uma honra tocar nesse festival. Por último, registramos o Festival Bruxaria, também do DF e um festival feminista: faça-você-mesma, que além de bandas, sempre tem oficinas, rodas de conversa, rango vegano, feira de produções de mulheres, e muito mais. Temos muito carinho pelo Bruxaria, porque fomos convidadas para tocar na primeira edição e depois Clarissa, Ludmila e Sara passaram a integrar a coletiva que o organiza, e tem sido uma experiência maravilhosa. Nosso revival foi lá na 2° edição, e também nosso show de retorno, na 4° edição, em 2019.


Em relação aos planos para a reta final de 2020/começo de 2021, o que a Estamira está preparando?

Bem, não podemos negar que a pandemia definirá as possibilidades e limites. Mas dentro destes, descobrimos que dá pra fazer muito. Estamos compondo, estamos soltando nosso merchan novo, estamos atualizando nossas mídias sociais, estabelecendo várias parcerias com outras bandas do underground e matutando os frutos disso: quando a pandemia permitir, queremos voltar a fazer shows, principalmente em cidades que ainda não tocamos. Estamos com saudade de dividir o palco com a Manu Castro, nossa primeira baixista que agora retorna à banda. Mas como já mencionei: nosso principal objetivo é o álbum. Se sairmos da pandemia com ele pré-produzido, será sensacional!



Confira os dois videoclipes oficiais nos links a seguir:

*Quem Morre Sangrando Por Mim?: https://youtu.be/4LSK1kYv8fY



Estamira é:
Manu Castro - Baixo
Clarissa Carvalho - Guitarra
Maiara Nunes - Bateria
Ludmila Gaudad - Vocal
Sara Abreu – Guitarra


Links de acesso:

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