Entrevista por: Renato Sanson
Banda: Dark New Farm (SC)
“Farm News” traz um contexto
lírico bem forte em sua temática. O que não era mais para ser um tabu em tempos
atuais parece cada vez pior em nosso mundo. Como surgiu a ideia destes temas?
Sol: Empatia. O mínimo da decência humana. Pensar além dos
problemas que enfrentamos, e como não é incomum olhar para o lado e ver alguém
que conhecemos passando por outros problemas que não são a nossa realidade. E mesmo que não encontremos
ninguém com certos problemas por perto, simplesmente imaginar o quão difícil
deve viver sob algum preconceito já deveria te afetar. Se você não conhece
ninguém que passa por preconceitos, e não consegue se importar quando pensa nos
outros que passam... deveria reconsiderar o que você está fazendo na vida.
Harley: As composições da banda são sempre feitas de maneira
democrática e expressam nossas opiniões e vivências. Os temas são pesados, pois,
acreditamos que como banda temos algo a dizer: homofobia, violência contra a
mulher entre outros são temas que necessitam sempre ser debatidos, e me orgulho
de estar em uma banda que não tem medo de dizer o que pensa.
Vini Saints: Foi um processo bem natural, em cada composição.
Pareciam que elas eram reflexos de nossas conversas de dia a dia, como foi o
caso da “L.O.V.E.”, por exemplo. Ela foi originada em um dia no qual estávamos
discutindo sobre um crime que estava sendo noticiado sobre mais um caso letal
de homofobia em nosso país, então logo surgiu força para escrevermos ela. “Madre”
também nasceu de conversas e situações vivenciadas e observadas por nós. Então
enxergo nossas músicas como uma conversa nossa com o ouvinte, a gente traz ele
para nosso grupo, para nossa discussão, e queremos que ele participe e grite
sobre esses temas como nós.
Maykon: Foi tudo natural, por mais que seja clichê essa afirmação.
A Dark New Farm surgiu com o single “La Patria! La Fábula!” e a partir daí, as
outras músicas foram tomando forma naturalmente. O que fazíamos já era algo que
chamava a atenção, misturar o Inglês e Espanhol logo chamou a atenção do
pessoal. Quando acontece um triste episódio na nossa região e com memórias
obscuras fizemos “Madre”, tivemos uma apresentação que questionaram a presença
de um casal de amigas nossa e por isso fizemos “L.O.V.E”, tudo surgindo aos
poucos, tivemos muita ajuda do Fabiano Hamed (ex-baixista) nesse processo de
composição. Hoje eu ouço o nosso trabalho e me dá muito orgulho de tudo isso.
Como foi adaptar as letras
para a sonoridade atual da Dark New Farm?
Sol: Foi um processo tranquilo. O núcleo de qualquer composição da
DNF é o ritmo. Muitas vezes imaginamos riffs simplesmente por qual seria a
sensação do groove que estamos buscando, e então encontramos notas e tonalidade
para aquele ritmo. Esse relacionamento próximo entre
ritmo e composição deixa aberto uma exploração bem intuitiva das sílabas à
serem usadas. A parte mais difícil de escrever as letras sempre foi fazer juz
aos temas pesados e pessoais, e não muito a sonoridade em si.
Harley: É um processo natural. Geralmente o Sol, Vini ou Maykon tem
a ideia de um som e a partir dali a gente vai construindo. Como vocal eu tento
passar a emoção que a letra e a sonoridade pede, como em “Madre” a letra ali
fala de uma relação de ódio e amargura por isso o vocal tem que transmitir isso.
Vini Saints: Não vejo que tenha sido muito difícil, parece que o
New e Groove Metal são gêneros muito flexíveis em termos de letras. Nossas
inspirações passam por grupos como Rage Against the Machine e Sepultura, e as
temáticas são bem distintas e ricas entre essas e outras bandas que nos
influenciam. Então, brincar com os riffs e as alternâncias de peso que existem
nesses gêneros, moldando em torno de nossas letras, acabou sendo um processo
fluido e, até mesmo, divertido.
Maykon: Acho que a humildade dentro de todos os músicos, facilitou
todo o processo. Talvez quem sofreu mais foi o Sol Portella, por ser um músico
que estudou anos luz a mais do que nós todos e por ter uma técnica e visão
musical mais ampla, teve que aceitar algumas coisas na qual relutou as vezes.
Não por ser cuzão e sim por querer que tudo saísse da melhor forma possível.
Aos poucos, um foi completando o outro e isso foi formando as músicas da forma
que estão hoje. O próximo disco, EP, single ou sei lá o que vamos lançar, já
será um pouco mais intenso, digo isso de todos.
Em termos de musicalidade
temos uma grande gama de influencias. Nesse pouco tempo de estrada como foi
para moldar a sonoridade?
Sol: Foi extremamente importante para o meu desenvolvimento como
músico. Não apenas expressar o meu “lexicon musical”, mas ouvir os de outros e
aprender a incorporar tudo isso ao o que eu quero fazer. Ser próximo de
artistas talentosos que tornam essa troca de informações, personalidade e arte
é algo que eu tive a honra de experienciar aqui na DNF.
Harley: Cara, aí eu tenho que dizer que a Dark é o choque de alguns
mundos, o que faz dar tão certo. Se você ouvir o som vai perceber nuances de
vários estilos isso está no nosso DNA e nas nossas escolas musicais do som mais
ambient e atmosférico ao death metal e o rock.
Vini Saints: Bom, como
mencionei, temos inspirações de grupos de origens e caminhos bem distintos.
Gostamos até mesmo de brincar que nosso leque de inspirações vai desde os
precursores do Hard Rock nos anos 1970 até a música folk do Oriente Médio. E no
meio disso, com certeza tem das bandas mais famosas até as coisas mais
underground possível. Harley e Sol são donos de gostos musicais muito
peculiares, eu e o Maykon somos um pouco mais apegados à superfície, e no fim
conseguimos congregar tudo isso em nossas músicas. Então todo esse tempo que
temos de conversas, viagens, ensaios e shows, acaba ajudando a nos entendermos
cada vez mais dentro de nossas preferências e influências. Se torna um
quebra-cabeças, mas sabemos como completar esse jogo.
Maykon: Cara, a coisa mais triste no mundo da música é o pessoal
ter medo de criar sua própria personalidade por temer o que o público
bundão/troozão vão achar. A D.N.F chutou o balde quanto a isso, sabendo que
iria ter bastante gente que iriam gostar assim como teria muita gente que iriam
detestar, por sorte, é minoria. Aos poucos fomos criando nossa identidade, que
hoje quando tu ouves de longe meio que interliga a gente, era isso que
queríamos. Quem sai de casa para ver mais do mesmo? Hoje com tantas bandas como
tem, se alguém não tomar a iniciativa de fazer algo diferente, será só mais uma
e a Dark quis criar essa sua identidade para poder ser lembrada por isso.
Maykon, impossível não
perguntar sobre sua deficiência nos braços e mesmo assim você supera as
adversidades e de fato, “senta a mão” em seu kit de bateria. Nos fale mais a
respeito.
Maykon: Tocar bateria foi a maior libertação da minha vida, mas não
foi um processo fácil. Agradeço a minha madrinha, Márcia Nunes (in memoriam)
que quando eu tinha apenas sete anos de idade, me levou para a fanfarra da
escola “rival”, pois a escola que eu estudava nunca quis me dar oportunidade.
Dali pra frente, foi só ‘evolução’ até chegar a bateria. Mas, tocar na Dark é
fácil, tem um vocalista estrondoso e poderoso, um baixo pesado e groovado e um
guitarrista técnico e versátil. É fácil tocar com esses caras e grande parte do
sucesso disso, é deles, porque me deixaram fazer minha parte do jeito que eu
conseguia, sem forçar e começaram a entender musicalmente o que eu tinha a
oferecer e quando eles sugaram isso, a gente conseguiu montar o nosso som, com
peso, groove e cadencia, como sempre buscamos. A deficiência é algo que hoje em
dia, é só visual. É meio estranho ver aquele cara de braço curto na bateria,
parecendo um dinossauro hahaha, ainda rola algumas piadas seja elas engraçadas
ou pesadas, o negócio é fazer a minha parte, deixar mesmo que seja um pequeno
registro musical da minha parte nesse mundo, pois um dia eu vou embora, mas o
“Farm news” estará ainda na deep web, tomara.
O Dark New Farm além do
lançamento digital do álbum também optou pelo formato físico, que já não vem
sendo muito utilizado pelas bandas independentes. Como vocês enxergam este
cenário daqui a cinco ou dez anos?
Sol: Com certeza o lançamento físico passará a ser um "item de
colecionador" muito mais do que uma forma de consumir mídia. Mas, ainda
acho importante a presença de mídia física (e recomendo que, se possível,
grupos independentes continuem tendo o pouco que puderem). Pode ser uma das únicas formas de
ação direta que nos restam, caso as plataformas digitais tenham muito controle
sobre a arte que produzimos. Não troquem de ter a sua música “em mãos”, mesmo
que de forma simbólica, pela conveniência de se entregar completamente à
plataformas de streaming.
Harley: O material físico para mim é um sonho realizado, entendo o
quanto e difícil para uma banda underground atingir isso ainda mais na
realidade atual, mas como colecionador orgulho define saber que nesse material
está imortalizado nosso trabalho e a cada detalhe ali, cada som, a capa tudo
tem uma história o que é comovente para caralho kkkkkk. Como esse mercado vai
estar daqui dez anos? Bah acredito que vai ter os colecionadores, a galera que
quer ter o material da banda, o encarte, a mídia de forma geral, será algo
limitado sem dúvida. Mas vai persistir assim como o vinil, as fitas k7 e os
fanzines.
Vini Saints: Olha, na
verdade, dificilmente vamos seguir pelo lançamento físico até mesmo em nosso
próximo trabalho, seja EP ou álbum. Infelizmente, por mais belo e significativo
que seja ter o disco em mãos, para a banda acaba sendo um custo e processo caro
e lento. A demanda por CDs caiu muito, e eu sequer vejo isso como um inimigo ou
problema. Estamos vivendo tempos da portabilidade, da mobilidade, da
praticidade, e sabemos que não tem como carregar um CD para cima e para baixo,
como o celular conectado nos aplicativos de streaming. Acho que a tendência é
encontrarmos um meio tempo mais vantajoso para os músicos dentro dessas
plataformas, então em dez anos teremos uma dor menor do que a que sentimos
hoje. Recomendo, inclusive, que fique de olho na nova forma de transação que
está ascensão, o NFT. Pode ser um passo interessante para as bandas monetizarem
de forma justa e ainda permitir que seus fãs apreciem a música em qualquer
lugar pelos dispositivos que quiser.
Maykon: Eu não sei resto dos caras, mas eu dormi com os meus CDs
quando eles chegaram. Era um sonho de piá sendo realizado com a melhor galera
que eu podia imaginar. Quando peguei o CD em mãos, passou um filme na cabeça
bem intenso, pesado e com pitadas de boas lembranças. Ver pessoas comprando o
nosso trabalho, foi fantástico. Músicos de Death, Black, White, Hard Rock, sem
distinção adquirindo nosso merch. Foi fantástico, mesmo!!! Porém, acreditamos
que isso irá acabar, talvez um dia voltando forte como o vinil hoje em dia que
todo mundo tem saudade, ouvir música pelo Spotify é um saco. Sem falar que
cobram um absurdo da banda para botar a música lá e depois retornam esmolas.
Utilizar do streaming é oferecermos horas de estúdio, valores gastos em
produção e gravação, totalmente de graça. Qual o sentido disso? Valorizem a
porra das bandas que ainda fazem material físico, colecionar CDs é tão daora!
Para a banda, 2020 foi um ano
perdido ou de reconstrução?
Sol: Requer um pouco de maturidade para aceitar que sim, talvez
tenha sido um ano de grande perda. Mas o ponto principal é: muito
acima de como banda, como PESSOAS nós devemos saber as nossas prioridades.
Cantar sobre temas solidários e de união, para então cometer a hipocrisia de
aumentar o número de casualidades lá fora por puro egoísmo? A vida de alguém
importa muito mais do que qualquer som. E a forma mais direta que nós podíamos
ter respeitado isso foi justamente a “perda” de um ano. Pausas de um, dois, dez
anos acabam. Uma vida cortada mais cedo, não volta.
Harley: Perdido eu não diria, pois, estamos todos bem (na medida do
possível). Mas sim foi um ano que fizemos muitos planos no início e que foram totalmente
afetados. O mais importante é que decidimos cuidar da gente, das nossas famílias
e um do outro.
Vini Saints: Absolutamente perdido. Quando a crise global da
Covid-19 chegou ao Brasil, era março, e estávamos exatamente em semana de
gravação de nosso clipe para uma das faixas de nosso EP “Farm News”. Aquilo
travou todos nossos planos, e foi passando o tempo e nada foi melhorando.
Afetou muita nossa proximidade, nossas formas de viver, e cada um de nós
enfrentou problemas particulares que, infelizmente, forçaram a banda a ficar em
terceiro plano. Tentamos algumas coisas, traçamos alguns planos, mas somos um
grupo que valoriza muito o contato físico, mas valorizamos ainda mais nossa
saúde e o conforto de nossas famílias, por isso preferimos esperar. Felizmente,
a única coisa que perdemos em 2020 foi a oportunidade de continuarmos nosso
trabalho, e isso podemos recuperar futuramente.
Maykon: Quero mais que 2020 vá pra puta que pariu. Em março de 2020
estávamos em um prédio abandonado gravando o videoclipe que encerraria o ciclo
do “Farm News” e do nada, todo mundo em casa apavorado. Perdemos shows fora do
estado, tivemos que cancelar grandes festivais, sem falar no pânico que todo
mundo se encontrava. A Dark mora praticamente todos afastados e nisso, perdemos
o Sidney nosso tecladista que seguiu seu rumo a outros mares e só temos a
agradecer a presença dele aqui conosco. Para mim, 2020 fodeu com a banda, com
todos os planos e nossos objetivos, foi um banho de água fria.
Para 2021 quais as novidades e
planos?
Sol: Composições, planejamentos, reatar contatos, etc. Infelizmente
as coisas ainda não estão “de volta ao normal”; mas nós vamos preparando o
caminho para quando elas estiverem. O importante é não deixar o coração parar
de bater.
Harley: O nosso maior plano é ter todo mundo vacinado kkkkkk . Acredito
que estamos pensando a longo prazo e é cedo pra pensar em shows, mas a banda
não vai parar. Temos novos sons, novas idéias e uma vontade enorme de espalhar
a palavra daquilo que a Dark representa, podem ter certeza que em nosso retorno
seremos uma banda mais madura e com muito mais anseio de gritar pro mundo
nossas palavras.
Vini Saints: Ainda é difícil dizer. Nosso país se tornou o inimigo
da saúde pública global, nos sentimos cada vez mais distantes da possibilidade
de reencontrarmos e darmos continuidade em nossos planos. Ainda estamos
buscando formas de adaptar nossas realidades para algo que valha a pena
investir nossas energias, que estão sendo muito demandadas em nossas vidas
particulares. Posso dizer que não estamos com pressa, mas tentando nos
reaproximar e manter os sonhos e planos vivos, só não sabemos quando serão
executados ainda. Não queremos fazer qualquer coisa, queremos realmente
continuar em progressão. O EP “Farm News” teve uma ótima aceitação, mas sempre
com uma mensagem de “eles podem melhorar”. Sabemos disso, e queremos provar
isso com uma produção superior, composições superiores e um trabalho amplamente
superior. Por isso, nossos planos são de voltarmos a atividade com tudo, e
estamos ansiosos por isso.
Maykon: Tomar umas dez vacinas de cada marca aí para ver se a gente
se salva. Se tudo der certo, nos veremos logo nos palcos, se der errado
encontro vocês no show do Beatles ou Jimi Hendrix, talvez. Mas esperamos que
todos tenham calma, façam todos os procedimentos/protocolos de segurança e
mantenham-se em casa sempre que possível. Estamos loucos para lançar algum
trabalho novo, que contará com grandes participações e acredito que será um
passo grande no projeto. Espero poder ver logo esses caras, comprar coca cola,
bolacha e pizza para os ensaios e matar a saudade, considero-os meus irmãos e
sinto falta de vê-los e conviver com eles. E por favor, ouçam os profissionais
de saúde e não qualquer um com mídia e microfone em mãos, isso é muito
importante para sua sanidade mental.
Links:
https://www.facebook.com/DarkNewFarm
https://www.youtube.com/channel/UC9YrqvQAMZ44Wa6X7qXlytA
https://www.instagram.com/DarkNewFarm/