quarta-feira, 26 de junho de 2019

Föxx Salema: Pelo Heavy Metal e Igualdade Acima de Tudo




Föxx Salema é natural de Bragança Paulista (SP), autodidata, estando no circuíto independente há mais de 20 anos, sendo também uma das pioneiras como pessoa transgênera headbanger/metalhead no Brasil. Föxx lançou recentemente seu debut, "Rebel Hearts", de forma independente, e vem alcançando resultados muito bons, com um Heavy Metal inspirado nos grandes nomes dos anos 80, principalmente o lado mais tradicional e Nwobhm, além de pitadas de Power Metal. 

Conversamos com Föxx para saber um pouco mais de sua caminhada nesta árdua estrada do Heavy Metal brasileiro, sobre o debut e também questões delicadas como discriminação e violência crescente em nosso mundo atual, além de outras dificuldades que, infelizmente, pessoas vistas como "diferentes", por exemplo portadores de necessidades especiais, como um cadeirante que muitas vezes nem um transporte ou acesso à local público consegue ter,  e pessoas da comunidade LGBT, que sofrem com violência ou homofobia. 

Mas, por outro lado, muitas dessas pessoas lutam para realizar seus sonhos, buscar igualdade, e consequentemente ajudar muitas outras. Na irmandade Heavy Metal, felizmente, sempre houve esse sentimento às vezes tido como "transgressor", mas que sempre buscou a liberdade e igualdade, ou você conhece algum fã de Metal que deixou de ouvir Judas Priest porque Halford assumiu sua sexualidade? Confira então um pouco mais sobre a Föxx Salema e descubra um Heavy Metal com pegada e melodia!


RtM: Para início de conversa, gostaria que você nos contasse um pouco de como você iniciou na música e no Heavy Metal. 
Föxx Salema: Bom, eu canto desde criança e sempre gostei também do tema Terror, nessa época eu passava e via sem saber ao certo o que era, posters do Iron Maiden na parede de uma pequena loja de discos e achava muito massa aqueles desenhos. Quando entrei na adolescência um primo meu, que já colecionava fanzines do gênero e tinha vários discos, me apresentou devidamente ao Metal. Ele inclusive gravou em fita cassete o álbum "Seven Churches" do Possessed, ao qual eu pedi cópia do encarte para poder acompanhar nas letras o que era cantado. Dali para eu começar a cantar Metal e fazer shows foi “um pulo”... rsrsrs 


RtM: E quais seriam as suas maiores influências e inspirações musicais? 
FS: Eu posso citar 3 vocalistas que influenciaram bastante a minha forma de cantar: Geoff Tate, André Matos e Andi Deris. Já em termos de inspirações musicais, além claro, das bandas e projetos destes que citei, eu ouço vários subgêneros de Metal, do mais clássico, tradicional ao tido como mais extremo, pesado. E tudo isso, mesmo que em diferentes graus, influencia em como componho.

  
RtM: Com o tempo que você possui de estrada, como artista independente no underground, quais as principais dificuldades ainda enfrentadas para poder montar uma banda, gravar, arranjar espaço pra tocar? 
FS: Nossa, montar banda sendo trans é um caos, as pessoas no geral possuem um freio mental que muitas nem se ligam que tem, por exemplo: vergonha de dividirem o palco comigo, não sendo da comunidade LGBT+ e achando que serão julgadas, taxadas como tal. Então eu fiquei bastante tempo “caçando” músicos. Felizmente achei pessoas competentes e que toda esta questão pessoal minha, não as impediu de estarem musicalmente ao meu lado. Quanto a shows, eu ainda estou formando uma banda com integrantes fixos, pois me mudei ano passado para Grande BH para morar com meu marido, Cleber. Já fiz algumas pequenas participações ao vivo com bandas locais e também fui em alguns festivais em casas de show bem legais daqui, então estou bastante otimista, vamos ver o que o futuro me reserva...ha ha ha


" A honestidade e os valores familiares que me foram passados ajudaram a moldar o meu caráter e este, o meu ativismo."
RtM: Gostaria que você falasse um pouco sobre o processo de composição e gravação de seu debut, “Rebel Hearts”, pois sei que você não tinha uma banda montada, praticamente criando todas as partes. Imagino que seja mais complicado não ter, por exemplo, um guitarrista que já acompanhe o trabalho há mais tempo, tenha conhecimento e participe da composição. 
FS: Pois é, a questão da distância, da ausência de ensaios, entre outros fatores, foi complicado sim. Mas apesar disso o Paulo Garciia, que foi o produtor musical, conseguiu comigo cantando as melodias do instrumental (inclusive de pedal duplo) me ajudar primeiramente com os arranjos e guias musicais e posteriormente quem contratei para gravar lapidou tudo isso. Sempre, claro, com o meu aval final de aprovação, a Karine Campanille por exemplo, cuidou de 3 instrumentos: guitarra, baixo e teclado. Ela ia me mostrando o que tinha pensado para cada um, em cada música; os solos de guitarra mesmo, muitas vezes ela fez mais de um e eu, ou aprovava um por inteiro ou pedia uma mescla deles. Com o baterista também não foi diferente. 


RtM: Sobre a produção final, às vezes parece que algumas de suas ideias ficaram prejudicadas, e as músicas, várias excelentes ideias, poderiam ter rendido muito mais. Gostaria que você falasse a respeito de como avalia a produção do álbum, e o que gostaria de fazer de diferente? 
FS: Olha, eu sou muito minuciosa, perfeccionista, teriam algumas mudanças que eu faria em termos de mixagem e timbres, porém isso denotaria mais dinheiro e tempo, no mínimo meses para realização, então optei por não atrasar o lançamento do álbum. 

Todavia se levarmos em conta o lance de eu não ter uma formação de banda, não tocar nenhum instrumento, ter recursos limitados, o produtor musical não ser do Metal e que tudo foi gravado, mixado e masterizado num home estúdio de uma cidade do interior, eu acho que conseguimos um bom resultado, ainda que não seja o “ideal”. De qualquer forma, a receptividade do público tem sido bastante positiva, muitas das pessoas que ouvem o álbum via streaming, posteriormente fazem questão de adquirem fisicamente o CD.


RtM: O logo da banda ficou muito legal, poderia nos contar um pouco sobre os significados dele e também porque você adotou o nome artístico de Föxx? 
FS: O meu logo foi criado em 2013 e o designer que trabalhou nele seguiu a risca as minhas instruções, tanto de cores quanto a implementação do kanji de kitsune, a letra japonesa para raposa. Este detalhe remete ao meu nome artístico, eu possuo uma ligação digamos “espiritual” com a cultura nipônica, inclusive com uma tatuagem de raposa em forma de tribal no meu braço esquerdo. Quanto a grafia em si, o trema no “o” foi um “charme” inspirado em algumas bandas que usam isso e o duplo “x” é uma alusão a minha transexualidade e ao cromossomo feminino.


RtM: Falando um pouco das músicas, vamos iniciar com o single “Mankind”, que traz uma letra bem atual, além de capa criada para o single, excelente também, inclusive foi o que me chamou a atenção para conhecer mais do seu trabalho. Gostaria que comentasse mais a respeito dessa música e sua letra. 
FS: Eu escrevi a letra inspirada em eventos que embora não sejam assim tão novos, estão bastante em voga na atualidade brasileira: banalização do sexo e da violência, manipulação da verdade através de fake news, exploração da fé através do ódio e do medo, corrupção política a nível judiciário; enfim, toda esta merda nociva que a meu ver, corrompeu e inverteu valores éticos e sociais. A capa e todos os detalhes que idealizei para o single refletem bastante isso e ela era para ser mais explícita do que está, mas após ponderar um pouco eu optei por deixa-la mais “neutra”. Inclusive fui eu quem posou para o ilustrador, sou eu ali empunhando a bandeira LGBT+.

  
RtM: Seguindo essa linha, pois muito o conteúdo das letras em “Rebel Hearts” toca em assuntos bem importantes, que é uma certa involução na humanidade, com muitas manifestações de ódio e intolerância pelo mundo. Como você vê o papel dos músicos nessas questões? Ainda vejo algumas pessoas criticarem e dizem que não é papel de artistas se posicionarem em questões políticas e sociais. 
FS: Quando eu ouço esse tipo de “””argumentação””” na mesma hora me vêm a mente a imagem icônica do single Sanctuary do Iron Maiden, aquele com o Eddie e a Margaret Thatcher, fora várias outras bandas com letras e posicionamento político e social. Eu entendo que algumas pessoas optem por se acovardarem e se absterem sobre estas questões, mas definitivamente este NÃO é o meu caso. Meu falecido avô materno foi vereador em minha cidade natal, numa época em que não se ganhava salário para isso, se fazia por amor à pátria e vocação, ele ainda foi chefe de gabinete, assessor e secretário de um dos prefeitos.

  
RtM: Valores que são ensinados em casa, e que refletem no indivíduo, precisamos mesmo de mais educação e cultura, não mais armas e violência em formas diversas. 
FS: Sim, a honestidade e os valores familiares que me foram passados ajudaram a moldar o meu caráter e este, o meu ativismo. Fora que o simples fato de eu ter a muito tempo assumido publicamente a minha transexualidade, é um ato político, a minha própria existência é considerada por muitas pessoas uma afronta à sociedade religiosa e tradicional, principalmente para a direita conservadora e retrógrada. O que a meu ver é insanidade, pois eu sou assim desde criança (nasci em 78), não foi uma escolha, influência externa ou frescura pós-modernista como muita gente erroneamente acredita.

  
RtM: Ainda sobre essas questões, você, como trans, sentiu ou sente algum tipo de boicote ou discriminação de pessoas dentro ou fora do cenário Metal? 
FS: Boicote, desdém, exclusão, humilhação, injustiça, perseguição, transfobia e violência simbólica são apenas exemplos do que já passei e infelizmente passo, muitas vezes devido a falsa segurança que o anonimato e a distância da internet permite, as pessoas “se esquecem” que o mundo virtual também é regido por leis. Todavia é como eu canto em uma das músicas do álbum: eu ainda estou aqui, com cicatrizes emocionais, mas de pé e preparada para lutar. 

" A 'Mankind' foi inspirada em eventos que, embora não sejam assim tão novos, estão bastante em voga na atualidade brasileira."
RtM: Mesmo o cenário Metal tendo sido um tanto machista em determinadas épocas, acredito que a ideologia falou mais alto, e o público na grande maioria abraçou essas causas, pois não lembro de artistas como Rob Halford, que assumiu sua sexualidade, ou a Marcie Free terem sofrido discriminação no meio Metal. 
FS: Agora, sobre esta questão de artistas que assumiram publicamente sua orientação sexual ou identidade de gênero e a subsequente aceitação do público, acho importante ressaltar que o fizeram já com certa fama e renome, eu fiz o caminho inverso e paguei um preço alto por isso. Mesmo assim não me arrependo, pois eu fui em 1º lugar verdadeira comigo mesma e também com as pessoas que conviviam comigo, algumas entenderam, outras não. Aquelas que não entenderam ou mesmo entendendo se recusaram a me respeitar, eu me afastei, afinal, não preciso do stress causado pela toxidade delas. 


RtM: Continuando a respeito das músicas do álbum, nos fale um pouco mais da faixa título “Rebel Hearts”, que possui um refrão bem marcante e uma pegada que me lembrou o Viper da época do “Coma of Souls”. 
FS: A letra e a melodia de voz foram compostas em 2016, esta é uma das músicas que apesar de eu ter pensado na comunidade LGBT+ ao cria-la, ela serve também para pessoas que não fazem diretamente parte dela. Foi a minha escolha para título do álbum, não apenas pela levada mais direta dela, mas também por já ter em mente a capa (o lance do coração flutuando entre as minhas mãos e as 3 gotas de sangue pingando dele). Somado a isso tem ainda a introdução do álbum que antecede ela e onde se ouve o meu próprio batimento cardíaco, meu marido conseguiu emprestado um estetoscópio e o adaptou para conseguir captar o som em estúdio.

"Felizmente achei pessoas competentes e que toda esta questão pessoal minha, não as impediu de estarem musicalmente ao meu lado."
RtM: Outra que me chamou bastante atenção, e pelo que notei também é uma das que mais tem agradado o público, é “Emotional Rain”, que também possui uma letra bem forte e com bastante emoção. Nos conte um pouco mais sobre ela. 
FS: Esta é a única balada do álbum e a letra dela é motivacional. Quando a escrevi eu estava pensando no que eu sendo uma trans, gostaria de ter ouvido nos momentos difíceis. Em meados de 2.000 eu tentei o suicídio e só fui salva por conta de paramédicos terem sido chamados na madrugada e estes me entubarem. Então esta é uma composição muito íntima, muito pessoal. Até o momento, é a música do álbum que mais tem feito sucesso, o que pra mim é ótimo, pois eu gostaria que a mensagem dela chegasse ao maior número de pessoas possível.

  
RtM: E os planos agora após o lançamento? Como estão as novidades quanto a montar sua banda para shows e divulgar o trabalho ao vivo? 
FS: Sem querer eu acabei anteriormente meio que respondendo sobre isso! ha ha ha
Mas complementando: eu mal vejo a hora de voltar a ensaiar e estar de volta aos palcos, a energia do público é um grande estímulo para mim.

  
RtM: Föxx, obrigado pela atenção, parabéns pela sonhada estreia, há um ótimo conteúdo em “Rebel Hearts”, trazendo expectativa para o que virá a seguir. Fica o espaço para sua mensagem aos leitores. 
FS: Obrigada, eu é que agradeço o apoio. E aos leitores desta entrevista: ouçam o álbum no Spotify ou em algum serviço de streaming, se gostarem indiquem o mesmo para outras pessoas e se gostarem pra caralho, adquiram o CD físico! =^.^= \m/

Entrevista: Carlos Garcia

Canais Oficiais da Föxx Salema:

         


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