domingo, 1 de novembro de 2020

Casa Das Máquinas Parte I: Era uma Vez em 1973 (Entrevista com Aroldo Santarosa)


O ano era 1973, após sofrer pressão da gravadora que queria interferir na parte criativa, o baterista Netinho resolve acabar com Os Incríveis, que que possuía uma carreira bem sucedida no cenário da Jovem Guarda, e criar uma nova banda, pois desejava trilhar outros caminhos musicais, com uma sonoridade mais elaborada e mais pesada, inspirado pelos grandes nomes que surgiam principalmente no cenário inglês, como Deep Purple, Yes e Pink Floyd

Com ele, Netinho leva o vocalista e guitarrista Aroldo Santarosa (Som Beat), e completaram a banda com o jovem guitarrista Piska (que depois fez carreira como músico e produtor, principalmente de artistas populares, introduzindo arranjos mais elaborados), o baixista Cargê (Brazilian Beatles, Roberto Carlos) e o tecladista e saxofonista Pique Riverte (então na banda de Roberto Carlos), um time de excelentes músicos.

Inicialmente, batizaram a banda de Os Novos Incríveis, mas precisavam se desvincular do passado, e durante as gravações, surgiu o nome Astral Branco, mas logo substituído pelo definitivo, Casa das Máquinas, nome que marcaria a história do Rock Pesado brasileiro, com sua mescal de Hard, Progressivo e Psicodelia.

Foram 3 álbuns, com algumas mudanças nas formações em cada um deles, "Casa das Máquinas" (74), "Lar de Maravilhas" (75) e "Casa de Rock" (76), e principalmente os dois últimos, são tidos como verdadeira pérolas do Rock Pesado nacional.

A banda acabou prematuramente em 1978, retornando em 2015 para alguns shows e após disso o Casa começou a fazer apresentações mais regulares, e agora em 2020, prepara a gravação de um novo disco, após mais de 44 anos, mas isso é assunto para a parte 2 deste especial.

Nesta primeira parte, conversamos com o grande compositor, vocalista e guitarrista José Aroldo Binda, mais conhecido como Aroldo Santarosa, parte muito importante da história do Casa, presente nos dois primeiros álbuns e um dos principais compositores e letristas do grupo, parceiro de composição de Netinho desde Os Incríveis.

Após sair do Casa das Máquinas, Aroldo seguiu carreira, formando algumas bandas e colaborando com artistas como Zé Geraldo, com quem manteve uma parceria de sucesso por muitos anos. Aroldo hoje mora nos EUA, se dedicando a compor, escrever e até construir suas próprias guitarras! Confira:

RtM: Gostaria que você falasse um pouco sobre as suas principais influências e como você iniciou na música, quando foi que você sentiu que o caminho da música era o que você queria trilhar?Aroldo Santarosa: Meu primeiro instrumento foi a voz, cantava desde os 4 anos de idade.....comecei a estudar violão clássico com 8 anos e meio, somente música clássica, mas com 16 pra 17 comecei a me interessar por guitarras.


RtM: Conte-nos um pouco do início com o Casa das Máquinas, como foi essa transição dos Os Incríveis para o Casa. Quais os principais motivos que levaram vocês a buscar novos ares no cenário musical?AS: Os Incríveis acabou e o Manito montou o Som Nosso de Cada Dia e o Netinho, eu que já tocava nos Incríveis, o Carlinhos com o Piska e chamamos o Pique pra tocar sax e teclados e ai nasceu os Novos Incríveis  que virou Casa das Máquinas ..... Tem muito detalhe que estou omitindo porque senão vira um livro  kkkkkk  mas  foi por ai o nosso caminho.


RTM: Nos dois primeiros álbuns do Casa, você aparece como um dos principais compositores, com letras profundas e que trazem muita reflexão. E acho que isso era uma característica muito marcante na banda. Gostaria que você falasse um pouco sobre suas inspirações e esse lado, digamos, "espiritualizado" nas letras.
AS: Sempre gostei de escrever, leitura sempre me acompanhou, a espiritualidade você não pede vem junto quando nasce., perguntas sobre o universo , sobre  ser humano , sobre a natureza e sobre todas as coisas que sempre fervilharam na minha cabeça, por isso eu escrevo .... amo escrever assim como tocar guitarra. 

Primeira Formação do Casa: Netinho, Cargê, Aroldo, Pique e Piska

RtM: Gostaria que você comentasse um pouco mais sobre o disco de estreia do Casa, e também sobre a música "A Natureza", que em minha opinião é uma das mais marcantes.
AS: O primeiro disco do Casa foi muito bem trabalhado, as músicas muito bem escolhidas por nós e  "A Natureza" é um resumo das minhas ligações com  o mundo que me cerca, em especial o relacionamento entre o homem e a natureza que às vezes se torna turbulento .....

 

RtM: Prosseguindo, nos conte um pouco sobre o "Lar de Maravilhas", onde vocês já mudaram um pouco a sonoridade, indo por um caminho mais progressivo.
AS: o Lar de Maravilhas marcou uma mudança na banda, saiu o Pique entrou o Marinho Testoni, entrou  o irmão do Netinho, Marinho Thomaz, e ficamos com dois bateristas, mais progressivos, as letras mais fortes, a banda mais unida.  Foi bom demais ... muito tem pra falar e muito já é sabido. 

Casa das Máquinas, formação da época do "Lar de Maravilhas"

RtM: Duas músicas que gosto muito, e com certeza estão entre as preferidas dos fãs, são "Vou Morar no Ar" e "Lar de Maravilhas", gostaria que nos falasse um pouco mais sobre elas, principalmente sobre as letras.
AS: Bom, não é difícil falar sobre as letras, mas como já disse, gosto de escrever e às vezes os caminhos da tradução estão mais nos sentimento do que na palavra em si. "Vou Morar no Ar" é sobre a continuação da vida e de como eu vejo a morte. "Lar de Maravilhas" é um lugar especial onde o sonho é seu, e você pode torná-lo real enquanto purifica o espirito.

 

RtM: Quais eram as principais dificuldades na época? Conseguir bons equipamentos de palco, divulgação, estúdios e técnicos que pudessem ser capazes de produzir o som que vocês buscavam?AS: Dificuldades sempre existiram, é o que te faz evoluir sem dúvida alguma. Bons equipamentos sempre foram uma barreira paras a evolução das bandas no Brasil, tudo era contra ... sim tivemos dificuldades como todo mundo, mas de uma certa forma conseguimos o que a gente queria no momento, a gente só queria ferramentas pra mostrar do que éramos capazes, mas o universo musical é enorme e nem sempre gira conforme a música (risos) 

RtM: E sobre a vida de músico numa banda de Rock na época? A famosa trilogia sexo, drogas e rock & roll, as longas viagens...você lembra alguma história engraçada ou marcante que gostaria de compartilhar conosco.
AS: A trilogia  Sexo, Drogas e Rock n Roll  sempre esteve exposta, na essência da intimidade de cada um de nós que habitam esse universo. Têm gente que abre as janelas e deixam entrar os olhos e ouvidos estranhos e têm outros que se cobrem com seu desejo, se trancam e se calam...... histórias muitas, muita alegria e muito som.

 

RtM: Quais os principais motivos que levaram você a deixar a banda na época?
AS: Deixei a banda pra montar outra, mas nunca brigamos ... não me lembro bem, mas quando dei conta estava fora montando outra banda, outros músicos, outro som, outro tudo..  é a vida.


Abaixo, alguns pensamentos do Aroldo, uma auto definição e o que ele pensa sobre as plataformas digitais e os caminhos da música hoje em dia. Um pouco mais deste grande músico e poeta do Classic Rock e da música brasileira.


"Nem santo e nem gênio .... E=mc 2 não é comigo e muito menos milagre.... O que eu gosto mesmo é de uma natureza livre,  de  um bom rock n' roll,  de uma verdade bem dita, de uma paz contínua e de uma guitarra bem ajustada... o resto,  deixa comigo..... Love."

"O que aconteceu com a música e quem vive dela? Algum músico sabe ou imagina a fortuna dos donos do spotify? Pode crer, é muita grana ganha em cima da nossa criatividade. Poderia escrever um textão, mas deixa pra lá, tudo está tão claro, tão moderno e também já comeram todo o bolo sozinhos mesmo. Hoje, todo esforço do seu trabalho termina num headphone de 99 centavos do Iphone."

"Não é aconselhável que alguém com teto de vidro atire pedras.... Olhe pra cima, se der pra ver a lua e as estrelas, guarde as pedras e escreva um poema sobre a hipocrisia."


Entrevista: Carlos Garcia (com colaboração de Alex Matos - Canal Rock Idol)
Fotos: Arquivo pessoal do artista
Dedicamos essas matérias/entrevistas a memória de Carlos Roberto Piazzoli (Piska), Pique Riverte e Carlos Geraldo da Silva (Cargê).






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