sexta-feira, 16 de abril de 2021

Dark New Farm: a ideia é manter a saúde em dia, mas retornar com tudo e matar a saudade dos palcos

 Entrevista por: Renato Sanson

 


Banda: Dark New Farm (SC)


“Farm News” traz um contexto lírico bem forte em sua temática. O que não era mais para ser um tabu em tempos atuais parece cada vez pior em nosso mundo. Como surgiu a ideia destes temas?

Sol: Empatia. O mínimo da decência humana. Pensar além dos problemas que enfrentamos, e como não é incomum olhar para o lado e ver alguém que conhecemos passando por outros problemas que não são a nossa realidade. E mesmo que não encontremos ninguém com certos problemas por perto, simplesmente imaginar o quão difícil deve viver sob algum preconceito já deveria te afetar. Se você não conhece ninguém que passa por preconceitos, e não consegue se importar quando pensa nos outros que passam... deveria reconsiderar o que você está fazendo na vida. 

Harley: As composições da banda são sempre feitas de maneira democrática e expressam nossas opiniões e vivências. Os temas são pesados, pois, acreditamos que como banda temos algo a dizer: homofobia, violência contra a mulher entre outros são temas que necessitam sempre ser debatidos, e me orgulho de estar em uma banda que não tem medo de dizer o que pensa. 

Vini Saints: Foi um processo bem natural, em cada composição. Pareciam que elas eram reflexos de nossas conversas de dia a dia, como foi o caso da “L.O.V.E.”, por exemplo. Ela foi originada em um dia no qual estávamos discutindo sobre um crime que estava sendo noticiado sobre mais um caso letal de homofobia em nosso país, então logo surgiu força para escrevermos ela. “Madre” também nasceu de conversas e situações vivenciadas e observadas por nós. Então enxergo nossas músicas como uma conversa nossa com o ouvinte, a gente traz ele para nosso grupo, para nossa discussão, e queremos que ele participe e grite sobre esses temas como nós. 

Maykon: Foi tudo natural, por mais que seja clichê essa afirmação. A Dark New Farm surgiu com o single “La Patria! La Fábula!” e a partir daí, as outras músicas foram tomando forma naturalmente. O que fazíamos já era algo que chamava a atenção, misturar o Inglês e Espanhol logo chamou a atenção do pessoal. Quando acontece um triste episódio na nossa região e com memórias obscuras fizemos “Madre”, tivemos uma apresentação que questionaram a presença de um casal de amigas nossa e por isso fizemos “L.O.V.E”, tudo surgindo aos poucos, tivemos muita ajuda do Fabiano Hamed (ex-baixista) nesse processo de composição. Hoje eu ouço o nosso trabalho e me dá muito orgulho de tudo isso. 

Como foi adaptar as letras para a sonoridade atual da Dark New Farm?

Sol: Foi um processo tranquilo. O núcleo de qualquer composição da DNF é o ritmo. Muitas vezes imaginamos riffs simplesmente por qual seria a sensação do groove que estamos buscando, e então encontramos notas e tonalidade para aquele ritmo. Esse relacionamento próximo entre ritmo e composição deixa aberto uma exploração bem intuitiva das sílabas à serem usadas. A parte mais difícil de escrever as letras sempre foi fazer juz aos temas pesados e pessoais, e não muito a sonoridade em si.

Harley: É um processo natural. Geralmente o Sol, Vini ou Maykon tem a ideia de um som e a partir dali a gente vai construindo. Como vocal eu tento passar a emoção que a letra e a sonoridade pede, como em “Madre” a letra ali fala de uma relação de ódio e amargura por isso o vocal tem que transmitir isso.

Vini Saints: Não vejo que tenha sido muito difícil, parece que o New e Groove Metal são gêneros muito flexíveis em termos de letras. Nossas inspirações passam por grupos como Rage Against the Machine e Sepultura, e as temáticas são bem distintas e ricas entre essas e outras bandas que nos influenciam. Então, brincar com os riffs e as alternâncias de peso que existem nesses gêneros, moldando em torno de nossas letras, acabou sendo um processo fluido e, até mesmo, divertido.

Maykon: Acho que a humildade dentro de todos os músicos, facilitou todo o processo. Talvez quem sofreu mais foi o Sol Portella, por ser um músico que estudou anos luz a mais do que nós todos e por ter uma técnica e visão musical mais ampla, teve que aceitar algumas coisas na qual relutou as vezes. Não por ser cuzão e sim por querer que tudo saísse da melhor forma possível. Aos poucos, um foi completando o outro e isso foi formando as músicas da forma que estão hoje. O próximo disco, EP, single ou sei lá o que vamos lançar, já será um pouco mais intenso, digo isso de todos. 

Em termos de musicalidade temos uma grande gama de influencias. Nesse pouco tempo de estrada como foi para moldar a sonoridade?

Sol: Foi extremamente importante para o meu desenvolvimento como músico. Não apenas expressar o meu “lexicon musical”, mas ouvir os de outros e aprender a incorporar tudo isso ao o que eu quero fazer. Ser próximo de artistas talentosos que tornam essa troca de informações, personalidade e arte é algo que eu tive a honra de experienciar aqui na DNF.

Harley: Cara, aí eu tenho que dizer que a Dark é o choque de alguns mundos, o que faz dar tão certo. Se você ouvir o som vai perceber nuances de vários estilos isso está no nosso DNA e nas nossas escolas musicais do som mais ambient e atmosférico ao death metal e o rock.

Vini Saints:  Bom, como mencionei, temos inspirações de grupos de origens e caminhos bem distintos. Gostamos até mesmo de brincar que nosso leque de inspirações vai desde os precursores do Hard Rock nos anos 1970 até a música folk do Oriente Médio. E no meio disso, com certeza tem das bandas mais famosas até as coisas mais underground possível. Harley e Sol são donos de gostos musicais muito peculiares, eu e o Maykon somos um pouco mais apegados à superfície, e no fim conseguimos congregar tudo isso em nossas músicas. Então todo esse tempo que temos de conversas, viagens, ensaios e shows, acaba ajudando a nos entendermos cada vez mais dentro de nossas preferências e influências. Se torna um quebra-cabeças, mas sabemos como completar esse jogo.

Maykon: Cara, a coisa mais triste no mundo da música é o pessoal ter medo de criar sua própria personalidade por temer o que o público bundão/troozão vão achar. A D.N.F chutou o balde quanto a isso, sabendo que iria ter bastante gente que iriam gostar assim como teria muita gente que iriam detestar, por sorte, é minoria. Aos poucos fomos criando nossa identidade, que hoje quando tu ouves de longe meio que interliga a gente, era isso que queríamos. Quem sai de casa para ver mais do mesmo? Hoje com tantas bandas como tem, se alguém não tomar a iniciativa de fazer algo diferente, será só mais uma e a Dark quis criar essa sua identidade para poder ser lembrada por isso.

Maykon, impossível não perguntar sobre sua deficiência nos braços e mesmo assim você supera as adversidades e de fato, “senta a mão” em seu kit de bateria. Nos fale mais a respeito.

Maykon: Tocar bateria foi a maior libertação da minha vida, mas não foi um processo fácil. Agradeço a minha madrinha, Márcia Nunes (in memoriam) que quando eu tinha apenas sete anos de idade, me levou para a fanfarra da escola “rival”, pois a escola que eu estudava nunca quis me dar oportunidade. Dali pra frente, foi só ‘evolução’ até chegar a bateria. Mas, tocar na Dark é fácil, tem um vocalista estrondoso e poderoso, um baixo pesado e groovado e um guitarrista técnico e versátil. É fácil tocar com esses caras e grande parte do sucesso disso, é deles, porque me deixaram fazer minha parte do jeito que eu conseguia, sem forçar e começaram a entender musicalmente o que eu tinha a oferecer e quando eles sugaram isso, a gente conseguiu montar o nosso som, com peso, groove e cadencia, como sempre buscamos. A deficiência é algo que hoje em dia, é só visual. É meio estranho ver aquele cara de braço curto na bateria, parecendo um dinossauro hahaha, ainda rola algumas piadas seja elas engraçadas ou pesadas, o negócio é fazer a minha parte, deixar mesmo que seja um pequeno registro musical da minha parte nesse mundo, pois um dia eu vou embora, mas o “Farm news” estará ainda na deep web, tomara.

O Dark New Farm além do lançamento digital do álbum também optou pelo formato físico, que já não vem sendo muito utilizado pelas bandas independentes. Como vocês enxergam este cenário daqui a cinco ou dez anos?

Sol: Com certeza o lançamento físico passará a ser um "item de colecionador" muito mais do que uma forma de consumir mídia. Mas, ainda acho importante a presença de mídia física (e recomendo que, se possível, grupos independentes continuem tendo o pouco que puderem). Pode ser uma das únicas formas de ação direta que nos restam, caso as plataformas digitais tenham muito controle sobre a arte que produzimos. Não troquem de ter a sua música “em mãos”, mesmo que de forma simbólica, pela conveniência de se entregar completamente à plataformas de streaming.

Harley: O material físico para mim é um sonho realizado, entendo o quanto e difícil para uma banda underground atingir isso ainda mais na realidade atual, mas como colecionador orgulho define saber que nesse material está imortalizado nosso trabalho e a cada detalhe ali, cada som, a capa tudo tem uma história o que é comovente para caralho kkkkkk. Como esse mercado vai estar daqui dez anos? Bah acredito que vai ter os colecionadores, a galera que quer ter o material da banda, o encarte, a mídia de forma geral, será algo limitado sem dúvida. Mas vai persistir assim como o vinil, as fitas k7 e os fanzines.

Vini Saints:  Olha, na verdade, dificilmente vamos seguir pelo lançamento físico até mesmo em nosso próximo trabalho, seja EP ou álbum. Infelizmente, por mais belo e significativo que seja ter o disco em mãos, para a banda acaba sendo um custo e processo caro e lento. A demanda por CDs caiu muito, e eu sequer vejo isso como um inimigo ou problema. Estamos vivendo tempos da portabilidade, da mobilidade, da praticidade, e sabemos que não tem como carregar um CD para cima e para baixo, como o celular conectado nos aplicativos de streaming. Acho que a tendência é encontrarmos um meio tempo mais vantajoso para os músicos dentro dessas plataformas, então em dez anos teremos uma dor menor do que a que sentimos hoje. Recomendo, inclusive, que fique de olho na nova forma de transação que está ascensão, o NFT. Pode ser um passo interessante para as bandas monetizarem de forma justa e ainda permitir que seus fãs apreciem a música em qualquer lugar pelos dispositivos que quiser.

Maykon: Eu não sei resto dos caras, mas eu dormi com os meus CDs quando eles chegaram. Era um sonho de piá sendo realizado com a melhor galera que eu podia imaginar. Quando peguei o CD em mãos, passou um filme na cabeça bem intenso, pesado e com pitadas de boas lembranças. Ver pessoas comprando o nosso trabalho, foi fantástico. Músicos de Death, Black, White, Hard Rock, sem distinção adquirindo nosso merch. Foi fantástico, mesmo!!! Porém, acreditamos que isso irá acabar, talvez um dia voltando forte como o vinil hoje em dia que todo mundo tem saudade, ouvir música pelo Spotify é um saco. Sem falar que cobram um absurdo da banda para botar a música lá e depois retornam esmolas. Utilizar do streaming é oferecermos horas de estúdio, valores gastos em produção e gravação, totalmente de graça. Qual o sentido disso? Valorizem a porra das bandas que ainda fazem material físico, colecionar CDs é tão daora!

Para a banda, 2020 foi um ano perdido ou de reconstrução?

Sol: Requer um pouco de maturidade para aceitar que sim, talvez tenha sido um ano de grande perda. Mas o ponto principal é: muito acima de como banda, como PESSOAS nós devemos saber as nossas prioridades. Cantar sobre temas solidários e de união, para então cometer a hipocrisia de aumentar o número de casualidades lá fora por puro egoísmo? A vida de alguém importa muito mais do que qualquer som. E a forma mais direta que nós podíamos ter respeitado isso foi justamente a “perda” de um ano. Pausas de um, dois, dez anos acabam. Uma vida cortada mais cedo, não volta.

Harley: Perdido eu não diria, pois, estamos todos bem (na medida do possível). Mas sim foi um ano que fizemos muitos planos no início e que foram totalmente afetados. O mais importante é que decidimos cuidar da gente, das nossas famílias e um do outro.

Vini Saints: Absolutamente perdido. Quando a crise global da Covid-19 chegou ao Brasil, era março, e estávamos exatamente em semana de gravação de nosso clipe para uma das faixas de nosso EP “Farm News”. Aquilo travou todos nossos planos, e foi passando o tempo e nada foi melhorando. Afetou muita nossa proximidade, nossas formas de viver, e cada um de nós enfrentou problemas particulares que, infelizmente, forçaram a banda a ficar em terceiro plano. Tentamos algumas coisas, traçamos alguns planos, mas somos um grupo que valoriza muito o contato físico, mas valorizamos ainda mais nossa saúde e o conforto de nossas famílias, por isso preferimos esperar. Felizmente, a única coisa que perdemos em 2020 foi a oportunidade de continuarmos nosso trabalho, e isso podemos recuperar futuramente.

Maykon: Quero mais que 2020 vá pra puta que pariu. Em março de 2020 estávamos em um prédio abandonado gravando o videoclipe que encerraria o ciclo do “Farm News” e do nada, todo mundo em casa apavorado. Perdemos shows fora do estado, tivemos que cancelar grandes festivais, sem falar no pânico que todo mundo se encontrava. A Dark mora praticamente todos afastados e nisso, perdemos o Sidney nosso tecladista que seguiu seu rumo a outros mares e só temos a agradecer a presença dele aqui conosco. Para mim, 2020 fodeu com a banda, com todos os planos e nossos objetivos, foi um banho de água fria.

Para 2021 quais as novidades e planos?

Sol: Composições, planejamentos, reatar contatos, etc. Infelizmente as coisas ainda não estão “de volta ao normal”; mas nós vamos preparando o caminho para quando elas estiverem. O importante é não deixar o coração parar de bater.

Harley: O nosso maior plano é ter todo mundo vacinado kkkkkk . Acredito que estamos pensando a longo prazo e é cedo pra pensar em shows, mas a banda não vai parar. Temos novos sons, novas idéias e uma vontade enorme de espalhar a palavra daquilo que a Dark representa, podem ter certeza que em nosso retorno seremos uma banda mais madura e com muito mais anseio de gritar pro mundo nossas palavras.

Vini Saints: Ainda é difícil dizer. Nosso país se tornou o inimigo da saúde pública global, nos sentimos cada vez mais distantes da possibilidade de reencontrarmos e darmos continuidade em nossos planos. Ainda estamos buscando formas de adaptar nossas realidades para algo que valha a pena investir nossas energias, que estão sendo muito demandadas em nossas vidas particulares. Posso dizer que não estamos com pressa, mas tentando nos reaproximar e manter os sonhos e planos vivos, só não sabemos quando serão executados ainda. Não queremos fazer qualquer coisa, queremos realmente continuar em progressão. O EP “Farm News” teve uma ótima aceitação, mas sempre com uma mensagem de “eles podem melhorar”. Sabemos disso, e queremos provar isso com uma produção superior, composições superiores e um trabalho amplamente superior. Por isso, nossos planos são de voltarmos a atividade com tudo, e estamos ansiosos por isso.

Maykon: Tomar umas dez vacinas de cada marca aí para ver se a gente se salva. Se tudo der certo, nos veremos logo nos palcos, se der errado encontro vocês no show do Beatles ou Jimi Hendrix, talvez. Mas esperamos que todos tenham calma, façam todos os procedimentos/protocolos de segurança e mantenham-se em casa sempre que possível. Estamos loucos para lançar algum trabalho novo, que contará com grandes participações e acredito que será um passo grande no projeto. Espero poder ver logo esses caras, comprar coca cola, bolacha e pizza para os ensaios e matar a saudade, considero-os meus irmãos e sinto falta de vê-los e conviver com eles. E por favor, ouçam os profissionais de saúde e não qualquer um com mídia e microfone em mãos, isso é muito importante para sua sanidade mental.

 

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