O mês de setembro tem a tradição de oferecer grandes apresentações, especialmente em São Paulo, que nas duas primeiras semanas teve três shows do Sepultura no Espaço Unimed, Therion no Carioca Club, Circus Maximus no Hangar 110, Deep Purple no Espaço Unimed e TesseracT no Carioca Club. Ao longo do mês, os fãs de Rock e Heavy Metal poderão ainda prestigiar os shows do Raven na Jai Club e o icônico guitarrista Eric Clapton, que se apresentará em duas noites no Vibra SP e Allianz Parque, respectivamente.
Na ocasião, fomos conferir o Deep Purple, que retornou a São Paulo após um ano da sua apresentação no festival Monsters of Rock ao lado do Kiss, Scorpions, Helloween e entre outros. Reconhecida como uma das grandes referências do chamado Rock pesado e a única da Santíssima Trindade ainda estar na ativa, a banda sempre demonstrou um carinho especial com o Brasil. Ao todo, os ingleses já realizaram 27 shows no país, sendo que o primeiro foi em 1991, quando Joe Lynn Turner ainda era o vocalista. Em todas as suas visitas, a banda sempre atraiu um grande público, e o último, ocorrido no dia 13 de setembro, não foi diferente.
Ao entrar no local, por volta das 20h30, deparamos uma atmosfera agradável. A maioria do público, com idades entre 40 e 60 anos, já dominava uma boa parte das pistas, ansiosos para assistir mais uma apresentação da banda na capital paulista. Mas quem pensa que os shows do Deep Purple são frequentados apenas por fãs mais velhos, está muito enganado. Jovens, alguns acompanhados dos pais, tios e avós, também estiveram lá para rever a banda ao vivo ou para assisti-los pela primeira vez.
Com o palco totalmente pronto e a casa completamente lotada, o início iminente foi indicado às 21h46, quando o telão de LED atrás da bateria de Ian Paice se iluminou com imagens cativantes do novo álbum, =1, lançado em agosto passado. Os fãs logo pegaram seus celulares pensando que o show começaria nesse instante, porém tiveram que esperar mais alguns minutos. O início, de fato, veio às 22h10 com os dois pés com “Highway Star”, escolha mais do que apropriada para abrir o espetáculo em alto nível e que deixou todos extasiados logo nos primeiros minutos. “A Bit on the Side”, a primeira do novo álbum ser executada na noite, e as antigas “Hard Lovin Man” e “Into the Fire”, ambas do In Rock (1970), vieram na sequência.
Os membros, que já estão com uma certa idade – com exceção do Simon McBride, que tem 45 –, mostraram neste começo de show que continuam em plena forma. Ian Gillan interagia com o público de forma constante, agradecendo com um “obrigado” aqui e acolá, fazendo piadas e agitando sua pandeirola em certos momentos. No entanto, ainda há aqueles que anseiam por um retorno ao seu estilo vocal do passado. Antes de expressar essa crítica, é importante frisar dois aspectos. Primeiro, Gillan já está prestes a completar 80 anos, o que torna inviável que ele consiga alcançar os mesmos agudos de antes. E o segundo, e mais crucial, é que ele é capaz de encarar duas horas de show com tranquilidade, o que é uma conquista e tanto. Por essas razões, devemos ter a maior admiração (e respeito) por este que é um dos maiores vocalistas de todos os tempos, que inspirou diversos cantores, por exemplo Bruce Dickinson, do Iron Maiden.
Roger Glover e Ian Paice constituem uma das melhores cozinhas do planeta, se não a melhor. É fascinante observar como Paice consegue juntar influências do jazz, blues e Rock no seu universo bateristico. Assistir à sua performance ao vivo, desta vez de uma forma mais próxima, foi uma experiência extraordinária não apenas para mim, mas também para os entusiastas da bateria. Simon McBride trouxe um peso e vitalidade à banda. Com uma personalidade ímpar, ele executou impecávelmente as linhas criadas por Ritchie Blackmore e Steve Morse, que deixou o grupo em 2022 para ficar ao lado da sua saudosa esposa, que na época enfrentava um câncer terminal.
Don Airey, autor da abertura de “Mr. Crowley” (Ozzy Osbourne), destacou-se com dois solos delirantes de teclado. No segundo e último, ele fez questão de homenagear o nosso país com trechos de “O Trenzinho Caipira” (Villa Lobos), “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso) e o hino nacional brasileiro, onde o público fez a sua parte cantando animadamente.
Boa parte do reportório reuniu músicas do recém lançado = 1. Todas elas, sem exceção, foram bem recebidas. "Lazy Sod", "Portable Door" e "Bleeding Obvious" foram intercaladas com a ‘bluesy’ “Lazy” (com Gillan mandando ver na gaita) e a envolvente “When a Blind Man Cries”, que com a ajuda da iluminação, deixou o clima da música ainda mais bonito. “Anya”, do The Battle Rages On (1993) e que ao vivo soou ainda mais pesada, foi a surpresa do setlist. Da fase com Steve Morse, escolheram apenas “Uncommon Man”, do álbum Now What?! (2013) que foi dedicada ao saudoso Jon Lord e antecedida por um estupendo solo do Simon.
Antes de encerrar o primeiro bloco, a banda pós a casa abaixo com “Space Truckin”, anunciada com um arrepiante solo vocal do Gillan, que colocou as quase oito mil pessoas para cantar o refrão. Foi lindo ver todos ali soltando os ‘Come On, Come On, Come On’. Essa atmosfera recíproca continuou em “Smoke On The Water”, onde todos cantaram não só a letra, mas também o riff de guitarra, considerado por muitos guitarristas o melhor de toda a história do Rock. Embora ignorada por uns e por outros devido à sua ampla popularidade, ela provocou uma catarse coletiva e um fervor impressionante.
A instrumental “Green Onions” abriu caminho para a também clássica “Hush”, de autoria de Joe South, mas que ficou mais famosa com a versão do Deep Purple. Com seu andamento dançante, alguns não se excitaram de chacoalhar o esqueleto. O ponto final veio de forma emblemática com “Black Night”, que ao vivo ganha um toque especial com o público bradando o tradicional ‘ô, ô, ô’ em cima dos riffs iniciais, encerrando assim mais um show histórico.
O Deep Purple sabe, como poucos, proporcionar apresentações ao vivo de extrema qualidade. O som que emanava do palco, elevada pelo excelente sistema de som do local, era genuíno, como sempre foi desde a época do Made In Japan. No entanto, o espetáculo foi muito além disso: foi uma verdadeira lição de música. Que Dio os abençoe com saúde abundante, para que possamos desfrutar de seus shows ao vivo com mais frequência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário