Que o mês de maio foi uma loucura para o metaleiro paulistano todos nos sabemos. Com muitos ainda se recuperando do absurdo que foi abril, que trouxe o Monsters of Rock, maio não ficou para trás, começando com os pés na porta, três dias de Bangers Open Air pós feriado, aí na semana seguinte simplesmente o retorno do System of a Down (além do Upfront Fest para os punks), respirar naquele mês estava difícil. Imediatamente após a aula de show que os armênio-americanos proferiram no autódromo de Interlagos, presenciaríamos mais uma aula, mas deste vez, de metal extremo, pois os lendários britânicos do Carcass estariam passando por São Paulo em uma quinta feira à noite, pouco mais de um ano depois de sua apresentação no Summer Breeze Open Air.
Chegando no Carioca Club, a casa estava bem mais cheia do que o esperado, considerando que era quinta, a quantidade insana de shows que rolaram na mesma época e tinham anunciado a apresentação apenas no final de março, os fãs haviam aparecido em peso, a fila dobrava a rua. Tudo isso não era à toa, visto que os outros garotos de Liverpool tem uma história extensa, tanto aqui no Brasil, quanto no metal no geral, totalizando 10 apresentações em nossas terras e sendo conhecidos como os inventores do goregrind e grande influência para o mundo do death metal melódico. Como sempre, deixo aqui meus parabéns à produção da Overload, que há anos vem trazendo eventos extremamente pontuais e organizados, e desta vez, não foi diferente.
O quarteto assumiu o palco (adornado com uma faca do lado esquerdo e um garfo do direito) pontualmente às 20:30, e com precisão cirúrgica, Bill Steer tocou os acordes iniciais de “Unfit for Human Consumption”, faixa de seu álbum de retorno, “Surgical Steel”, que desde seu lançamento, nunca saiu do repertório dos shows. Uma roda punk de tamanho considerável dominou o meio da pista desde os primeiros segundos, e simplesmente não parou. Seguiram logo com “Buried Dreams”, uma das joias da coroa do brilhante “Heartwork”, que logo no primeiro riff já praticamente enfartou os fãs. Indo contra os padrões do death metal, o mestre Jeff Walker até conseguiu levar o público a bater palmas no ritmo; estava com a galera realmente na palma da mão. Mostrando as habilidades de Dan Wilding com as baquetas, veio “Kelly’s Meat Emporium”, primeira representante do seu trabalho mais recente, “Torn Arteries” (2021), introduzida com uma virada estonteante.
Pularem de era em era, trazendo “Incarnated Solvent Abuse”, de seu terceiro álbum, lançado 30 anos antes do mais recente. Vale ressaltar que independente da era da banda, o som sempre foi dinâmico, apresentando a mescla de peso e brutalidade que tornou os uma das maiores lendas do metal, e ao vivo, isto transparecia perfeitamente, o peso dos riffs era absurdo, mas Bull Steer também tinha uma finesse incrível nos solos, estavam realmente dando aulas de metal. “Heartwork” voltou com “No Love Lost”, e figurou novamente no bloco seguinte, quando juntaram “Tomorrow Belongs to Nobody” e “Death Certificate” em versões reduzidas, uma atrás da outra. “Dance of Ixtab” viu o retorno das palminhas, mas a energia era tanta que até rolaram alguns crowdsurfs.
A casa não era das maiores, mas os fãs estavam usufruindo de cada milímetro do Carioca Club, como em “Keep on Rotting in the Free World”, emendada com “Black Star”, onde boa parte dos fãs pularam juntos, fazendo o bairro de pinheiros tremer.A interação direta com o público era pouca, não falavam entre uma música e outra, mas a conexão entre público e banda era mais que evidente, como ocorreu logo após “Rotting” com a casa dominada por gritos de “Carcass, Carcass, Carcass”. Jeff retribuiu arriscando um “obrigado”, rapidamente voltando ao inglês com um “how are you doing”, justificando que seu português era muito ruim. A nostalgia veio forte com a sequência da instrumental “Genital Grinder” com a clássica “Pyosisified (Rotten to the Gore)”, as duas vindas de seu disco de estreia, “Reek of Putrefaction”.
“Pyosisified” também foi lançada como parte do EP “Tools of the Trade” 4 anos depois, ao lado da já contemplada “Incarnated”, que com a faixa-título compunham o lado A, além dela e “Hepatic Tissue Fermentation II” do lado oposto. Depois dos últimos acordes de “Tools”, a entrada sinistra de “The Scythe’s Remorseless Swing”, um dos destaques do último LP. Vale destacar o trabalho que fizeram com o fundo do palco, que estava adornado com um backdrop fino de uma caixa torácica, e em certas músicas, no telão aparecia o coração da capa de “Torn Arteries” justamente onde estaria posicionado um coração no corpo humano, e a iluminação era feita de um jeito que aparecesse o backdrop também. Fica difícil de explicar, mas na hora estava incrível. Fora isso, a iluminação era inconsistente, sendo difícil de ver a banda em certos momentos, mas nada que detraísse da experiência do show no geral.
Este bloco do show foi concluído com uma trinca de peso, simplesmente a pesadíssima “316L Grade Surgical Steel”, executada com precisão esperadamente cirúrgica, “This Mortal Coil”, praticamente um Iron Maiden em versão metal extremo, fechando com uma das mais icônicas da primeira fase da banda, “Corporal Jigsaw Quandary”. Antes de iniciar esta última, Walker jogou algumas águas para o público, provavelmente após flashbacks do que aconteceu com ele no Summer Breeze do ano passado. Para os que não lembram, pelo calor, o vocalista passou mal, e teve que fazer boa parte do show com um pacote de gelo em sua cabeça. Assim que desceram do palco, o público voltou a gritar o nome deles - havia passado aproximadamente uma hora e 10 de show, mas não havia nenhum sinal de cansaço. O “Carcass, Carcass, Carcass” rapidamente virou “olê, olê olê olê, Car-cass, Car-cass”, e atendendo aos pedidos de muitos, Walker ressurgiu, perguntando se queriam ouvir mais uma música.
Puxando o resto da banda, voltaram em definitivo para o palco, e Walker relatou que mesmo tendo viajado para um lugar há mais de 3 mil milhas de distância, ele estava se divertindo demais. “Querem uma música mais devagar, vamos fazer uma mais devagar.” Se “Captive Bolt Pistol” é devagar, não sei em que velocidade toca uma banda de doom metal, pois captive é vertiginosa, dando aquela sensação de ser atropelado por um trem. Se os corações já não estavam batendo mais fortes, seria com a última sequência que pulariam para fora do corpo de cada um dos fãs de lá, trouxeram um pouco da “old shit” com “Ruptured em Purulence”, que se assemelha a sensação de fazer wakeboard no chão de asfalto com a testa e simplesmente “Heartwork”. Quando aquele riff ecoou pelo sistema de PA do Carioca, parecia que São Paulo iria entrar em erupção, foi um momento de euforia pura. O público cantava cada nota da melodia a plenos pulmões, em uníssono, era algo grandioso, épico. Terminado o momento de catarse, soltaram um “we, Carcass, love you so much, make some fucking noise”, enquanto executavam o final de “Carneous Cacophony”, e foi ao som de “Have a Cigar” do Pink Floyd pelos alto-falantes que desceram do palco.
Não é todo dia que temos a oportunidade de ver uma das bandas mais influentes do metal extremo em uma casa intimista em uma quinta-feira à noite, especialmente fazendo um show praticamente impecável, como foi o caso da aula que os britânicos proferiram naquele dia 15. Quem viu, quem esteve presente, certamente não esquecerá desta apresentação, enquanto quem não foi, perdeu uma performance histórica. Agora, esperamos que o retorno deles seja em um final de semana, algo um pouco mais digno.
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