sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Burning Witches: Revivendo a Santa Inquisição nos Dias Modernos


2025 é o ano que marca a primeira década de existência do poderio de nacionalidades multifacetária das BURNING WITCHES. Multifaces por terem integrantes da Europa e da América, solidificando o fato de que a língua não só do Metal, mas da música é universal. Com apenas dois anos após o último lançamento (THE DARK TOWER), outra característica traga por elas é que além de resgatarem o som old-school prevalente da música pesada dos anos 80 com bandas como DIO, ACCEPT, WARLOCK e até mesmo uma roupagem moderna do AOR (Album-oriented Rock), uma espécie de acordo coletivo é o fato da inexistência de um período longo entre um trabalho e o outro.

Como muitas coisas na vida, "panela velha é que faz comida boa”, por assim dizer. Esses “truques velhos” muitas das vezes provam ser os mais eficientes, por isso do renascimento atual com os sons do período supracitado. Com várias bandas surgindo ao redor do globo após um período de recessão metálica, as BURNING WITCHES colocaram algo da mesa que, em larga parte, possui uma liderança com a potência brasileira NERVOSA: uma participação crescente da posição feminina no Metal.

Um ocorrido impressionante é que enquanto a maioria das bandas solta o ápice das suas carreiras já no primeiro álbum, as Bruxas quebram este padrão e, com o passar da década, demonstram uma maturidade gradual no que tange os arranjos das suas composições, ou, no mínimo, mantêm a régua num patamar saudável, sem deixar a peteca cair. Voltando ao tempo após esta viagem num passado próximo, temos o sexto lançamento, batizado de “INQUISITION”.

Sem mais delongas, iniciemos a observação.


O CONVENTO É LIVRE PARA TODOS PARTICIPAREM: O PREÇO É A SUA ALMA

A abertura instrumental SANGUINI HOMINUM inicia na forma de um cântico, e como o título sugere, ele é totalmente proferido em latim. Assim que a bateria entra com a deselegância de Lala Frischknecht marretando impiedosamente o tambor como se ele estivesse devendo dinheiro a ela, o propósito central do início do álbum é construir hype e criar a impressão de que estamos numa igreja: porém, logo somos induzidos a crer que não se trata de uma igreja comum, já que a fantástica Laura Guldemond perfura seus ouvidos com um grito de agonia que domina os seus dois ouvidos, trazendo-a ao final.

 
Ok, antes de darmos continuidade, um esclarecimento precisa ser feito: sou completamente contra a fulanização de integrantes. A banda deve ser tratada como um todo, e elogios individuais têm o seu devido local em partes pontuais. No entanto, uma exceção precisa ser feita aqui, porque LAURA GULDEMOND É UM FENÔMENO. PONTO FINAL. Ao iniciar na BURNING WITCHES, sua entrada estava envolta de dúvidas, confusões e incertezas, já que substituir Seraina é tarefa para poucas. Os ventos do destino sopraram ao seu favor, já que Laura provou ser justamente uma dessas poucas.

Começando sem ser uma referência no gênero, os anos foram favoráveis a ela, pois a própria desenvolveu um grau de profissionalismo que beira o inumano. Como a personificação da versão feminina de Goku (da franquia de animes DRAGON BALL), Laura foi superando seus próprios limites com a passagem do tempo.

Pelo que me importo, os meus olhos e ouvidos são os melhores juízes existentes, e eles me informaram que A HOLANDESA É A MELHOR FRONTWOMAN DO METAL NA ATUALIDADE, pois quando eu faço um Ctrl+F para procurar outra que consegue rivalizá-la nos pilares técnica, carisma e performance (talvez beleza seja apropriado, para completar de vez o combo), meus resultados encontram apenas o seu nome.



Certo, com esse "fanboyismo" fora do caminho... o início é dado de vez com SOUL EATER, com uma crescendo que não ficaria fora de lugar como um alerta da chegada de uma ambulância, porque o peso sonoro presente é sim cenário de emergência: de ver se o seu corpo aguenta a pressão do quinteto. SOUL EATER apresenta similaridades com UNLEASH THE BEAST do álbum anterior na sua apresentação, seja por agressão, batida e velocidade. Isso é bom e ruim ao mesmo tempo, porém com uma produção impressionantemente limpa.

DEFENSORES DA FÉ? OU DEFENSORES DE UM PODER IMPERIAL?

Após uma abertura muito direta e "na sua cara", a próxima é SHAME, e é aqui que paramos para perceber a influência de Courtney Cox como nova integrante permanente. A estadunidense entrou após o lançamento de THE DARK TOWER, e no lançamento atual é que a sua forma de compor entra em campo. Primariamente focada em shred, e apesar da faixa atual ser um pouco mais lenta, SHAME tem uma boa porção de palhetadas rápidas (em especial no seu refrão), além de uma generosa contribuição de wah-wahs em seu solo e no seu interlúdio.

THE SPELL OF THE SKULL não é tão nova assim, e já fora tocada meses antes de INQUISITION surgir ao mundo. Lançada no ano passado (com direito a videoclipe!), a vibe oitentista vem ao seu esplendor aqui, ao ponto desta ser uma mistura com Hard Rock não tão diferente do que visto em WASP ao redor da sua composição.

A faixa mais longa do álbum, primeiro single e a que dá o nome ao próprio: chegamos em INQUISITION, mergulhando mais profundamente no Heavy Metal tradicional e recheada com variações de tempo. A "comissão de frente" dos instrumentos costuma ser mais prestada atenção em uma análise sonora, com a bateria sendo erroneamente vista por cima, só que é aqui que Lala é dona de um poder a ser reconhecido. Como uma técnica de futebol que comanda o seu time pelos bastidores, a suíça assume a função ao manusear o seu kit no que eu chamo de "brutalidade com finesse" através de um passeio em diferentes estilos dentro do universo do Metal: se canção demanda que o ritmo vá a uma posição mais rápida, tudo bem. Uma abordagem mais lenta? Sem problemas. Não é à toa que essa variedade a põe num patamar de competência reservado para poucas seletas.
 
Na metade do álbum, HIGH PRIESTESS OF THE NIGHT é o segundo single de INQUISITION e com uma pegada bastante groove e a mais "fora de lugar do álbum". Talvez por ter uma estrutura bem "básica" na sua composição, mas para quem quer apenas bangear sem se preocupar com a hora do Brasil, ela preenche esse propósito: com a agravante do solo virtuoso de Courtney para colocar um sorriso descontrolado no seu rosto, enquanto a sua cabeça funciona como um tipo de ventilador humano.


NÃO HÁ SALVAÇÃO A SER ENCONTRADA AQUI: TUDO O QUE RESTA É A DANAÇÃO

Mesmo voltada para um lado mais Thrash, BURN IN HELL me fez ter a seguinte certeza: a temática e a estética estavam me fazendo lembrar a cada minuto de THE EYE, do lendário KING DIAMOND enquanto eu ouvia o álbum. O conteúdo lírico ficou pesadamente voltado para o nome da banda em sua literalidade: "Bruxas Queimadas", o que finalmente ocorreu em seu sexto lançamento, encontrando um paralelo com o álbum de 1990 do dinamarquês.
 
A guitarra semi-acústica ao iniciar RELEASE ME estabelece uma mudança de ritmo, e a "riffagem" mais lenta que a acompanha revelam que é uma canção mais sentimental. A balada melódica se coloca como a tranquilidade que antecede a tormenta, e no segmento 3:34 é lançado o solo mais bonito ouvido até agora na opinião do redator: é como se os gritos de sofrimento da Bruxa que clama voltar à liberdade se manifestassem com a abertura de um portal que conecta a dimensão dos homens com um outro plano existencial.
Em uma alternância que parecia ser natural, IN FOR THE KILL possui uma investida mais agressiva na batida e na palhetagem, sem se importar se o ouvinte irá aguentar o massacre sônico que infesta seus canais auditivos, junto com uma sincronia entre todas as musicistas, funcionando de forma uníssona enquanto o "couro come". Esta é forte candidata em ser tocada nos próximos shows que virão para a formação de moshpits violentos, cuja imagem mais apropriada é a de um liquidificador girando de maneira desordenada, produzindo mais watts do que um grupo de hamsters jamais poderia alcançar nos seus sonhos mais selvagens. E claro, sem faltar a energia contagiosa que as Bruxas Queimadas exalam quando estão dominando o palco.
 
IN THE EYE OF THE STORM nos leva na parte final deste trabalho, mantendo a propensão de massacre audível que o ouvinte recebeu em seus ouvidos até agora, e seguindo também a linha mais "na sua cara" que a sua antecessora. O encerramento informal, MIRROR, MIRROR também já deu as caras antes, junto com THE SPELL OF THE SKULL. Ainda que em uma escutada imatura, observa-se que o encantamento das bruxas mergulha mais profundamente numa ambientação sonora dos anos 80, trazendo um ar de CHASTAIN durante a sua execução (porém com um nível de produção mais moderno, o que é algo que vem com o território em pleno 2025). O trabalho das guitarras gêmeas aqui está a pleno vapor: quando a sua alimentação precisa ser regrada com uma diversidade de nutrientes para o seu corpo funcionar de acordo, cada ingrediente funciona para um propósito específico, refletindo a sincronia entre Romana e Courtney.



"...E ASSIM SERÁ FEITO. AMÉM!"

MALUS MAGA fecha as cortinas como o encerramento, servindo como uma instrumental atmosférica, envolvida com sons vocais parecidos com a realização de uma magia sendo lida em um livro arcano, em oposição à abertura, SANGUINI HOMINUM. A conjuração de um feitiço com o propósito de finalizar uma espécie de ritual é um processo mundialmente conhecido como "Finite Incantatem" (Encantamento Finalizado, numa tradução livre do latim), servindo como um final em ordens teórica e filosófica com o tema abordado.

Em dez anos de existência, este já é o sexto álbum das Bruxas, tornando-as uma das musicistas bastante prolíficas da atualidade. Para além disso, o álbum foi composto durante períodos de turnês extensas, com pouco tempo para respirar o ar do abrigo. O fato de termos INQUISITION ser lançado envolvido com tantos compromissos é um testamento da qualidade bruta das musicistas internacionais.

Não nos enganemos: há sim momentos de repetição (o que não é tão incomum, num panorama geral), só que isso não afeta o produto geral.

INQUISITION certamente irá satisfazer o público existente das BURNING WITCHES assim como tem atração de sobra para os novatos da multidão. O tempo dirá se o mesmo é digno de entrar na categoria de "clássico". Mas até isso acontecer, estaremos ocupados demais nos imaginando inseridos na época da Santa Inquisição enquanto chutamos e socamos a oposição existente deste período histórico, com a feitiçaria das Bruxas Queimadas iluminando os nossos caminhos.

Texto: Bruno França
Selo: Napalm Records 

Faixas:
1) Sanguini Hominum
2) Soul Eater
3) Shame
4) The Spell of the Skull
5) Inquisition
6) High Priestess of the Night
7) Burn In Hell
8) Release Me
9) In For The Kill
10) In The Eye of the Storm
11) Mirror, Mirror
12) Malus Maga



Um comentário:

Anônimo disse...

Bem anos 80 mesmo, e bem feito.