domingo, 31 de agosto de 2025

Entrevista: Greg Mackintosh fala sobre Ascension e o legado eterno do Paradise Lost

 


Entrevista Por: Jéssica Valentim
Fotos: Divulgação 

Com mais de três décadas de estrada e mais de dois milhões de álbuns vendidos, o Paradise Lost consolidou-se como um dos nomes mais influentes do metal sombrio. 

Desde a estreia em Halifax, em 1988, a banda abriu caminhos ao criar o gothic metal, unindo peso, melodia sombria e atmosferas densas em discos que se tornaram referência, como Gothic (1991). 

Ao longo da carreira, não se prenderam a fórmulas: partiram do doom-death arrastado, alcançaram o mainstream com a grandiosidade de Draconian Times (1995) e ousaram experimentar com sonoridades eletrônicas, influenciando uma geração inteira de artistas, de Cradle of Filth e HIM a Gatecreeper e Chelsea Wolfe.

Agora, prestes a lançar seu 17º álbum de estúdio, Ascension, o quinteto de Yorkshire mostra que segue em plena forma. Produzido pelo guitarrista e cofundador Greg Mackintosh, o disco transita entre peso e melodia, sem abandonar a melancolia que se tornou marca registrada da banda. Conversamos com Greg sobre o processo criativo de "Ascension", suas inspirações, dicas para quem quer começar a ouvir Paradise Lost e, claro, a expectativa para a próxima turnê no Brasil.



RtM: Em entrevistas deste ano, você mencionou como a regravação de "Icon" em 2023, com todos os desafios de revisitar e reaprender as músicas, teve impacto no novo material. 
Então, até que ponto essa experiência moldou a composição e o som de "Ascension'? Você diria que ele é inteiramente inspirado na era "Icon" e na mentalidade que vocês tinham nos anos 90, ou há outras influências envolvidas?
Gregory Mackintosh: Acho que… não é… o álbum não é inteiramente inspirado pela regravação de "Icon". Acho que a forma de pensar nisso é… quando revisitamos aquelas músicas do início e meados dos anos 90, isso meio que reacendeu a inspiração para o que o álbum viria a ser. 

Há um tempo, eu já tinha escrito várias músicas, e acabei jogando tudo fora porque não estava satisfeito. Então tirei um tempo, e quando fizemos a regravação de "Icon", isso reacendeu, serviu como direção, algo para mirar. Então, sim, deu início ao processo de composição. 

Mas não é que o álbum inteiro siga só essa direção. Há pelo menos três ou quatro músicas que, sinceramente, não sei nem de onde veio a inspiração, são um pouco mais dark, ou diferentes. Tem uma que começa praticamente como uma balada acústica, outra que soa como uma versão mais sombria do nosso segundo disco. Então existe essa diversidade, mas sim, eu diria que o núcleo do álbum foi inicialmente inspirado por aquela regravação.


RtM: Para mim, uma capa de álbum é sempre uma declaração, e a arte de "Ascension" carrega um simbolismo religioso bem claro. Você pode nos contar sobre essa obra e por que a escolheu para representar o disco?
Gregory Mackintosh: Claro. Eu sempre procuro peças de arte, até porque tenho várias gravuras pela casa, gosto de diferentes formas de arte. Eu já conhecia essa obra, mas não sabia de quem era. Quando percebemos que tínhamos um novo álbum chegando e precisávamos definir a capa, queríamos algo histórico, mas não de um grande mestre clássico. 

Nós já sabíamos que o álbum se chamaria "Ascension", então precisava ser algo que evocasse esse título. Também era importante ter as cores certas, porque a maior parte desse material foi escrita no outono e inverno do ano passado, e o álbum acabou ganhando essa atmosfera de manhã fria, outonal. 

"The Court of Death", de George Frederick Watts, ilustra a capa de "Ascension"

Então precisávamos desses tons de vermelho, verde e dourado. A peça que escolhemos se chama The Court of Death, de George Frederick Watts, um pintor vitoriano. Não é uma obra muito conhecida, mas as cores eram perfeitas. Para mim, ela transmitia ascensão. Talvez o artista não tivesse essa intenção.Vá saber? 

Mas quando olho vejo aquela figura central em paz, quase como se tivesse alcançado um estado de nirvana, enquanto as figuras ao redor parecem em conflito. Isso combinava com a ideia de "Ascension", e eu gostei muito das cores. 

Minha faixa favorita do álbum é "Salvation", e quando estava compondo essa música, fiquei olhando para essa pintura e pensando: será que elas se conectam? E se conectavam perfeitamente. Então pedimos autorização para usar a obra, e gentilmente nos concederam.


RtM: Em algumas músicas novas, como Serpent on the Cross e Salvation, também parecem carregar referências religiosas. Já que esse tema percorre o álbum, qual foi a abordagem nas letras? Qual era a intenção que você queria transmitir?
Gregory Mackintosh: Bem, a razão de mergulharmos de novo nesse uso de iconografia religiosa, metáforas e imagens foi, em parte, por causa de "Icon", que também tinha muito disso. Mas também voltamos às origens, ao nome da banda e ao livro Paradise Lost, de Milton, que fala justamente sobre a luta do homem com sua identidade, vida e morte, esses conceitos abstratos que a religião tenta lidar, muitas vezes sem sucesso, mas de forma interessante. 

Nas letras, eu e o Nick trabalhamos juntos. Eu mostro a ele a música e deixo que seja guiado pelo que ela evoca. Nossa música é escapismo, queremos que as pessoas sejam transportadas para outro lugar, que formem imagens na mente. Em algumas músicas, a metáfora religiosa funcionava bem, como em Salvation e Serpent on the Cross. 

Mas em outras, como Silence Like the Grave, o clima era diferente. Ela abre com metais e soa bombástica, quase como uma marcha de guerra, e o Nick escreveu sobre a ascensão e queda de impérios, sobre por que as pessoas vão à guerra, o que conquistam com isso e por que repetimos os mesmos erros. Tudo depende do que a música desperta. É subjetivo, como a arte, cada um interpreta à sua maneira.


RtM: E ao longo de 17 álbuns, o Paradise Lost nunca se repetiu. Mesmo revisitando elementos familiares, sempre há uma progressão, como uma linha invisível conectando os discos. Existe algo, em termos de composição ou produção, que vocês ainda não fizeram, mas gostariam de explorar?
Gregory Mackintosh: Sim, acho que sim. Uma das nossas maiores influências, desde quase o início, foi o Dead Can Dance, especialmente os primeiros discos, como Within the Realm of a Dying Sun. Então, música sacra. 

Crescemos ouvindo música de igreja. É curioso dizer isso porque todos somos ateus, mas, na infância, nossos pais nos levavam à igreja. Mesmo sendo ateus, era algo social, uma forma de comunidade, de conhecer pessoas. Então, parte da nossa infância está enraizada nisso: estar nesses prédios antigos, como crianças entediadas ouvindo hinos ecoando pelos corredores. 

Acho que isso ficou em nós. Tenho interesse por música medieval, séculos XII e XIII, especialmente da Europa Oriental: cantos gregorianos, sons de catedrais. Em Salvation, por exemplo, tentei reproduzir nas guitarras algo parecido com sinos e coros. Talvez, em algum momento, seja interessante explorar isso mais profundamente. Mas é preciso inspiração, não dá só para copiar um estilo, é necessário trazer algo próprio.


RtM: Isso seria interessante.
Gregory Mackintosh: Sim, com certeza.


RtM: Hoje, mesmo com o retorno do vinil e do CD, as plataformas de streaming têm um papel enorme na forma como a música é consumida, especialmente pelas gerações mais jovens. Ao mesmo tempo, o Paradise Lost continua tocando em grandes festivais, onde muitos ouvintes os descobrem pela primeira vez. 
Para alguém que assistiu a um show da banda em um festival, mas nunca ouviu seus discos, qual álbum você recomendaria como ponto de partida?
Gregory Mackintosh: Essa é difícil. Acho que o mais abrangente, que reúne todos os estilos da banda em um só álbum, seria Obsidian. Ele tem elementos de praticamente todas as nossas fases. Claro, o Nick tem três ou quatro estilos vocais diferentes, e ele usou todos em diferentes discos. 

E, em termos de atmosfera, "Icon" é um álbum muito puro da essência do Paradise Lost. Mas se a ideia for ter um panorama de todos os estilos, eu diria que "Obsidian" é a melhor porta de entrada.


RtM: Perfeito. E no início deste ano, vocês tocaram no Bangers Open Air no Brasil, sob quase 40 graus, e o público chegou cedo só para ver a apresentação de vocês. Eu estava lá, foi um show incrível. Os fãs podem esperar que a turnê de Ascension venha ao Brasil no ano que vem?
Gregory Mackintosh: Com certeza. Demorou bastante para agendar a turnê que incluiu o Bangers, por causa da logística e da organização, mas quando conseguimos, deu tudo certo. Conversamos bastante com o promotor, inclusive no festival e em outros shows, como no Chile, e criamos uma boa relação. Então deve ser mais simples organizar uma próxima turnê. 

É claro que ajuda quando conseguimos alinhar com festivais. Eu detesto calor, não me dou bem no verão, mas fazia sentido vir ao Brasil e à América do Sul junto com alguns festivais. O Carcass, por exemplo, estava fazendo o mesmo e nos encontramos em várias datas. 

Então, provavelmente no fim do próximo verão, deve rolar. E, claro, tentando encaixar em festivais também. Foi uma turnê ótima, muito tranquila, tirando um detalhe: nosso tour manager teve o passaporte roubado e ficou preso no México. Tivemos que continuar sem ele.


RtM: Sério?
Gregory Mackintosh: Sim, ficamos rodando a América do Sul e depois a do Norte sem ele. Só conseguiu um passaporte temporário dois dias antes de voar de volta pra casa. Ele passou três semanas preso em um hotel no aeroporto do México. Mas fora isso, foi tudo excelente. E tivemos a ajuda do Vander, que normalmente trabalha com o Sepultura.


RtM: Sim, eu conheço ele, é meu amigo próximo.
Gregory Mackintosh: Ah, ele foi incrível, super profissional, ajudou demais. Especialmente por falar a língua, o que facilita muito em aeroportos. Então, se fizermos de novo, com certeza vou chamá-lo para ajudar outra vez.


RtM: Então, para finalizar… se você tivesse que descrever Ascension em apenas uma frase, qual seria?
Gregory Mackintosh: Hmm… posso resumir em três palavras: bombástico e melancólico. É o mais simples que consigo colocar.


RtM: Perfeito. Eu ouvi o álbum ontem, e é incrível. Para mim, é o álbum do ano até agora, e duvido que alguém supere. Está realmente muito bom.
Gregory Mackintosh: Isso é um grande elogio, muito obrigado. Estou ansioso pelo lançamento, porque o período entre entregar um álbum para o selo e ele sair é de uns cinco meses. Nesse tempo, você fica se perguntando se ainda é bom, se continua fazendo sentido. Então ouvir isso de você me dá confiança.


RtM: É sim. A produção, tudo… está exatamente onde precisa estar. Ficou maravilhoso. Muito obrigada pelo seu tempo. Desejo um ótimo dia, e espero vê-los novamente no próximo ano, com uma grande turnê e um lançamento de sucesso. Tenho certeza de que todos vão amar tanto quanto eu.
Gregory Mackintosh: Muito obrigado, Jessica, agradeço demais.


"Ascension" será lançado no dia 19 de setembro via Nuclear Blast e já está disponível para pre-save. Três singles já foram divulgados e você pode conferir abaixo.

Line-up: Nick Holmes – Vocal | Greg Mackintosh – Guitarra | Aaron Aedy – Guitarra | Steve Edmondson – Baixo | Jeff Singer – Bateria

Agradecimentos a Marcos Franke e à Nuclear Blast pela colaboração.








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