É, senhoras, senhores e outros, estamos tendo tantos shows rolando pela cidade de São Paulo, a cidade que nunca dorme, que os donos do Fabrique Club até reviveram a saudosa Clash Club, que havia fechado há alguns anos já, em meados de 2017, 2018. Localizada no bairros da Barra Funda, a casa, enquanto ainda tinha seu nome antigo, já foi a sede de altos shows, Korpiklaani, Obituary, Deicide, Dark Tranquility, Suicidal Tendencies, Brujeria, Municipal Waste, H2O, Fear Factory, Destruction, Nile, 36 Crazyfists, The Dillinger Escape Plan e até o Architects passou pelas paredes da Rua Barra Funda 973. Como já foi dito, a casa ficou fechada por um bom tempo, mas em junho deste ano, a chama da esperança se reacendeu, e a casa reabriu com um novo nome, Espaço Usine, bastante parecido com a casa dos mesmos donos, na mesma rua, o Espaço Fabrique.
Desde então, alguns shows e eventos diversos já aconteceram por lá, Dawn Penn, Horace Andy, mas nada de música pesada, que era um dos grandes focos da casa em tempos passados. Acabou que esta falta de peso durou pouco, pois no finalzinho de outubro a Venus Concerts anunciou que as lendas do NYHC viriam para o Brasil com um show único, celebrando 30 anos do icônico “Set it Off”. A jornada até o dia do show não foi fácil, anunciaram o Paura como banda de abertura (no Chile também, com direito até a um show solo), trocaram a data do dia 5/12 ao dia 9/12, segundona, trocaram o local para o Fabrique, voltaram para o Usine. Mesmo assim, chegando naquela segunda, depois de mais um final de semana recheado de shows, parecia estar tudo de pé para o que seria o último show do ano para vários fãs.
Ao que tudo indicava, o lineup contaria apenas com o Paura e os nova-iorquinos, porém, na manhã do show, a produção anunciou que a Abulia, veteranos da cena hardcore de São José dos Campos, estaria iniciando os serviços. Independente, parece que a divulgação não foi muito eficaz, boa parte dos que chegavam na casa ficavam com cara de confusos, e alguns amigos meus até chegaram em mim e perguntaram: “mas não era só o Paura?” Complicado seria uma palavra muito boa para descrever as circunstâncias desse show, já que não só o espaço estava praticamente vazio quando subiram no palco, não devia ter mais de 35 pessoas na hora, que deve ser uma sensação completamente desmotivadora para qualquer banda, como o som embolado também não ajudou muito.
Apesar de todos os pesares, a banda estava esbanjando uma energia boa, estavam claramente animados de poder estar lá, abrindo para lendas do hardcore como o Madball. Basicamente, tiraram leite de pedra. Pegaram uma situação completamente desfavorável e fizeram um show curto, mas eficaz. Ficou claro que foram colocados lá como “gambiarra”, provavelmente por conta das complicações que ocorreram com as outras bandas no Chile, mas, deu certo. Um dos dois vocalistas terminou o show mandando a real: “Obrigado a aqueles que chegaram cedo, sei que é tentador ficar lá fora enchendo a cara”.
Por conta de complicações envolvendo a polícia em aeroportos chilenos, o show do Paura foi fortemente comprometido. Os integrantes da banda chegaram a comentar que estavam há mais de 36 horas sem nem comer nem dormir, e enquanto montavam o palco, estavam visivelmente cansados, abatidos. Ao som dos sinos e das sirenes de “Karmic Punishment”, subiram no palco, e a energia virou na hora. Tudo que o público estava infelizmente morno durante a apresentação da Abulia, parece que acordaram com o Paura. Quem já viu qualquer show deles, qualquer gravação sequer, sabe bem como é o caos que eles conseguem proporcionar com toda performance. De novo, o som deixou a primeira música completamente inaudível. O vocal de Fabio Prandini sumia, e ironicamente, o baixo estava estourando de tão alto, que até ocasionou reclamações da própria banda.
De todo modo, seguiram o baile, não deixaram a peteca cair, e emendaram pedrada atrás de pedrada, “Urban Decay”, “Reverse the Flow”, “Truth Hits Hard”. Durante a “Urban”, o vocalista até se abaixou e deu o microfone na mão de um dos fãs que estava na grade para cantar o refrão. Outra marca registrada dos shows mais recentes do Paura é a presença do carismático Marcelo Losito, o “Velho Punk”, pai de Tony Losito, baterista. A energia dele, que está sempre na grade, animadíssimo, dando uma grande força aos companheiros do seu filho é certamente sempre bem-vinda, e ele é uma prova viva da união e receptividade da cena do hardcore.
Independente do atraso de quase 30 minutos que havia acumulado até então, a energia do público seguia absurda, antecipando os headliners. Quando subiram, por volta das 21:30, começaram com ambos os pés na porta, logo “Set if Off” de primeira. A energia do vocalista, Freddy Cricien, refletia exatamente o sentimento do público, êxtase, uma felicidade pura. Desde os primeiros acordes, virou aquele padrão de show de hardcore, com uma parede quase impenetrável de pessoas sendo formadas ao redor do moshpit (que já consumia grande parte da pista do Usine) e o palco parecia mais uma pista de decolagem do que palco, a cada 10 segundos que passavam, era alguém novo voando.
O primeiro “bloco” do show foi dedicado exclusivamente a faixas do disco sendo celebrado, “Smell the Bacon”, “Lockdown”, “It’s Time” e “C.T.Y.C.” foram a sequência inicial, com “Never Had It” jogada ali no meio também. A relação do Madball com setlists sempre foi algo interessante de se observar, e é algo que foi deixado bem claro durante esse show; ter setlist eles até têm, mas ele é muito mais uma mera sugestão do que um roteiro absoluto do show. Acabaram seguindo parte da sequência que estava escrita à mão, de canetão, ao lado do baterista, e creio eu que todas as músicas que lá estavam foram tocadas, mas em relação à ordem, era quando a banda queria, que, querendo ou não, adicionou uma boa camada de dinamismo e uma “ilusão de escolha” dos fãs.
Se tem uma coisa que as bandas de hardcore fazem bem é exatamente esse reconhecimento dos fãs, e aquela segunda-feira não foi exceção. Freddie constantemente agradecia a energia e a presença de todos em plena segundona, falando algumas vezes da “magia do público de São Paulo”. Bom, dizer que ele gosta do Brasil é chover no molhado, dado que ele mesmo estava vestindo uma camiseta da veterana Questions. Nesse começo do show, também foi quando aconteceu o primeiro de muitos crowdsurfs do supracitado Velho Punk, que foi levado nos braços da multidão do palco ao fundo da casa, estampando um sorriso de orelha à orelha. Algumas músicas depois, foi evidenciada novamente a fluidez do setlist, quando o vocalista perguntou se os fãs queriam ouvir alguma coisa do “Set it Off” ou algo diferente. Vista a reação do público, ele foi com “Across Your Face”, do “Droppin’ Many Suckers”. Ele também perguntou quem estava vendo a banda pela primeira vez, e disse que tem um respeito absurdo por quem ainda não tinha os visto.
Antes da “Can’t Stop, Won’t Stop” começar, foi jogada mais uma reflexão ao público, “deveria falar em inglês ou em espanhol?” Verdadeiramente, não faria muita diferença, já que o público estava tão sincronizado com a banda que ninguém nem precisava falar nada para a conexão se manter. Acabou que pelo resto do show, um “spanglish” muito bem falado foi o meio de comunicação primário. No dia anterior, tocaram no histórico Teatro Cariola, em Santiago, local que tem capacidade para mais ou menos 1.500 pessoas, e a banda reconheceu a diferença entre os locais: “Em Santiago a gente tinha grade, era separado, mas hoje não. Usem esse palco como se fosse seu, mas se cuidem e cuidem dos outros. Pulem pelas paredes, mas se cuidem. É sobre isso que são as músicas, união. Foda se a política. Aqui é hardcore.”
Acabou que os fãs usaram muito bem o palco, com a faixa depois de “Look My Way” definindo isso perfeitamente. Durante a música, apareceu no palco uma fã vestindo uma camiseta da seleção argentina, e Freddie cedeu seu microfone à ela, que cantou a música com uma energia que beirava algo visceral. Não sei dizer exatamente quem era, se ela era vocalista de alguma banda, qual a relação dela com o Madball, mas posso dizer com certeza que a participação dela foi um dos pontos altos da noite. “Spit On Your Grave”, já voltou ao padrão estabelecido anteriormente, todo mundo cantava junto, mas não no palco, que era praticamente uma plataforma de trampolim, sem os trampolins. “Heavenhell” fez o palco do Usine parecer a estação da Sé em horário de pico.
Antes da “Doc Marten Stomp”, mais uma galera subiu no palco para cantar junto, inclusive aquela mesma fã. A interação com os fãs durou a noite inteira, com pequenas trocas como: “From the old to the new. When I say New York you say hardcore.” Uma das últimas músicas a serem tocadas foi “It’s My Life”, originalmente do The Animals, mas que também foi popularizada no meio do hardcore pelo Agnostic Front, e agora é marca registrada do Madball. As últimas duas foram “Born Strong” e “100%”, essa última cantada em espanhol, e as duas com aquela mesma fã no palco, e antes de se despedir, Freddie disse: “Da próxima, tocaremos no sábado.” Também soltou algumas informações do que vem por aí, dizendo que o “Madball vai lançar um disco novo já já. Comprem. Nem isso, só escutem, é isso que importa. Thank you São Paulo. Mucho amor.” Em um tom bem calmo, continuou: “Alguém perdeu as chaves aqui, vou deixar aqui atrás.Somos pessoas decentes”. Como sempre, falaram aquela que não podia faltar: “Obrigado, we are Madball and we’ll see you next year, until the next time”.
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