O nome Timo Tolkki é um daqueles nomes que normalmente se dividem entre a parcela que o desconhece completamente e aqueles que não só o conhecem, como entendem sua importância para o que temos hoje do power metal melódico. Isso porque, juntando-se em 1985 ao Stratovarius, o guitarrista (que também desempenhou a função dos vocais nos primeiros anos) ajudou a sedimentar, pelos 23 anos seguintes, todo um subgênero, sendo creditado ao lado de grandes como o Helloween, como pertencente a esta primeira geração.
Riffs rápidos, melodiosos e cheios de personalidade sempre foram características do músico, que já figurou em listas entre os guitarristas mais rápidos do mundo, deixando sua clara marca pelo Stratovarius através dos anos, até sua saída em 2008. Mas engana-se quem pense que o mesmo fica “apenas” creditado às obras de sua banda passada, tendo construído distintos projetos como o Revolution Renaissance e o Avalon, projetos que trouxeram diferentes participações como Michael Kiske, Tobias Sammet, Russell Allen, Tony Kakko e por aí vai.
Tudo isso para dizer que, ao refletir sobre o nome do músico, é inegável o impacto e a ligação deste com sua antiga banda mais icônica, mas que o tempo e suas outras produções contribuíram também para o reconhecimento como essa figura celebrada pela sua contribuição e contínuo desenvolvimento para a cena do metal. E não é absurdo compreender também o quanto esta história não só é reconhecida, como celebrada pelo brasileiro, especialmente dada a ligação com o gênero.
Desta forma, uma passagem do artista pelo nosso solo parecia um momento oportuno para celebrar sua história e possibilitar o contato do público com essa figura, algo que, inicialmente, acabou por sofrer contratempos e frustrações, uma vez que a turnê marcada para meados de março havia sido cancelada devido a problemas de saúde enfrentados pelo músico, especialmente em sua luta contra a diabetes tipo 2, que traz diferentes desafios, incluindo de mobilidade.
Com o tempo e recuperado, a turnê que parecia não ocorrer ganhou novas datas e lugares, espalhada por treze cidades brasileiras, cobrindo do sul ao nordeste do país. Falando especificamente de São Paulo, o show ficou marcado para acontecer na emblemática e histórica Galeria do Rock, dentro de seu recente espaço Rooftop Galeria do Rock, promovendo não só uma experiência única pela vista, mas também uma proposta diferente que contou com open bar para os pagantes e uma estrutura que propiciava um momento mais íntimo.
A grata surpresa da noite se deu pela abertura, a cargo de um super time que contou com Gus Monsanto nos vocais, Cesário Filho na guitarra, Bruno Sá no teclado e backing, Cristiano Gavioli no baixo e Rodrigo Martinho na bateria. Digo surpresa pois, apesar dos nomes de Gus e Cesário serem creditados no flyer como “participação especial”, não havia se deixado claro que haveria uma apresentação completa previamente ao show, o que inclusive acabou confundindo algumas pessoas sobre os horários reais de seu início.
Pois, pouco após as 20h, horário programado para o início, subiam ao palco do Rooftop os músicos, em um clima realmente pouco usual: um público até então espalhado, sentado entre conversas e bebidas, que ia se enfileirando pelo espaço, onde, para além do palco, era possível contemplar a bela vista para os arranha-céus, prédios antigos e o movimento da cidade que nunca dorme.
O repertório foi instantaneamente bem aceito, inflamando o lugar à medida que gerava crescente aprovação. De Yngwie Malmsteen a Scorpions, Black Sabbath, Deep Purple, entre outros, a banda reunida foi esperta ao mesclar diversas músicas de grandes hits a lados B que não só passaram voando, como serviram para o público aquecer o vocal junto a Gus, que aproveitou também para intercalar músicas de seu projeto solo e álbum mais recente, lançado em 2024, Dandelions, trazendo Hipnotized e Unbroken, ambas marcantes, cheias de ginga, do mais puro hard n’ heavy, destacando-se pela voz potente e um pouco mais “rasgada”, que chama a atenção.
E quando o assunto é chamar a atenção, impossível não mencionar talvez o destaque da noite, Cesário Filho, pela impressionante velocidade das palhetadas e riffs em sua interpretação das músicas, que eram verdadeiramente de deixar o queixo cair. Aproveitaram também para tocar uma música do guitarrista, prestes a ser lançada, chamada Tarot Cards. Não havia uma pessoa que, passando ou simplesmente parada, não fosse hipnotizada pelo som e não tecesse um elogio à proeza do músico. Nesse sentido, os elogios são importantes a serem deixados também para Bruno Sá, em todo seu carisma e a boa parceria que fazia com Cesário, fosse nos solos de teclado ou nos momentos de “conversa” entre guitarra e teclados, que eram simplesmente divertidíssimos.
Cristiano não ficava para trás, junto a Rodrigo promovendo aquele peso, profundidade e constância que permitiram à banda como um todo se sobressair e se elevar em tamanhas músicas de grande relevância na história, mas deixando claro que, para além de uma banda reunida para interpretações, estávamos claramente vendo competentes e experientes músicos que, ainda que talvez inesperados para alguns (eu incluso), pareciam simplesmente a atração principal, deixando todos satisfeitos com a performance.
Mas, encerrada a apresentação, era o momento de nos lembrar de que ainda havia a grande estrela da noite, para nos conduzir aos primórdios do power metal através das eras douradas do Stratovarius. Pouco a pouco, o palco começou a ser montado novamente, onde subia o Galaxie, banda de apoio de Timo no Brasil, formada por amantes do Stratovarius que nomearam a banda justamente em homenagem, e que curiosamente mantém também um projeto voltado ao universo do rock japonês e célebres músicas de tokusatsus e animes, de nome Banda KameRider, formada por Chico Saga (vocais), George Rolim (baixo), Thiago Bruno (teclado) e Ge Costa (bateria).
Com tudo aparentemente ajustado, incluindo uma bandeja com três caipirinhas dispostas para o músico em sua cadeira, tivemos um breve discurso de Flavio, responsável pela agência e produtora Breakdown Media, comentando sobre os desafios enfrentados até aquele momento e até mais recentes, com uma queda sofrida por Timo, que o estava fazendo tocar sentado, tendo essa preocupação de transparência para com o público.
De longe, já era possível ver chegando a grande figura do músico que, após se sentar, entre os constantes gritos dos fãs, iniciou da melhor forma possível, com Hunting High and Low, principal “hino” do Stratovarius de seu álbum Infinite (1999), que em um primeiro momento, abafada pelo cantarolar do público em frenesi, escondeu as primeiras aparições do que viria a ser o grande vilão da noite: problemas técnicos.
Em Paradise e Cold Winter Nights, as coisas começaram a soar frustrantes, principalmente entre os próprios músicos e Timo, que comentava sobre problemas com os retornos, instrumentos cujo som simplesmente sumia e exigências técnicas que demandaram tempo para se entender o que estava ocorrendo, até pouco a pouco se chegar ao melhor possível para entregar uma apresentação satisfatória ao público, que, por sua vez, entre um mix de sentimentos, parecia bem compreensivo e solidário, especialmente a Tolkki, que se mostrava desconfortável com os imprevistos.
Vale a nota de que até então, não havíamos tido quaisquer problemas do tipo (vide a apresentação anterior) e muitos dos entraves e ajustes realizados ao longo da apresentação aparentaram ser pedidos de Timo em relação ao seu próprio instrumento, fato este que em alguns momentos contou ainda com a ajuda de Cesário Filho para ajudar o guitarrista a deixar seu som o mais próximo de seu objetivo.
Curiosamente, em Stratosphere as coisas pareciam engrenar, onde o claro brilho e foco da apresentação estava na possibilidade de acompanhar o guitarrista fazendo sua arte em momentos que pareciam fazer desaparecer todo o resto. Houve espaço para surpresas também, como o retorno de Gus aos palcos para tocar duas músicas que fugiam do acervo do Stratovarius e batiam no do Revolution Renaissance, banda esta da qual Gus integrou, e revelou sobre aquele ser o primeiro encontro em 15 anos de ambos, fazendo daquele um momento cheio de significado para todos. Do repertório, fica o destaque para Age of Aquarius, autointitulada do álbum que traz esse lado mais progressivo e melódico do que um power propriamente dito, mas que, considerando a proposta do setlist, acabou dando um grande contraponto, com, claro, direito a um baita solo.
Houve sim, nesse meio tempo, mais alguns probleminhas aqui e ali, mas que não impediram o show de continuar, passando por outros hinos como Speed of Light e a música que fechou a noite, Black Diamond, no que, dentro da perspectiva do público, parecia satisfatório, mesmo que somado aos contratempos e à apresentação mais enxuta. Vale mencionar o próprio apoio da banda Galaxie que, a todo momento, buscou celebrar Timo, e parecia que a presença do mesmo os fazia entregar tudo de si para estar à altura da célebre obra do guitarrista.
Timo, do seu jeito, parecia também agradecer e interagir com o público, mesmo sendo mais reservado e se retirando assim que finalizada a apresentação. Aqui vale também comentar sobre o som que, apesar de ter encontrado seus desafios, quando em comparação à banda de abertura, ainda assim, pensando em um espaço aberto e de, em tese, zero eficiência em termos de propagação sonora, esteve muito bom ao longo da apresentação como um todo.
Ainda que marcado pelos desafios, colocado na balança o significado para o gênero e o legado incontestável, tivemos em primeira mão uma noite única na capital paulista, em que, para o futuro, fica guardada a expectativa de uma próxima vinda em que as estrelas se alinhem ainda mais e que o sentimento aparente seja exclusivamente o de satisfação.