Provando que Black Metal não precisa ser cru e nem de corpse paints
Os noruegueses do Enslaved são um dos nomes mais proeminentes do enorme - e muitas vezes polêmico - cenário do Black Metal no país. Mas, diferente de muitas bandas que ganharam fama por suas atitudes questionáveis, e até condenáveis, o que os torna um ponto fora da curva é sua qualidade técnica nos instrumentos, o som mais limpo, e seu flerte com a parte mais progressiva da música. Por isso, o que se esperava, e o que se teve no show na fria quinta-feira de novembro foi exatamente o que se teve: um show musicalmente incrível, com uma atitude muito positiva por parte de público e banda.
BAIXO VOLUME NA FILA ENGANOU! SHOW FOI SUCESSO DE PÚBLICO:
As portas do Fabrique Club estavam previstas para abrir às 19h30, e pouco antes das 19h, com o céu ainda escurecendo, havia algum movimento de fãs no entorno. Pessoas com suas camisetas de consagradas bandas do Black e Death Metal, coletes e jaquetas cheias de “patches” de bandas bebendo e conversando. Nos bares, ao redor, poucos clientes, mas se divertindo ouvindo sons do próprio Enslaved e outras bandas do gênero. Pontualmente, as portas se abriram e aos poucos esses fãs foram entrando na casa. O ambiente era tranquilo, sem filas, sem confusões.
Do lado de dentro, o pouco volume aglomerado de fora mostrava-se diferente. Gradualmente, o local foi enchendo. Contra todas as probabilidades por conta da “semana caótica” de shows em São Paulo, e por ser uma quinta-feira, já próximo das 20h30, meia hora antes de começar o show - que não teria banda de abertura -, a casa estava já com mais de metade de sua capacidade, e a última camiseta da banca de merchandising havia sido vendida. Para um show de Black Metal, isso é algo notório.
SHOW PESADO, TÉCNICO E AGRESSIVO NA MEDIDA CERTA:
Se a imagem de músicos de Black Metal com seus “corpse paints”, som cru e letras “malvadas” é um estereótipo do gênero, o Enslaved prova que isso não é necessário! A música da banda é técnica, com toques progressivos, uma atitude positiva por parte dos membros e letras completamente focadas na mitologia nordico-germânica. De cara limpa, e com um teclado e sintetizador analógico no palco, os noruegueses abriram o show às 21h10, mais ou menos, ao som de “Kingdom”, single do álbum Heimdal de 2024, o qual estão divulgando no momento.
O vocalista e baixista Grutle Kjellson, sentindo o público um pouco quieto, falou algumas palavras para tentar agitar. “Isso aqui é um show de rock, de metal, não uma porcaria gospel ou algo assim”, disse o vocalista levando todos a gritar, finalmente. “Homebound” seguiu, e depois “Forest Dweller”, músicas muito longas, mas que nunca perdem a intensidade. Funcionam perfeitamente ao vivo, e demonstram a capacidade técnica do quinteto.
As partes de vocais limpos, para quem olhava de longe, parecia até playback. Mas, na verdade, eram feitas magistralmente ao vivo pelo baterista Iver Sandøy, que impressionantemente tocava de forma rápida, muitas vezes quebrada, e cantava ao mesmo tempo. Outro ponto a se destacar, o vocalista e baixista Grutle muitas vezes parava de tocar e cantar e tocava um sintetizador analógico, fazendo sons curiosos e atmosféricos graves, que não apenas cobriam o que seria o baixo, mas também davam o clima pagão da apresentação. Além disso, a dupla de guitarristas Ivar Bjørnson e Arve Isdal é provavelmente uma das mais entrosadas e harmônicas que se pode ter no gênero mais extremo do metal.
Após a apresentação bem-humorada da banda, até tirando algumas risadas pela diferença de idade do tecladista Håkon Vinje, de 32 anos, em relação aos outros membros, tocaram a climática Congelia. Seguiram com “The Dead Stare”, “Havenless”, e a surpresa da noite, a excelente “Fenris”.
A banda saiu do palco com o público pedindo mais, e o baterista Iver voltou sozinho, tomando a frente, e pedindo para todos agitarem. Fez um curto e bem encaixado solo de bateria, que precedeu a volta dos outros membros ao palco, para tocarem “Isa”, e finalmente, encerraram com chave de ouro a apresentação com Allfǫðr Oðinn. O show relativamente curto, com pouco mais de uma hora e dez minutos de apresentação, foi suficiente para valer a noite e a semana.
SOM BAIXO E PÚBLICO TÍMIDO, MAS BANDA CARISMÁTICA E CLIMA NÓRDICO COMPENSAM, E SALDO DA NOITE É MUITO POSITIVO:
Uma parte estranha, digna de menção, foi a frieza do público. Mesmo numeroso, não dá para se dizer que houve um grande barulho por parte do público. Mesmo quando Grutle pedia para todos animarem, o faziam por apenas alguns instantes, mas longe de ser uma plateia calorosa. Para um show de metal extremo, isso é algo curioso.
O som também teve seus problemas. Instrumentos um pouco baixos, especialmente levando em conta o local, conhecido por ter uma acústica que deixa mais alto, e muitas vezes a bateria encobria o resto. Os vocais, por sua vez, todos na medida!
Apesar dessas adversidades, quem foi ao Fabrique Club curtir boa música, saiu completamente satisfeito - em alguns casos, até surpreendentemente satisfeito. Uma banda afiada, um set-list matador, e musicalidade acima do peso, com músicas muitas vezes atmosféricas de oito, nove e dez minutos de duração, mostraram, de uma vez por todas, que Black Metal não precisa ser cru, não precisa ser algo com temática violenta, e o sucesso do show, e da banda, provam que há espaço para a finesse no som extremo.
Texto: Fernando Queiroz
Fotos: Belmilson Santos (Roadie Crew)
Edição/Revisão: Gabriel Arruda
Realização: Agência Powerline
Mídia Press: Tedesco Comunicação & Mídia
Enslaved – setlist:
Kingdom
Homebound
Forest Dweller
Congelia
The Dead Stare
Havenless
Fenris
Isa
Allfǫðr Oðinn
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